Acórdão nº 74/16.2T8FAL-B.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 07 de Junho de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA JO
Data da Resolução07 de Junho de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA I- RELATÓRIO AA, S.A., credora da insolvência da sociedade BB, S.A. (…) inconformada com a sentença de verificação e graduação dos créditos, dela veio interpor recurso no qual formulou as seguintes conclusões: A) A ora Recorrente vem interpor o presente recurso de apelação por não se conformar com o segmento decisório da douta sentença de verificação e graduação de créditos que considerou o seu crédito, no montante de 2.000.000,00 como emergente de um contrato de suprimento e, assim, o qualificando como crédito subordinado sobre a insolvência.

B) A ora Recorrente vem ainda interpor o presente recurso de apelação por não se conformar com o segmento decisório da douta sentença de verificação e graduação de créditos que qualificou os créditos reclamados pelo credor CC, no montante total de 1.323€,.

C) Salvo melhor entendimento, em qualquer dos referidos casos, o Tribunal “a quo” incorreu em erro de julgamento fundado em violação de normas substantivas.

D) Assim, quanto à verificação e graduação do crédito reclamado pela Recorrente, a douta sentença “a quo” (e bem) fez apelo ao disposto no artº. 238.º do CC para extrair o sentido do documento contratual designado como “Contrato de Compras e Vendas de Acções, Promessa de Aumento de Capital Social e Acordo de Realização de Suprimentos” (adiante “contrato”) e que fora celebrado no dia 28/08/2011.

E) De facto, estão em causa enunciados contratuais revestidos de forma especial.

F) O referido normativo não afasta a norma que se acha contida no art. 236.º, n.º 1, do CC, ou seja, o referido normativo apenas introduz uma limitação ao âmbito significativo apurado nos termos gerais, conforme, aliás, refere a doutrina citada nas alegações supra.

G) Muito embora o Tribunal recorrido tenha considerado (e bem) a aplicação deste art. 238.º do CC ao caso vertente, a verdade é que efectuou uma errada interpretação e aplicação desse normativo, quando (i) se limitou à qualificação efectuada pelos contraentes (e que configuraram a prestação dos dois milhões de euros como suprimentos) e (ii) desconsiderou o remanescente clausulado (em especial, a cláusula 3.ª do contrato).

H) A qualificação negocial é ainda um momento do próprio processo interpretativo e o intérprete não está – nem deve estar – limitado à auto-qualificação efectivada pelos contraentes, conforme melhor demonstrado nas alegações supra.

I) Caso o Tribunal “a quo” tivesse levado em atenção o que se acha estipulado na cláusula 3.ª do referido contrato, logo teria irremediavelmente concluído que não poderia estar em causa um contrato de suprimento.

J) E isto tão-simplesmente porque, à data em que os dois milhões de euros foram prestados nos termos da claúsula 6.ª, n.º 3, (ii) do contrato, a AA não era ainda sócia da sociedade insolvente, ou seja, noutros termos, não era ainda titular de uma qualquer participação no seu capital social.

K) O contrato de suprimento é, segundo o art. 243.º, n. º 1, do CSC, o “contrato pelo qual o sócio empresta à sociedade dinheiro ou outra coisa fungível, ficando aquela obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade, ou pelo qual o sócio convenciona com a sociedade o diferimento do vencimento de créditos seus sobre ela, desde que, em qualquer dos casos, o crédito fique tendo carácter de permanência”.

L) A qualidade de sócio é requisito fundamental e inarredável para a qualificação de um contrato como contrato de suprimento, conforme, aliás, destaca a doutrina citada nas alegações supra.

M) O contrato de suprimento é, pois, um daqueles tipos contratuais em que a qualidade das pessoas é preponderante no juízo qualificativo, conforme demonstrado nas alegações supra.

N) À data de celebração daquele contrato (e mútuo a favor da sociedade insolvente), a Recorrente não podia ser considerada sua sócia na medida em que a transmissão das acções tituladas nominativas ocorreu apenas e tão-só em momento ulterior.

O) O efeito real do contrato de compra e venda de acções – a transmissão da propriedade – não opera por mero efeito desse mesmo contrato, mas mediante a prática de actos subsequentes, conforme expressamente decorre do estipulado na referida cláusula 3.ª e do disposto no art. 102.º do CVM.

P) Resulta daquela claúsula 3.ª, al. a), do contrato, que “[p]ara plena eficácia da compra e venda à AA referida nos números anteriores, os Vendedores obrigam-se no prazo de 5 dias a entregar-lhe os seguintes documentos: (...) os títulos representativos das acções vendidas, com as respectivas declarações de transmissão e pertences devidamente preenchidos a favor das respectivas Compradoras, demonstrando que as mesmas acções se encontram livres de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidades”.

Q) Este preceito contratual é consonante – e não podia deixar de sê-lo – com o regime legal em matéria de transmissão de valores mobiliários titulados nominativos e que se encontra plasmado no art. 102.º do CVM.

R) O art. 102.º, n.º 1, do CVM, dispõe que “os valores mobiliários titulados nominativos transmitem-se por declaração de transmissão, escrita no título, a favor do transmissário, seguida de registo junto do emitente ou junto de intermediário financeiro que o represente”.

S) E o correspectivo n.º 5 determina, ainda, que “a transmissão produz efeitos a partir da data do requerimento de registo junto do emitente”.

T) Deste modo, o efeito real do contrato de compra e venda de acções – a transmissão da propriedade – não opera por seu mero efeito (art. 408.º, n.º 1, in fine, do CC), mas através de dois actos jurídicos distintos e subsequentes, a saber: (i) a declaração de transmissão escrita no título e (ii) o registo junto do emitente, conforme, aliás, demonstram as várias referências doutrinais e jurisprudenciais constantes das alegações supra.

U) E esses actos, nos termos daquela cláusula 3.ª e do regime legal aplicável, só poderiam naturalmente ocorrer após a data de celebração do contrato de compra e venda e após a data do empréstimo efectuado a favor da sociedade insolvente.

V) Assim, à data em que a Recorrente efectuou um empréstimo no montante de 2.000€ afavor da sociedade insolvente, não era a primeira sócia da segunda porque a transferência do direito de propriedade sobre as acções não estava ainda efectivada, pelo que não podia também considerar-se que esse crédito derivava de um contrato de suprimento.

W) Tratou-se, bem pelo contrário, de um simples contrato de mútuo (ou empréstimo) subtraído a qualquer regime especial, nomeadamente ao que consta dos arts. 243.º e ss. do CSC.

X) O Tribunal “a quo” incorreu, portanto, salvo melhor entendimento, em erro de julgamento (fundado em violação de lei substantiva) ao ter qualificado o crédito emergente daquele contrato de mútuo como um crédito subordinado sobre a insolvência, nos termos e para os efeitos do disposto nos art. 47.º, n.º 4, al. b) e 48.º, al. g), do CIRE e, bem assim, do disposto no art. 245.º, n.º 3 do CSC.

Y) A douta sentença sob recurso interpretou e aplicou erradamente as disposições legais sobre interpretação da declaração negocial, tendo-se limitado à qualificação que os contraentes deram ao acordo quando o configuraram como contrato de suprimento, violando, assim, o disposto nos arts. 236.º e 238.º do CC.

Z) Impunha-se um juízo qualificativo diferente daquele tendo em consideração os enunciados contratuais (v.g., cláusulas 1.ª, 3.ª e 6.ª, n.º 3, (ii) do Contrato) e, bem assim, o disposto no art. 102.º do Código dos Valores Mobiliários (“CVM”) em matéria de transmissão de valores mobiliários titulados nominativos.

AA) A errada interpretação e aplicação das disposições respeitantes à interpretação negocial – com o inerente errado juízo qualificativo do aludido contrato – determinou, a montante, a errada subsunção desse facto jurídico-negocial à previsão normativa do art. 243.º, n.º 1, do Código da Sociedades Comerciais (“CSC”).

BB) Mas, quanto à verificação e graduação do crédito reclamado pelo credor CC, o Tribunal “a...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT