Acórdão nº 1532/13.6TBSTR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 07 de Junho de 2018

Magistrado ResponsávelFRANCISCO MATOS
Data da Resolução07 de Junho de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Proc. nº 1532/13.6TBSTR.E1 Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório.

  1. Banco (…) Português, S.A., com sede na Praça D. (…), Porto, instaurou contra (…), com residência no Edifício S. (…), Lote 2, 2º andar Frente, em Cova das (…), Santarém, ação declarativa com processo ordinário.

    Em resumo, alegou que é dono e legítimo proprietário da fração autónoma designada pela letra K, correspondente ao segundo andar frente, do prédio urbano sito em Cova das (…), São (…), Lote 2, freguesia de Santarém (Marvila), concelho de Santarém e que a Ré, sem qualquer título, abusiva e ilegitimamente, ocupa a referida fração, contra a vontade do A., recusando-se a desocupá-la e a entregar as respetivas chaves não obstante as sucessivas interpelações do A. para o efeito.

    O A. adquiriu por adjudicação, que teve lugar na ação executiva que correu contra a anterior proprietária, a Sociedade de Construção Civil de (…) e (…), Lda., dois lotes de terreno para construção urbana e não obstante à data da aquisição os bens se encontrarem inscritos e registados como lotes de terreno para construção urbana, já se encontravam implantados, edificados e construídos os prédios urbanos que vieram a ser designados como Lotes 1 e 2, compostos por onze frações autónomas cada um, destinadas a habitação.

    Após a aquisição dos bens, o A., a fim de proceder à legalização das respetivas edificações, iniciou o respetivo procedimento administrativo junto da Câmara Municipal de Santarém, com vista à emissão das respetivas licenças de utilização e posteriormente, por escritura pública, procedeu à constituição da propriedade horizontal do prédio designado como lote 2, declarando-a constituída com onze frações autónomas, individualizadas pelas letras “A” a “K” destinadas a habitação.

    A ocupação ilegal da fração “K” pela A., desde 8/11/2012, data do seu licenciamento, tem impedido a A. de a arrendar, causando-lhe um prejuízo mensal de € 663,61.

    Concluiu pedindo a condenação da Ré a restituir-lhe a referida fração e a pagar-lhe uma indemnização de € 4.645,27, acrescida da quantia de € 663,61 mensais desde Julho de 2013 e até efetiva restituição da fração.

    Contestou a Ré argumentando, em síntese, que desde princípios de Fevereiro de 2007 que habita a fração reivindicada pelo A., a qual lhe foi entregue pela Sociedade de Construção Civil de (…) e (…), Lda., na sequência de um “contrato promessa de compra e venda com permuta”, mediante o pagamento da quantia de € 45.000,00 e entrega, à sociedade, de uma outra fração pertença da Ré.

    O contrato promessa foi declarado resolvido, a Sociedade de Construção Civil de (…) e (…), Lda., foi condenada a pagar à Ré a quantia de € 90.000,00 e, para garantia do pagamento desta quantia, foi reconhecido à Ré o direito de retenção da fração autónoma, correspondente ao 2ª andar frente do lote 2 do Edifício S. … (sentença do Tribunal de Comarca de Cascais, de 3/3/2010).

    À data da instauração da ação executiva, o A. sabia que o prédio estava edificado e habitado e, nomeadamente, que a Ré habitava o 2º andar frente e as razões que o justificavam e omitiu esta situação de facto na execução por forma a que o objeto penhorado e o objeto sobre o qual incide o direito de retenção da Ré constituíssem realidades distintas a fim de impossibilitar esta a reclamar o seu crédito na execução.

    Com a sua desleal conduta, o A. pretendeu adquirir um edifício todos construído – faltava, tal como falta, arranjos ao nível dos sub-pisos – penhorando e provocando a venda executiva de um “lote de terreno”, evitando um prévio ou contemporâneo pedido de insolvência da sociedade devedora e, assim “fugir do concurso com os demais credores”, nomeadamente com a Ré, cuja situação bem conhecia, agindo em claro abuso de direito.

    Concluiu pela improcedência da ação e, em reconvenção, pede a condenação da A. a reconhecer o seu direito de retenção sobre a fração para garantia do pagamento da quantia de € 90.000,00, acrescida de juros e a sua condenação como litigante de má-fé.

    Respondeu a A. por forma a concluir pela improcedência da defesa da Ré e do pedido reconvencional essencialmente por considerar que esta deveria ter reclamado o seu crédito na ação executiva e que não o tendo feito o seu alegado direito mostra-se precludido.

  2. Foi proferido despacho que admitiu o pedido reconvencional e, após audiência prévia, foi proferido despacho saneador que afirmou a validade e regularidade da instância e, em seguida, identificou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova.

    Teve lugar a audiência de discussão o julgamento e depois foi proferida sentença, em cujo dispositivo designadamente se consignou: “ (…) considera-se a ação parcialmente procedente, por parcialmente provada e a Reconvenção totalmente improcedente por não provada, e, em consequência:

    1. Declara-se o Autor Banco (…) Português S.A., dono e legítimo proprietário da fração autónoma designada pela letra “K” correspondente ao segundo andar frente, destinada a habitação, de tipologia T-três, com dois lugares de estacionamento na segunda cave identificado por P-nove e P-dez, com uma arrecadação no sótão identificada por A-oito, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito em Cova das (…), São (…), Lote 2, freguesia de Santarém (Marvila), concelho de Santarém, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santarém, sob o nº …/19970320 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…) da referida freguesia; b) Condena-se a Ré (…) a restituir ao Autor Banco (…) Português S.A., a referida fração autónoma, devoluta e desocupada de pessoas e bens, em bom estado de conservação e em perfeitas condições; c) Absolve-se a Ré (…) do pagamento ao Autor de indemnização correspondente ao valor devido pela ocupação do imóvel desde Dezembro de 2012 até efetiva restituição da mesma livre e devoluta de pessoas e bens; d) Absolve-se a Ré (…) do pagamento ao Autor de indemnização a título de eventuais danos causados pela utilização do imóvel; e) Absolve-se o Autor o Banco (…) Português do pedido de reconhecimento à Ré/Reconvinte (…), do direito de retenção sobre a identificada fração, para garantia do crédito de € 90.000,00; f) Absolve-se o Autor o Banco (…) Português do pedido de condenação como litigante de má-fé.” 3. A Ré recorre da sentença e formula as seguintes conclusões: 1ª- Alguns dos factos materiais da causa têm especificidades muito próprias e peculiares, nomeadamente quanto à atuação do A., e que não são subsumíveis com nenhum dos casos e processos sobre que tenha recaído a jurisprudência citada na sentença, indo assim para além dos factos em apreciação nesses outros processos; 2ª- Devem ser aditados aos factos provados os seguintes: - Os imóveis referidos em 2.1.1 foram penhorados em 12/11/2008; - Em 14 de Abril de 2009, representantes do A. e por iniciativa deste reuniram com alguns moradores do Lote 2, incluindo a R., e o A. não fez qualquer referência ao processo executivo em curso, omitindo essa informação à R. e restantes moradores; - O A. omitiu no processo executivo a informação da existência de moradores e respetivas situações concretas, nomeadamente quanto à R.; - O A. reclamou no processo de insolvência da Sociedade promitente-vendedora o remanescente do seu crédito, no valor de 944.923,31 euros.

    - A R. só tomou conhecimento do processo de execução posteriormente à venda judicial.

    3ª- Tais factos resultam da documentação carreada para os autos (nomeadamente certidão parcial do processo executivo e seu apenso, e lista de credores reconhecidos nos autos de insolvência), da prova produzida em audiência (depoimentos de Dr. … a 8/3, 14h16m27s, Drª … a 8/3, 14h26m22s, … a 8/3, 14h39m40s, … a 8/3, 15h03m23s, … a 29/3, 10h28m38s, e … a 29/3, 10h28m38s) e dos factos tidos como assentes em 2.1.12 e 2.1.13 em articulação com tudo quanto na sentença é expressamente reconhecido na “Convicção do Tribunal e exame crítico das provas”; 4ª- A maioria dos factos cujo aditamento à matéria assente é requerida extrai-se já da própria fundamentação da sentença e aí são expressamente assumidos, outros da documentação dos autos e outros, por si ou em articulação com os referidos meios de prova, dos depoimentos das testemunhas que, nos dizeres do Tribunal, “prestaram declarações duma forma serena, segura e isenta de contradições, merecendo, por isso, a credibilidade do Tribunal”, meios de prova para os quais se remete e já anotados nas alegações; 5ª- Foi já judicialmente reconhecido à R. o seu direito de retenção – facto provado em 2.1.8; 6ª- O direito de retenção é direito real de garantia, dotado de sequela e operando erga omnes, conferindo à R. o direito de não abrir mão da coisa enquanto não obtiver o pagamento do seu crédito; 7ª- A sentença entendeu que o direito de retenção da R. caducou com a venda judicial, em entendimento com o qual também não se concorda e que, de resto, se crê simplista, na medida que a questão em apreço nos presentes autos vai muito para além da mera interpretação do disposto no artigo 824º, nº 2, do CC, tendo em conta a própria especificidade dos factos assentes, nomeadamente a demonstrada conduta do A. e a desconformidade entre os bens penhorados/vendidos e a realidade existente; 8ª- As disposições legais aplicáveis ao processo de execução impõem ao executado a indicação de ónus, direitos e encargos não registáveis que recaiam sobre os bens penhoráveis, bem como os respetivos titulares, e, independentemente disso, impõem ainda a citação do credor titular de direito real de garantia conhecido sobre o bem penhorado e para reclamar o seu crédito; 9ª- Nada disso se passou naqueles autos! 10ª- A executada há muito «desaparecera do mapa»; 11ª- E o A., conhecedor da concreta situação da R., não a informou da penhora e nem sequer do processo executivo – e com ela reuniu, em data posterior à penhora e antes da venda – e ainda omitiu por completo no processo executivo a situação da R. e restantes moradores, com o intuito conseguido de ser pago...

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