Acórdão nº 1561/16.8T8FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 28 de Junho de 2018

Magistrado ResponsávelTOM
Data da Resolução28 de Junho de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam no Tribunal da Relação de Évora *** I. Relatório.

  1. BB, de nacionalidade Alemã, com domicílio na Rua de … n.º …, 6º Esquerdo, Faro, intentou a presente ação declarativa comum condenatória contra seu marido CC, de nacionalidade alemã, residente em Casa …, Sitio da P…, CX …, Santa Bárbara de Nexe, Faro; e DD, residente em “Casa M…” sito em Quinta do M…, Sector …, Semino, Quarteira, pedindo: a) Que se declare que a Autora é dona e legitima possuidora do imóvel identificado no art.º 1.º da petição inicial; e se b) Condenem os Réus a reconhecer tal direito de propriedade e a restituir, definitivamente, à Autora, a posse sobre o mesmo imóvel.

    Alegou, em síntese, ser proprietária do prédio desde 14/11/1984, por o ter adquirido no estado de divorciada, estando casada com o Réu CC desde 08/01/1990, estão separados de facto há mais de 20 anos, utilizando os Réus o imóvel contra a sua vontade e recusando-se a restitui-lo, impedindo-a de o usufruir.

  2. Citado, o Réu CC contestou, pugnando pela improcedência da ação, e formulou pedido reconvencional, pedindo a condenação da Autora: a) A pagar-lhe uma indemnização correspondente ao preço de compra e ao valor das benfeitorias por si realizadas no prédio em causa, no valor global de €156.801,54, acrescido de juros à taxa legal desde a notificação do pedido reconvencional e até efetivo e integral pagamento e ser-lhe reconhecido o direito de retenção sobre o prédio urbano em causa, suspendendo-se a obrigação de restituição, até que seja integralmente paga a aludida quantia; b) Subsidiariamente, a restituir ao Réu, ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa, as quantias por este despendidas com o preço de aquisição do prédio, despesas de conservação e melhoramentos efetuadas no imóvel, no valor global de € 156.801,54, acrescido de juros à taxa legal desde a notificação do pedido reconvencional e até efetivo e integral pagamento, ou o valor que posteriormente se vier a apurar em liquidação de sentença.

    Alegou, resumidamente, ter custeado exclusivamente o preço de aquisição do imóvel enquanto vivia em união de facto com a Autora na perspetiva do casamento, que veio a suceder posteriormente, estando separados de factos desde 1994, nunca mais a Autora se tendo deslocado ao imóvel ou custeado qualquer despesas relativa à sua manutenção ou impostos, tendo sido o Réu que realizou e suportou todas obras de melhoramento e conservação do prédio, na convicção de ser o dono do imóvel, por ter pago a totalidade do preço e custeado a sua conservação, pelo que o pedido da Autora configuraria um manifesto abuso de direito, porquanto tal exercício excede clamorosamente os limites impostos pela boa-fé e os limites normativos imanentes ao direito subjetivo invocado pela Autora, nos termos do art.º 334º do Código Civil.

    O Réu DD, pessoal e regularmente citado, não deduziu contestação, não constituiu mandatário e apenas interveio nos autos quando foi ouvido como parte na audiência final.

  3. A Autora replicou, impugnou a generalidade da factualidade alegada pelo Réu, para além de negar ter com ele vivido em união de facto à data da compra do imóvel e que a questão das benfeitorias terá que ser resolvida no âmbito do processo de partilhas após divórcio, podendo, quando muito, e a provar-se as benfeitorias, teria apenas direito a metade desse valor, na medida em que, no momento da liquidação, os ganhos patrimoniais de cada um dos cônjuges (a diferença entre o património inicial e o património final) são repartidos igualmente entre os cônjuges nos termos do §1363, par, 2, in fine, BGB (não podendo este pedido ser apresentado perante os Tribunais Portugueses).

    Mais referiu que o Réu CC é Advogado desde a data da compra aqui em causa e o artigo 1363.º do Código Civil Alemão, cuja redação atual já se mostrava em vigor à data da aquisição do imóvel, refere, expressamente, que os bens próprios dos cônjuges não se tornam património comum do casal, não pode o mesmo agora alegar que agiu na convicção de que estava a atuar sob um direito próprio, sempre se considerando proprietário do imóvel.

  4. Foi proferido despacho saneador que afirmou a validade e regularidade da instância, identificou o objeto de litígio e enunciou os temas da prova.

    Teve lugar a audiência de discussão e julgamento e depois foi proferida sentença em cujo dispositivo se consignou: “i. Julgar parcialmente procedente a presente ação e, em consequência, reconhecer a Autora BB como proprietária do prédio urbano, destinado a habitação, com quatro divisões, cozinha, 2 casas de banho, vestíbulo e terraço, denominado “Casa …” sito na Quinta do M…, Semino, freguesia de Quarteira, concelho de Loulé, inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo …º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º …/…; ii. Determinar que os Réus CC e DD restituam à Autora BB o prédio referido em i), devendo os Réus absterem-se de praticar quaisquer atos que perturbem o direito de propriedade da Autora e, relativamente ao Réu CC, apenas e logo que cesse o seu direito de retenção sobre o imóvel com vista a assegurar o pagamento da quantia de € 36.158,39, acrescida de juros de mora às taxas sucessivamente em vigor para os juros civis desde a notificação do pedido reconvencional e até efetivo e integral pagamento relativa a obras realizadas no imóvel por parte do 1º Réu; iii. Absolver os Réus do demais peticionado.

    Da reconvenção iv. Julgar parcialmente procedente o pedido reconvencional e, em consequência, condenar a Autora BB a pagar ao Réu CC a quantia de € 36.158,39, acrescida de juros de mora às taxas sucessivamente em vigor para os juros civis desde a notificação do pedido reconvencional e até efetivo e integral pagamento a titulo de enriquecimento em causa por obras realizadas no prédio identificado em i); v. Reconhecer ao Réu CC o direito de retenção sobre o imóvel referido em i) até pagamento pela Autora da quantia de € 36.158,39, acrescida de juros de mora às taxas sucessivamente em vigor para os juros civis desde a notificação do pedido reconvencional e até efetivo e integral pagamento; vi. Absolver a Autora do demais peticionado”.

  5. Desta sentença recorreram a Autora e o Réu CC, finalizando a Autora as suas conclusões nos termos seguintes: A) A Douta Sentença é nula, nos termos e para os efeitos da alínea e) do n.º 615 do C.P.C, porquanto a Mma. Juiz a quo condenou a Recorrente em objeto diverso do pedido.

    1. Nos termos da Douta Sentença, o pedido principal do R. reconvinte foi desconsiderado; B) Nos termos do pedido subsidiário do R./Reconvinte, parcialmente aceite pelo Tribunal ad quo o R/Reconvinte não solicita ao Tribunal o reconhecimento do direito de retenção sobre o imóvel, até que lhe sejam pagas as quantias em que A. seja condenada.

    2. Pelo que, a Douta Sentença é nula, na parte em que reconhece o direito de retenção ao R/Reconvinte CC, nos termos e para os efeitos da alínea e) do n.º 615 do C.P.C.

    3. A Autora foi condenada a pagar ao R./Reconvinte CC, a quantia de € 36.158,39 acrescida de juros remuneratórios a titulo de enriquecimento sem causa; E) Nos presentes Autos, contudo, não se mostram verificados os requisitos (cumulativos) para fazer operar a obrigação de restituição em sede de enriquecimento sem causa.

    4. Dos factos provados nos presentes Autos não resulta que tenha havido um “empobrecimento” efetivo do R/ Reconvinte CC; G) O R./Reconvinte, investiu no imóvel € 36.158,39 e recolheu dividendos de, pelo menos, € 92.400,00, ao que acresce, H) O R./Reconvinte utilizou a propriedade da A., durante um mês ao longo de 22 anos, e tendo em consideração uma contrapartida pela utilização de € 700 mensais, terá economizado, pelo menos, € 15.400,00 (quinze mil e quatrocentos euros) à custa do património da A.

    5. A Decisão sob análise, sanciona, que a A. proprietária/titular, depois e além de estar privada da coisa, ainda terá que pagar, suprema ironia, a totalidade da “conta” das despesas do gozo alheio do R./Reconvinte, pessoa que a esbulhou! J) Quando o R./Reconvinte, enquanto possuidor do gozo da coisa, foi o único a colher/gozar as vantagens e utilidades das obras que promoveu na propriedade da A.

    6. Como considera o Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no âmbito do Proc. n.º 1289/12.8 TBACB.C1; “…Em tal hipótese, mantendo-se a coisa sobre o seu domínio anos a fio, mal andaria o direito – seria até um pouco “torto” – se viesse a consagrar como solução a obrigação do titular/proprietário reembolsar todos os gastos feitos com benfeitorias, ainda que feitos há 15 ou 20 anos, ainda que respeitantes a conservações e melhoramentos que, entretanto, com o passar/erosão/desgaste dos anos e da utilização/gozo por parte do possuidor, tivessem perdido todo ou a maior parte do seu valor…” L) Sendo o enriquecimento fonte autónoma da obrigação de restituir, embora subsidiária (art.º 474º do Cód. Civil), a falta de causa da atribuição ou vantagem patrimonial que integra o enriquecimento terá de ser alegada e demonstrada por quem invoca o direito à restituição que dela decorre, em conformidade com as exigências das regras gerais sobre os ónus de alegação e prova (art.º 342º do Cód. Civil).

    7. Não logrou, o R./Reconvinte, como lhe competia, segundo as regras de repartição do ónus probatório, provar, a por si, alegada falta de causa justificativa, não podendo a A. ser condenada a restituir por, uma outra, suposta, causa justificativa, ou pela mera demonstração de uma deslocação patrimonial, desconsiderando os demais requisitos legalmente exigidos para a existência da obrigação em restituir, designadamente a prova da falta de causa de uma deslocação patrimonial.

    8. Nos termos da Decisão, o R./Reconvinte não terá direito a receber da A. qualquer quantia por conta do que se apelida de “despesas de manutenção correntes da casa” O) Mas a A. é condenada a pagar ao R./Reconvinte as quantias que emergem dos pontos 16, 20 e 21 dos factos provados, P) Tais obras e trabalhos, apenas poderão ser considerados como...

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