Acórdão nº 31/14.3GBFTR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 09 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelANA BARATA BRITO
Data da Resolução09 de Janeiro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na Secção Criminal: 1.

No Processo n.º 31/14.3GBFTR, do Juízo Central Criminal de Setúbal, Juiz 1, foi proferido acórdão em que se decidiu, na parte que interessa ao recurso, condenar o arguido A, como co-autor de um crime de sequestro do artigo 158.º, n.º 1 do CP, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.

Inconformado com o decidido, recorreu o arguido A, concluindo: “I- O presente recurso tem como objecto toda a matéria de facto e de direito do acórdão proferido nos presentes autos, o qual condenou o recorrente como co-autor de um crime de sequestro, p. e p. pelo art.158º do Código Penal.

II- O tribunal a quo considerou provado que: “O arguido A. desferiu um murro que atingiu DM na cabeça, deixando-o sem possibilidade de sair do veículo e regressar a casa. Assim, contra a sua vontade, DM, foi conduzido pelos arguidos no já descrito veículo até à localidade do Pinhal Novo”.

III- Na formação da sua convicção, o tribunal teve em consideração as declarações do ofendido, os depoimentos das testemunhas ouvidas em audiência e o acervo documental junto aos autos.

IV- Sendo certo que dentro do veículo apenas se encontrava o ofendido e os arguidos A. e B., o tribunal a quo teve em consideração somente as declarações do ofendido.

V- A versão dos factos apresentada pelo ora recorrente é consubstanciada pelo depoimento do arguido B., diferindo do depoimento do ofendido apenas “ no que tange ao caráter forçado com que DM a dada altura (antes do Pinhal Novo, cerca de 30 minutos antes de terem parado nas bombas da BP) prosseguiu viagem” VI- Tendo o tribunal a quo entendido que o depoimento do ofendido se adequa às regras da experiência comum, sendo mais razoável que os factos tenham ocorrido da forma como este relatou do que da forma apresentada pelos arguidos.

VII- Entendeu assim que o depoimento do ofendido era mais credível do que o depoimento dos dois arguidos, e suficiente para fundamentar a condenação dos mesmos pela prática de um crime de sequestro.

VIII- Por conseguinte, a condenação do recorrente assenta, no fundo, apenas nas declarações do ofendido.

IX- O tribunal a quo ao dar como provados, designadamente, os factos nº 5 e 6 do acórdão ora objeto de recurso, os quais não resultaram da prova produzida em audiência de julgamento, violou, entre outros, o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art.127º do Código de Processo Penal.

X- Assim, o tribunal a quo devia ter julgado como não provado os factos nº 5 e 6, constantes no acórdão ora objeto de recurso, o qual, para efeitos da alínea a) do nº3 do art.412º do Código de Processo Penal, foram incorretamente julgados.

XI- Tal como já foi referido, após uma análise rigorosa à prova produzida constata-se que apenas o ofendido sustenta que foi sequestrado.

XII- Por conseguinte, a condenação do recorrente assenta, no fundo, apenas nas declarações do ofendido.

XIII- O tribunal a quo ao dar como provados, designadamente, os factos nº 5 e 6 do acórdão ora objeto de recurso, os quais não resultaram da prova produzida em audiência de julgamento, violou, entre outros, o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art.127º do Código de Processo Penal.

XIV- Por outro lado, a prova produzida criou, na melhor das hipóteses, apenas dúvidas sobre a veracidade dos factos provados nº 5 e 6º.

XV- Pelo que, é evidente a insuficiência probatória para a decisão da matéria de facto provada.

XVI- Pelo exposto, o tribunal a quo, condenando o recorrente, violou, ainda, o princípio do “in dúbio pro reo”, consagrado no nº2 do art.32º da Constituição da República Portuguesa, o qual devia ter sido interpretado e aplicado no sentido da sua absolvição.

XVII- O crime de sequestro, p. e p. no art.158º do Código Penal, estipula que “quem detiver, prender, mantiver presa ou detida outra pessoa, ou de qualquer forma a privar da liberdade é punido com pena de prisão (…)”.

XVIII- Com efeito, um dos elementos objetivos consiste na privação absoluta da liberdade de movimentação.

XIX- Assim, na nossa perspetiva, o preenchimento do tipo só se verifica, quando existe uma restrição absoluta da liberdade de deslocação para qualquer local.

XX- Entendemos que tal não se verificou.

XXI- Para além do depoimento do ofendido não foi alegado nenhum facto que demonstrasse que aquele se encontrava numa situação de sequestro.

XXII- Muito pelo contrário, todo o comportamento do ofendido, designadamente o relevado nas declarações prestadas na audiência de julgamento, demonstra que estamos perante uma pessoa capaz de reagir perante qualquer contrariedade.

XXIII- Termos em que concluímos que os elementos do tipo legal de crime de sequestro não se encontram todos preenchidos, pelo que o tribunal a quo fez uma subsunção errada dos factos ao crime previsto no art.158º do Código Penal, o qual devia ter sido interpretado e aplicado no sentido da absolvição do ora recorrente.” O Ministério Público respondeu ao recurso pronunciando-se no sentido da improcedência, e concluindo: “1- O arguido A., foi condenado nos autos à margem referenciados, pela prática de 1 (um) crime de sequestro, na forma consumada p. e p. pelo artº 158º, nº1 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.

2 - Inconformado com o teor do acórdão, dele veio o arguido recorrer, invocando, em síntese, pretender a reapreciação de facto e de direito, sendo que o tribunal deu como provados, indevidamente, os factos nºs 5 e 6, apenas com base nas declarações do ofendido, violando, dessa forma, o princípio da livre apreciação da prova, nos termos do preceituado no artº 127º do CPP; Existir violação do “in dúbio pro reo” 3 – Entende o Mº Pº que ao recorrente não assiste razão.

4 - O acórdão em recurso, na sua bem elaborada e pormenorizada fundamentação de facto – em consonância com o princípio da livre apreciação da prova, enunciado no artº 127º do C.P.P. – e de direito analisou todos os pressupostos que permitiram tipificar a matéria fáctica dada como provada.

5 - Os depoimentos, quer dos arguidos (incluindo do arguido A.), bem como do ofendido DM, Z, funcionária da BP e PC, cabo da GNR foram devidamente concatenados com os demais elementos juntos aos autos e devidamente elencados na motivação pelo Exmº Colectivo.

6 - A discordância dos recorrentes limita-se a questionar a valoração da prova pelo Tribunal, já que tomou por bom o depoimento do ofendido, em detrimento das declarações prestadas pelo arguido e co-arguido.

7 - Ora, “a censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode assenter apenas no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade de formação da convicção.

8 - Doutra forma seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão.

9 - No caso em apreço, o recorrente apela ainda ao princípio in dubio pro reo essencialmente como corolário da sua apreciação da prova, sendo que, em momento algum, resulta do acórdão recorrido que, relativamente aos factos provados e objecto dos autos, o tribunal se defrontou com dúvidas que resolveu contra o recorrente ou demonstrou qualquer dúvida na formação da convicção e, ademais, se impunha que a devesse ter tido.

10 – A pena aplica mostra-se justa e adequada.

11- Não se verifica, “in casu” quaisquer violações de nomas jurídicas.” Neste Tribunal, o Sr. Procurador-geral Adjunto disse acompanhar a resposta ao recurso, nada acrescentando. Colhidos os vistos, teve lugar a conferência.

  1. No acórdão, consideraram-se os seguintes factos provados: “1º No dia 12 de Setembro de 2014, a hora não apurada da manhã, os arguidos A. e B. deslocaram-se até Fronteira com o intuito de contactar com DM, para que este os acompanhasse, fazendo-o crer que alguém daquela localidade pretendia adquirir-lhe umas telas.

    1. DM aceitou, crendo que iria celebrar um negócio, ser transportado pelos arguidos, no veículo com a matrícula ---NT.

    2. Os arguidos seguiram para Vendas Novas.

    3. A dada altura, DM, suspeitando estar a ser engando, solicitou que voltassem para Fronteira, o que lhe foi negado.

    4. O arguido A. desferiu um murro que atingiu DM na cabeça, deixando-o sem possibilidade de sair do veículo e regressar a casa.

    5. Assim, contra a sua vontade, DM, foi conduzido pelos arguidos no já descrito veículo até à localidade do Pinhal Novo.

    6. Pelas 13 horas e 50 minutos, do referido dia, os arguidos pararam a viatura nas bombas de gasolina da BP, no Pinhal Novo, altura em que DM saiu do veículo e correu até ao interior da Loja ali existente, refugiando-se atrás do balcão.

    7. Não obstante ter conseguido refugiar-se naquele local, cerca de seis indivíduos cuja identidade não foi possível apurar, entraram na loja e arrastaram DM pelos cabelos até ao exterior do estabelecimento.

    8. Já no exterior esses cerca de seis indivíduos, aproveitando a superioridade numérica, desferiram-lhe vários murros e pontapés que o atingiram por todo o corpo, designadamente na cabeça, no tronco e nas costas.

    9. Após os arguidos abandonaram o local, tendo os arguidos A. e C. levado consigo: - duas telas com três metros de altura e três metros e meio de comprimento, pintadas à mão, com tinta plástica com desenhos referentes aos quatro elementos fogo, água, terra e ar; - uma licra de cor rosa com cinco metros de comprimento e dois de altura; - uma licra de cor amarela com cinco metros de comprimento e dois de altura; - três telas pintadas com desenhos espirais.

    10. DM foi assistido, no local e transportado pelos Bombeiros Voluntários do Pinhal Novo, para o Hospital de São Bernardo, em Setúbal.

    11. Em consequência da descrita conduta, DM sofreu traumatismo facial com epistaxis, fratura...

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