Acórdão nº 638/15.1GBTMR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 20 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA ISABEL DUARTE
Data da Resolução20 de Março de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Proc. N.º 638/15.1GBTMR.E1 Acordam, em conferência, na 1ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora I - Relatório 1 - Nos Autos de Processo Comum com intervenção do Tribunal Singular N.º 638/15.1GBTMR, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém - Juízo Local Criminal de Tomar, foi realizada audiência de discussão e julgamento, sendo arguido: BB (…) tendo, sequencialmente, sido proferida sentença, do seguinte teor: “a) condenar o arguido BB, pela prática, em autoria material, de um crime de desobediência, previsto e punível pelo artigo 348.°, n." 1, alínea b) do Código Penal, na pena de 50 (cinquenta) dias de multa, à taxa diária de 5,50€ (cinco euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz o montante de 275€ (duzentos e setenta e cinco euros); (...).” 1.1 - O arguido, inconformado com essa decisão, dela interpôs recurso. Nas suas alegações, apresentou as seguintes conclusões: “A.-Resultou também provado que o arguido não tinha consciência da ilicitude do acto que praticou, já que o mesmo apenas tinha consciência de que não podia circular com o motociclo.

B.-É o que resulta das declarações do arguido, as quais se encontram gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 09 horas e 46 minutos e teve a duração de 50 segundos e transcritas no artigo 7º destas alegações; C.- Para o arguido, a apreensão do veiculo significa a proibição de o conduzir, apenas e tão somente. Nunca o arguido equacionou estar a desobedecer.

D.- Acrescente-se que o arguido tem apenas a 4.ª classe, como habilitações literárias.

E.- O arguido actuou convicto da legalidade da sua condução, sem que seja censurável a ignorância ou má representação da realidade, pelo que agiu sem consciência da ilicitude da sua conduta e, por isso, sem culpa; De todo o modo sempre se diz… F.- Aquando da apreensão do veículo em apreço, o mesmo foi entregue ao arguido na qualidade de fiel depositário, mediante a obrigação expressa de não o utilizar.

G.- Utilizar o veículo significa usar a coisa para o fim a que se destina, isto é, no caso vertente, usar o veículo como meio de transporte.

H.- Porém, no caso dos autos, o arguido não fez do motociclo um meio de transporte, já que, apenas e tão-somente e transportou em cima de um veículo de mercadorias de caixa aberta.

I.- Assim, o arguido não desobedeceu à ordem, J.- Pelo que, não estão reunidos os pressupostos para que o arguido seja condenado, devendo o mesmo ser absolvido.

L.- Porque assim se não decidiu, foi violado o preceituado no artigo (art 17º nº 1, do Código Penal e 348º nº 1 alínea b) ambos do C. Penal).

Decidindo de acordo com o alegado, suprindo, doutamente, o que há a suprir, VV.

Excelências farão como é hábito, a CORRECTA E SÃ JUSTIÇA !”.

2 - O recurso foi recebido, tendo o MºPº, junto do tribunal “ a quo”, apresentado a sua resposta, com as conclusões seguintes: “ Pretende o recorrente que “utilizar o veículo significa usar a coisa para o fim a que se destina, isto é, no caso vertente usar o veículo como meio de transporte. Porém no caso dos autos, o arguido não fez do motociclo um meio de transporte já que apenas e tão somente o transportou em cima de um veículo de mercadorias de caixa aberta pelo que não desobedeceu à ordem”.

O recorrente poderia ter razão se, por exemplo, se tivesse provado que transportara o motociclo apreendido num veículo de caixa aberta por necessidade de o mudar de local, designadamente por ter mudado de residência.

Porém, o que se provou foi que transportou o motociclo para o mostrar a um eventual comprador (actuação que também lhe estava vedada na qualidade de depositário do veículo pois que para além de não o poder usar/utilizar por qualquer forma também não o podia alienar).

Da prova produzida resulta ainda que o motociclo não foi apenas transportado para ser mostrado.

De facto, depois de transportado o motociclo foi deixado num terreno pertencente à testemunha CC, testemunha esta que afirmou ter disponibilizado o seu terreno para que o motociclo ali ficasse a fim de ser mostrado a eventual comprador.

E tendo ficado durante tempo não determinado naquele terreno, o motociclo veio a ser encontrado no dia 12.09.2015 estacionado na via pública, influenciando a circulação de outros veículos e a passagem de pessoas, tendo ainda “a ignição intacta”, como resulta expressamente do auto de notícia.

(…) São elementos objectivos do tipo de crime a falta de obediência devida a uma ordem ou mandado legítimos regularmente comunicados provenientes de autoridade ou funcionário competente.

Quanto ao tipo subjectivo de ilícito, trata-se de um tipo doloso, que exige a verificação de dolo genérico em qualquer das suas modalidades.

No presente caso, a ordem foi transmitida pela autoridade policial (GNR) que para tal tem competência; a ordem é legítima e foi comunicada ao recorrente que foi ainda advertido de que a falta de obediência à ordem o faria incorrer na prática de um crime de desobediência.

Estão pois reunidos todos os elementos do tipo legal de crime já que, da conjugação dos elementos de prova produzidos ter-se-á que concluir, como o fez a douta sentença recorrida, que o motociclo apreendido e do qual o recorrente era fiel depositário, não foi apenas transportado como medida necessária à sua preservação e guarda mas sim deixado em local diverso daquele onde habitualmente se encontrava, mais precisamente na via pública, o que configura uma efectiva utilização, sabendo o recorrente que não o podia fazer.

Deve ser negado provimento ao recurso e manter-se a douta sentença recorrida. Mas, V. Exas decidindo, farão a habitual JUSTIÇA.”.

3 - Neste Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, concluindo: “Concordo com o entendimento do MºPº em 1ª instância, constante da resposta de fls. 151 a 154, que se dá por reproduzida.

Entendo que a sentença recorrida deverá ser mantida. ”.

4 - Foi cumprido o preceituado não art. 417º n.º 2 do C.P.P.

5 - Foram colhidos os vistos legais.

6 - Cumpre decidir.

II - Fundamentação 2.1 - O teor da decisão recorrida, na parte que interessa, é o seguinte: “Factos provados Discutida a causa, encontram-se provados os seguintes factos, com interesse para a decisão da causa: 1. Em data não concretamente apurada, mas no período compreendido entre o dia 01 de Setembro de 2015 e o dia 12 desse mesmo mês e ano, o arguido BB fazendo uso do veículo ligeiro de mercadorias de marca Nissan, de cor branco, de caixa aberta e matrícula … procedeu ao transporte do motociclo de sua propriedade, de marca "Yamaha ", modelo "DT 25 R ", de cor azul e de matrícula …, da sua casa de habitação para a Rua …, Tomar.

  1. A intenção do arguido era levar o referido motociclo para um local onde o pudesse mostrar a DD, uma vez que tencionava vender-lho.

  2. No entanto, o referido veículo motociclo encontrava-se apreendido desde o dia 14 de Junho de 2004, uma vez que, nessa data, o arguido havia sido interceptado, a conduzi-lo, pelas autoridades policiais, sem que fosse titular de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel.

  3. Assim, nessa ocasião, a Guarda Nacional Republicana de Tomar, além de ter procedido à referida apreensão, entregou aquele motociclo ao arguido na qualidade de fiel depositário e mediante a obrigação expressa de não o utilizar, por qualquer forma, sob pena de incorrer num crime de desobediência.

  4. Apesar de conhecer essa obrigação, o arguido veio a utilizar o referido motociclo, pelo menos, na ocasião supramencionada.

  5. O arguido tinha conhecimento dos factos descritos e quis faltar à obediência devida a ordem emanada de autoridade policial competente e que lhe fora regularmente comunicada, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

  6. O arguido actuou sempre de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que a sua descrita conduta era censurada, proibida e punidas por lei penal e contra-ordenacional.

    Mais se provou que: 8. O arguido é carpinteiro mas está desempregado há cerca de 10 anos.

  7. Presta serviços esporádicos de construção civil e aufere cerca de 300€ mensais.

  8. Vive em casa da mãe, com esta, que aufere cerca de 200€ mensais, a título de pensão de reforma.

  9. Tem a 4.ª classe, como habilitações literárias.

  10. O arguido foi condenado, no processo sumário n." 2ll/16.7GBTMR, deste juízo, por decisão de 27.06.2016, transitada em julgado em 12.09.2016, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de 5,50€, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, praticado em 24.05.2016.

    Factos não provados Não existem factos não provados, com interesse para aferir da responsabilidade criminal.

    Motivação O Tribunal fundou a sua convicção com base nas declarações do próprio arguido, que confirmou ter procedido ao transporte do veículo apreendido nos moldes descritos na acusação, o que fez para mostrar a comprador que se mostrara interessado. Mais referiu que a intenção era regularizar a falta de seguro, caso a pessoa interessada concretizasse a compra e que "pensou" que só estava proibido de circular com o veículo e já não transportá-lo noutro veículo nos termos descritos.

    A testemunha DD confirmou a versão do arguido, dizendo estar interessado em ver o veículo para possível compra e ter combinado com o arguido aquele local para visualização do mesmo, tendo, porém, desistido do negócio assim que soube que o veículo estava apreendido. Esta testemunha depois de forma clara e objectiva, merecendo credibilidade.

    Por seu lado, a testemunha CC, amigo do arguido e do eventual comprador, assegurou que...

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