Acórdão nº 27/15.8GACTX.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 20 de Março de 2018
Magistrado Responsável | JO |
Data da Resolução | 20 de Março de 2018 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - RELATÓRIO.
Nos autos de Processo Comum (Tribunal Coletivo) nº 27/15.8GACTX, da Comarca de Santarém (Juízo Central Criminal de Santarém - Juiz 4), e mediante pertinente acórdão, datado de 12-10-2017, foi decidido nos seguintes termos (na parte aqui relevante): “Condenam as arguidas J e C, como coautoras materiais de um crime de roubo desqualificado, p. e p. pelos artigos 210º, nº 1, e 204º, nº 1, als. d) e f), e nº 4, do Código Penal, nas penas de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, para cada uma delas, absolvendo-as das agravantes modificativas previstas no artigo 204º, nº 1, als. d) e f), ex vi do artigo 210º, nº 2, do Código Penal.
Mais condenam as arguidas nas custas, sendo a taxa de justiça no montante equivalente a 4 UCs, para cada uma delas - artigos 513º e 514º do C. P. Penal, e artigo 8º, nº 9, do Regulamento das Custas Processuais”.
* Inconformadas com a decisão, dela interpuseram recurso as arguidas, formulando as seguintes (transcritas) conclusões: A - Arguida C “i) A prova por reconhecimento constitui prova autónoma, pré-constituída, que deve ser examinada em julgamento.
ii) Para que se verifique um verdadeiro e efetivo exercício dos direitos de defesa e contraditório, mostra-se necessário inquirir o “reconhecedor” acerca das circunstâncias em que avistou a pessoa que reconhece como autora dos factos.
iii) Tal meio de prova assume particular importância relativamente à recorrente, pois é evidente a escassez de outros meios de prova, que acabam por se resumir às declarações da vítima.
iv) Em julgamento, a vítima não reconheceu de forma categórica - diremos, isenta de dúvidas - quem sobre si exerceu violência, tendo prestado um depoimento contraditório e dúbio quanto à identidade da autora dos factos.
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Mostram-se, aliás, evidentes as semelhanças físicas entre as arguidas J e C, ora recorrente.
vi) Na sessão de julgamento em que a vítima MM prestou declarações e reconheceu a autora dos factos apenas estava presente a recorrente, estando faltosa a coarguida J , sendo que, confrontada com a foto desta, disse não ter a certeza quem tinha sido, pois são muito parecidas.
vii) Naturalmente, a vítima tende a reconhecer a pessoa que está na sua presença e apresenta maiores semelhanças físicas com a pessoa que configura como autora dos factos.
viii) Podia MM ter reconhecido a arguida Juliana, caso apenas esta tivesse comparecido em julgamento? Nunca conseguiremos dar resposta cabal a esta questão! ix) A diligência de reconhecimento efetuada no decurso da investigação é falível, não oferecendo a certeza e a segurança que se exige para a condenação, na medida em que não é possível sindicar toda a atividade do investigador.
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Dito de outra forma, nunca poderemos controlar o que é dito e mostrado ao “reconhecedor” antes da diligência.
xi) O problema assume particular relevância quando nos deparamos, como no caso dos autos, com total ausência de prova que corrobore o reconhecimento, para além das declarações inseguras da vítima, prestadas em julgamento.
xii) Neste quadro, justifica-se a formulação de sérias dúvidas acerca da fidedignidade do reconhecimento efetuado na fase de inquérito, concluindo-se pelo seu escassíssimo valor probatório.
xiii) Na ausência de mais e melhor prova, estaremos, assim, perante uma dúvida insanável sobre qual das arguidas (C ou J) teve efetiva participação nos factos relativos a MM.
xiv) Tal dúvida, por força do princípio in dubio pro reo, uma das vertentes do princípio constitucional da presunção de inocência, não poderá deixar de se resolver a favor da recorrente.
xv) Impondo-se a sua absolvição.
xvi) Mostra-se violado o artigo 32º/2, primeira parte, da Constituição da República Portuguesa.
xvii) Sem conceder, a pena concretamente aplicada à recorrente sempre pecaria por excesso e desproporcionalidade xviii) Afigurando-se mais adequada, na improcedência da primeira parte do recurso, a aplicação de uma pena que não exceda os dois anos e seis meses de prisão.
xix) Mostram-se, aqui, violados os artigos 40º/1 e 71º/1 do Código Penal”.
B - Arguida J: “1º - Foi a ora arguida condenada, nos presentes autos, a 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática de um crime de roubo desqualificado, previsto e punido pelos artigos 210º, nº1 e 204.º nº1 als. d) e f) e nº 4 do Código Penal, absolvendo-se das agravantes modificativas previstas no art. 204.º nº1 als. d) e f), ex vi do art. 210º nº2 do C.P.
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- É desta sentença condenatória, no que diz respeito à medida concreta da pena diz respeito, que nos permitimos discordar, com o devido respeito pela opinião contrária.
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- Sempre com o referido respeito, entende a defesa que a Meritíssima Juiz não terá feito, na nossa opinião, uma adequada interpretação e aplicação do Direito aos factos em causa.
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- A aplicação à arguida de uma pena de quatro anos e seis meses de prisão efetiva mostra-se excessiva, face às finalidades da prevenção geral e especial das normas violadas.
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- Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 40º do C.P. “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”.
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- A Arguida é filha única, o pai faleceu durante a sua infância, tendo poucas recordações do mesmo.
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- A progenitora voltou a reorganizar a sua vida pessoal, pelo que é neste companheiro que a arguida reconhece a autoridade paterna.
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- O seu processo de socialização decorreu num ambiente social (família com ascendência cigana, ainda que sem se identificar com as tradições dessa comunidade) e económico modesto (a progenitora vendia roupa nos mercados, enquanto o seu companheiro é camionista), mas sem privações significativas.
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- A arguida engravidou do filho mais velho quando tinha catorze anos. Não obstante a reprovação parental, contou sempre com o apoio da mãe.
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- Como consequência da gravidez, interrompeu os estudos, com frequência do 6º ano. Mais tarde, fez uma tentativa para obter a escolaridade mínima obrigatória. No entanto, acabou por desistir, por necessidade de cuidar dos filhos.
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- O percurso laboral tem sido caracterizado pela instabilidade, com fases prolongadas de inatividade laboral.
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- A arguida manteve ainda ligação à prostituição. Acompanhou durante algum tempo um grupo de jovens, sem ocupação estruturada, alguns conotados no meio envolvente com práticas desviantes.
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- Esteve presa preventivamente, tendo a passagem pelo estabelecimento sido sentida como uma experiência negativa e penosa e pelo facto de se encontrar com uma gravidez de risco.
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- Durante o período de tempo em que esteve em OPHVE, permaneceu em casa da progenitora, que a apoiou sem restrições.
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- O filho mais velho da arguida encontra-se aos cuidados da avó materna.
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- Aos dezanove anos de idade, encetou nova ligação, da qual resultou o nascimento de duas crianças.
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- Em abril de 2014, contraiu matrimónio com LH, cidadão de origem marroquina.
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- No presente, reside num anexo construído nas traseiras de um quintal de uma vivenda, que tem condições adequadas às suas necessidades.
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- O filho mais novo permanece com a avó materna, convive diariamente com o mais velho que também está com esta familiar.
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- Contacta sempre que possível a outra filha que se encontra com o progenitor.
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- A relação conjugal tem sido marcada por várias adversidades, devido à frieza afetiva e violência demonstrada pelo cônjuge.
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- Durante alguns meses, foi beneficiária do RSI, que cessou em agosto de 2016 por faltas injustificadas.
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- Nos últimos meses de 2016, esteve a trabalhar num estabelecimento comercial (café/ bar) por turnos, mas como este local tinha uma conotação social negativa, optou por deixar, estando a trabalhar na apanha da pinha.
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- O seu círculo de amizades é constituído por elementos que conhece desde a adolescência, também conotados com a prática de ilícitos.
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- Verificando-se dificuldade na desvinculação e corte relacional com aqueles.
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- A arguida consegue identificar o risco associado a determinadas pessoas e ambientes, mas nem sempre calcula de forma adequada as consequências da manutenção destas relações sociais.
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- A arguida detém competências pessoais e sociais, ao nível da comunicação interpessoal, mas com deficits na avaliação do impacto dos seus atos para si e para os outros.
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- Revela-se vulnerável à influência grupal, posicionando-se num registo de tentar corresponder às solicitações que lhe fazem, mas também por forma a atingir os seus objetivos pessoais.
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- A arguida reconheceu que a conduta delituosa pode causar danos.
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- A última condenação que teve foi em 2017, em pena de prisão, de 2 anos e seis meses.
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- Na fixação da medida da pena é necessário ordenar, relacionando-as, a culpa, a prevenção geral e a prevenção especial, tendo-se, para isso, em conta os quadros agravativos e atenuativos, sob pena de se frustrarem as finalidades de sanção, ou seja, a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do arguido na sociedade.
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- Entende a recorrente que a medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção de futuros crimes, não podendo nunca a mesma era superior à culpa do agente, atendendo ao princípio da dignidade da pessoa humana - art.º 1º da Constituição da República Portuguesa.
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- Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele - artigo 71º, nº 2, do C.P.
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- Na determinação da medida da pena há que, num primeiro momento, escolher o fim da pena, depois há que fixar fatores que influem no seu doseamento, tecendo-se, por fim, os considerandos que fundamentam a pena concreta aplicável. Aliás, “na sentença devem ser expressamente referidos os fundamentos das penas” - cfr. art. 71º, nº 3.
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- O Tribunal a quo violou, como de seguida se demonstrará, o disposto no artigo 71º, nº 2, do Código Penal, por incorreta e imprecisa...
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