Acórdão nº 5/17.2GANIS-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 20 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelANA BARATA BRITO
Data da Resolução20 de Fevereiro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na Secção Criminal: 1.

No processo de Inquérito n.º 5/17.2GANIS, do Tribunal da Comarca de Portalegre (Nisa), o arguido MC interpôs recurso do despacho da Sra. Juíza de Instrução Criminal que, indeferindo-lhe requerimento para realização de relatório tendo em vista a substituição da medida de coacção aplicada por obrigação de permanência na habitação com recurso a vigilância electrónica, o manteve em prisão preventiva.

Apresentou as seguintes conclusões: “1. O Recorrente encontra-se detido preventivamente, na sequência de lhe ter sido aplicada a medida de coação de prisão preventiva, em sede de primeiro interrogatório judicial, por decisão datada de 30/08/2017.

  1. O arguido, perante o Mmo Juiz de Instrução Criminal esclareceu a forma como os factos sucederam.

  2. Após tomar conhecimento dos factos, o OPC que procedeu às detenções/investigação inicial nos autos, ao invés de os comunicar ao Ministério Público, entendeu por sua autonomia e sem autorização Judicial, permitir a consumação de um crime que até aquele momento, sem a intervenção deste OPC nunca teria ocorrido.

  3. Ademais, e sendo um dos fundamentos principais o facto de o arguido residir na área de residência do ofendido que fundamentou a aplicação da medida de coação de prisão preventiva, então, sempre a alteração da sua residência teria que ter tido outra consequência, pois, pelo menos aquele fundamento deixou de existir.

  4. E o tribunal a quo, simplesmente ignorou esse fundamento decidindo apenas que nada alterou, quando na realidade alterou e bastante.

  5. Ou seja, não fosse a atuação da GNR, e o ofendido nunca teria procedido à entrega de dinheiro aos arguidos.

  6. A atuação do OPC fica numa linha de atuação entre o agente Infiltrado e o agente provocador.

  7. Segundo jurisprudência recente, o que verdadeiramente importa, para assegurar essa legitimidade – da intervenção do agente infiltrado – é que o funcionário de investigação criminal não induza ou instigue o sujeito à prática de um crime que de outro modo não praticaria ou que não estivesse já disposto a praticar, antes se limite a ganhar a sua confiança para melhor o observar, e acolher informações a respeito das atividades criminosas de que ele é suspeito. E bem assim, que a intervenção do agente infiltrado seja autorizada previamente ou posteriormente ratificada pela competente autoridade judiciária. Ac. TC nº 578/98.

  8. Ao concluirmos que a ação foi desencadeada/determinada pelo agente provocador, a prova assim obtida é nula, por inadmissível, por ter sido utilizado meio enganoso, proibido por lei, já que afeta a liberdade de vontade ou de decisão dos arguidos em causa.

  9. Mostram-se, assim, violadas as normas constantes dos art.ºs 32º, nº 8 da CRP e 126º n.º 3 do CPP.

  10. E isto o arguido veio suscitar aquando a interposição do seu primeiro recurso, o qual ainda não foi decidido.

  11. Todavia, certo é, que as questões suscitadas pelo recorrente, são do conhecimento oficioso do tribunal a quo, o qual simplesmente nem sequer se pronunciou sobre as mesmas, mantendo somente a decisão ilegal de manutenção da medida de coação de prisão preventiva.

  12. Já vimos que a inadmissibilidade do agente provocador advém da violação do princípio democrático, ou seja, «... o da suprema dignidade da pessoa humana e o da igualdade de todos os cidadãos, igualdade perante a lei, de direitos e deveres, mas também e essencialmente, igualdade de natureza e de dignidade. artºs 1º e 2º, da CRP.

  13. Mas também por violar o princípio da lealdade: “A lealdade, como ensina o Prof. Germano Marques da Silva, «não é uma norma jurídica autónoma, é sobretudo de natureza essencialmente moral, e traduz uma maneira de ser da investigação e obtenção das provas em conformidade com o respeito dos direitos das pessoas e a dignidade da justiça. ...” , valor supremo que se sobrepõe aos próprios fins da justiça, (1ª parte do n.º 8 do art.º 32º e art.ºs 25º e 26º n.ºs 1 e 2, ambos da CRP, quanto à integridade pessoal física ou moral).

  14. Em suma, “... a atividade do agente provocador não pode deixar de ser considerada ilícita e, por isso, as provas assim obtidas são provas proibidas, por inadmissíveis face, desde logo, ao art.º 125º do Código de Processo Penal, ao estabelecer que, apenas, «são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei ”, pois este atua contrariamente aos princípios e às normas próprias de um Estado de direito Democrático e inerentes a um processo penal de estrutura acusatória temperado pelo principio da investigação, e põe em causa o n.º 8 do art.º 32º da CRP, o qual consagra que são nulas as provas obtidas mediante tortura, coação, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações, cuja expressão processual se manifesta nos art.ºs 118º e 126º do CPP.

  15. Neste sentido, são nulas, não podem ser utilizadas “a não ser para o seguinte e exclusivo fim: proceder criminalmente contra quem as produziu (agente provocador), nos termos do nº 4 do mesmo preceito legal”.

  16. O facto de os agentes, através da sua atuação, determinarem o arguido à prática do crime, induzindo-o e instigando-o, sem o qual o crime não seria cometido. Os agentes atuam, pois, como verdadeiros agentes provocadores, sendo por isso, considerada ilícita, com a consequente nulidade de todas as provas assim obtidas e a punição dos mesmos.

  17. E da consulta dos autos, e a forma como os factos que levaram à detenção do arguido em flagrante delito ocorreram, sempre teremos que concluir que o OPC atuou como agente provocador, pois se assim não tivesse atuado, o crime não teria ocorrido, senão vejamos: 19. O ofendido contactou o OPC (GNR) em 24/08/2017 (vd. Fls. 4 - linhas 6 a 12); 20. Informando que já tinha saído do concelho de Nisa nessa data; 21. Em 26/08/2017, o ofendido volta a contactar o OPC (vd. Fls. 4 - linhas 13 e seguintes) 22. Entre o dia 26 e o dia 28 do mês de Agosto de 2017, o OPC ao invés de comunicar os factos ao Ministério Público, resolveu, por sua iniciativa e sem qualquer autorização judicial, provocar a realização de um crime não evitando como lhe era devido a sua realização.

  18. Ou seja, o ofendido já estava fora do concelho de Nisa, tendo apenas voltado para o concelho a pedido/mando do OPC; procedido ao levantamento de dinheiro a pedido/mando do OPC; procedido a combinações com os arguidos para se encontrarem a pedido/mando do OPC; permitido a marcação de notas inclusivamente por parte do OPC; procedido à entrega de dinheiro aos arguidos a pedido/mando do OPC, tudo para que os arguidos fossem detidos em suposto flagrante delito da prática de um crime.

  19. Ora, antes deste factos ocorrerem, já os arguidos estavam identificados mediante Autos de reconhecimento fotográfico, não existindo qualquer dúvida nas suas identificações.

  20. Não se percebe o motivo pelo qual o OPC ao invés de comunicar os factos ao tribunal, mando o ofendido levantar dinheiro para o marcar e depois simular uma entrega deste dinheiro para que os arguidos fossem detidos.

  21. Esta situação, é em tudo idêntica às situações de tráfico de droga, em que, determinado OPC determina para que um sujeito contacte o vendedor para depois o intercetar, resultando tudo em prova nula, conforme os nossos Tribunais superiores têm vindo a decidir.

  22. A situação dos autos, é precisamente a mesma, ou seja, não fosse a atuação do OPC e o ofendido não tinha regressado a NISA, logo, os factos que motivaram a detenção do arguido, nunca teria ocorrido, quanto muito, estaríamos perante um crime na forma tentada.

  23. Assim, apenas se podem declarar nulas todas as provas obtidas através de agente provocador – cfr. artºs 32º, nº 6 da CRP e 126º, n.º 3 do CPP, com exceção para o efeito do nº 4 do art.º 126º do CPP, que se requer que assim seja declarado nos presentes autos.

  24. Por outro lado, para além do croqui de acidente junto aos autos (vd. fls. 39), onde se encontra as únicas declarações prestadas até ao momento do 1.º interrogatório judicial pela suposta ofendida nos autos (vd. fls. 42), em momento se afere destas declarações, a...

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