Acórdão nº 692/11.5TBVNO.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 08 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelELISABETE VALENTE
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora: 1 – Relatório.

AA, NIPC …, com sede na Rua …, n.°…, Leiria e BB, com o NIPC …, com sede na …, n.° …, Ourém, instauraram acção declarativa contra CC, titular do cartão provisório de pessoa colectiva n.° …, com sede na …, n.° …, Ourém, alegando, em síntese, que: A A. BB é uma Associação Pública de Fiéis, erecta canonicamente por Decreto de 02-03-1959 emitido pelo Bispo de Leiria, D. João Pereira Venâncio, tendo sido posteriormente feita comunicação de participação de erecção ao Governador Civil de Santarém e registada na Secretaria do Governo Civil de Santarém sob o n.° 181, em 06-03-1959; Tal associação tem natureza pública e prossegue fins religiosos; Em 18-10-2005, Dom Serafim de Sousa Ferreira e Silva, então Bispo da Diocese de Leiria - Fátima emitiu um documento no qual, além do mais, declarou a existência de personalidade jurídica no foro canónico e civil da Superiora da BB e indicou quais os seus poderes, designadamente para a prática de actos necessários à criação de uma fundação de natureza social, afectando património para o efeito, podendo, ainda, conferir os mesmos poderes ao Dr. DD …, na qualidade de procurador da BB; Em 19-10-2005, no Cartório Notarial de Ourém, EE, em religião Irmã EE, arrogando-se superiora Geral da BB, outorgou procuração notarial a favor do seu sobrinho DD, conferindo-lhe poderes para constituição de uma fundação de natureza social, com fins meramente civis, bem como poderes para administrar e alienar bens; No uso dessa mesma procuração, DD, em representação da BB, outorgou, em 22-06-2006, no Cartório Notarial de Maria Fátima Fernandes Ramada de Sousa, escritura pública em que instituiu a CC, à qual afectou todo o património eclesiástico da BB, nomeadamente bens imóveis que identifica e respectivo recheio e bem assim a quantia de € 150.000,00, tudo no valor global atribuído de €2 85.588,8l; Mas essa fundação não tem existência canónica e não prossegue os mesmos fins religiosos da BB, pelo que, sendo os referidos bens eclesiásticos, a sua transmissão para fins não religiosos carece de autorização da entidade competente, in casu, o Bispo de Leiria-Fátima, sujeita a audição e parecer vinculativo do Conselho para os Assuntos Económicos e do Colégio dos Consultores.

E a referida credencial, emitida em 18-10-2005, por permitir a transmissão de bens eclesiásticos para fins não religiosos, não foi precedida dessa audição e parecer vinculativo, donde ferida de nulidade e, consequentemente, nulos e ineficazes os actos praticados com base nessa credencial, designadamente a procuração outorgada em 19-10-2005 e subsequente escritura instituindo a CC.

Concluem pela procedência da acção e pedem: 1 - Seja declarada nula ou ineficaz a credencial de 18-10-2005 e, em consequência, a nulidade da pública forma da procuração da superiora geral de 19-10-2005, conferida com base nessa credencial.

2 - Seja declarada nula a escritura pública outorgada em 22 de Junho de 2006 no Cartório Notarial da Notária de Maria Fátima Fernandes Ramada de Sousa, a Escritura Pública, exarada a fls. 104 e seguintes do Livro 33, em que instituiu uma fundação de solidariedade social que denominou de "CC", que incidiu sobre os prédios indicados.

3 - Seja declarada a nulidade dos respectivos actos de registo e cancelamento correspondentes às respectivas apresentações.

Citada, veio a R. CC apresentar contestação, onde excepcionou a ilegitimidade da A. AA, por a mesma não ter interesse directo em demandar, suscitou a questão de falta de poderes de representação da A. BB, por não se mostrar junta procuração e impugnou os factos e aflorou a eventual caducidade do direito de arguir de anulabilidade por omissão de formalidades no procedimento de autorização por parte da BB para a invocada transmissão de bens.

Conclui pela procedência das excepções e pela absolvição da R. da instância ou ser a acção julgada improcedente por não provada e a R. absolvida dos pedidos.

As AA responderam, pugnando pela não verificação das arguidas excepções, porquanto a A. BB é uma associação pública de fiéis e regularmente representada e quanto ao vício de omissão de formalidades, tal não configura uma mera anulabilidade, donde não estar sujeito ao prazo de caducidade.

Foi proferido saneador-sentença, a fls. 453/465, em que a acção foi julgada improcedente e a R. absolvida do pedido.

Inconformadas, da sentença recorreram as AA.

Por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20-05-2014, foi a decisão anulada pela insuficiência de factos provados para conhecer do mérito da acção em sede de despacho saneador, remetendo-se os autos para o respectivo prosseguimento.

(Foi entendimento do douto Acórdão que: “Os tribunais eclesiásticos são os competentes em razão da matéria para determinar a natureza canónica de uma associação de fiéis como pública ou privada. Tal não significa, contudo, que o tribunal a quo seja incompetente para, em concreto, fazer tal apreciação nestes autos, na medida em que a avaliação e qualificação da natureza canónica da BB como pública ou privada, surge como questão necessária relativamente à decisão da causa.

-Por força da extensão da competência estabelecida no artº 91 nº 1 do C.P.C. para o conhecimento dos incidentes e das questões que o réu suscite como meio de defesa, o tribunal sendo competente para a acção, tem competência para apreciar e decidir da natureza canónica da BB em divergência nos autos, ainda que, por força do nº 2 da norma mencionada a decisão proferida neste processo não constitua caso julgado fora do mesmo.

-Para se determinar a natureza jurídico-canónica de uma associação de fiéis, enquanto pública ou privada temos de socorrer-nos do que dispõe para o efeito o Código de Direito Canónico, já que é o mesmo que estabelece as regras necessárias a considerar.

-Para a distinção entre associação pública e privada de fiéis, é fundamental considerar a forma de constituição da associação de fiéis, bem como os fins prosseguidos pela mesma e forma como são prosseguidos- em nome da Igreja ou em nome próprio.”).

De volta à 1.ª instância, por despacho proferido a fls. 640/643, foi dispensada a realização de audiência prévia.

Foi elaborado despacho saneador em que se decidiu pela legitimidade de ambas as AA e fixado o objecto do litígio, com enunciação dos temas de prova, que não foram objecto de reclamação.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento.

Em 03-10-2016, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu a R. dos pedidos.

Inconformadas com a sentença, as AA interpuseram recurso contra a mesma, apresentando as seguintes as conclusões do recurso (transcrição): ”1º Entende a ora recorrente que da prova produzida nos presentes autos, vista no seu conjunto e pelo que resultou do depoimento da testemunha Padre Jorge …, resultou demonstrada mais fatualidade que deveria ter sido dada como provada e que se enquadra nos temas de prova 1º, 2º, 3º e 4º, sendo que a este respeito a douta decisão dos pontos 1º a 24º dos fatos provados corresponde a uma mera reprodução de documentos sem devido enquadramento fatual, com outros fatos resultantes do sobredito depoimento gravado, sobre como foi praticado o que consta nesses documentos, ordem cronológica e motivação subjacente à produção dos documentos que são espelhados nos ditos pontos.

  1. Para além disso do dito depoimento da testemunha Padre Jorge … resultaram igualmente provados outros fatos que não têm diretamente a ver com os documentos a que se referem os pontos 1º a 24º dos fatos provados mas que relevam e são essenciais para os temas de prova 1º, 2º, 3º e 4º, os quais, por erro na apreciação da prova gravada a Mma Sra Juiz a quo desconsiderou decidindo nada mais ter sido provado além da matéria que consta dos pontos 1º a 28º dos fatos provados.

  2. Em concreto, os meios probatórios que se evocam como fundamento no erro notório na apreciação da prova e do incorreto julgamento da matéria de fato (mais concretamente os fatos não considerados na douta decisão recorrida), cuja reapreciação se requer constam no depoimento gravado e acima transcrito da testemunha Jorge … que ficou registado no sistema digital de gravação integrado H@bilus Média Studio no nº 00:00:00 a 01:10:56 no período das 10:05:46 horas às 11:16:59 horas na audiência de julgamento do dia 21/09/2015: 4º Em face do depoimento supra e após a reapreciação da prova gravada por V. Exmas. Venerandos Desembargadores, que para o efeito se requer, deverá ser alterada a decisão sobre a matéria de fato e, nos termos do disposto no art. 662º nº 1 do CPC, serem julgados como provados os seguintes factos: 1º O decreto formal de ereção da BB foi precedido de contactos formais por parte do Bispo de Angra e bem assim por parte do seu Fundador Padre José Imaculada Senra, constando de troca de correspondência enviada ao Bispo de Leiria-Fátima no sentido de que o propósito e os fins a prosseguir por parte das irmãs era de trabalho apostólico, nas paróquias e em várias outras actividades assistenciais em cooperação com a outra instituição religiosa em que o Fundador se integrava.

  3. A intenção das senhoras que pretendiam integrar a BB era a formação de uma congregação religiosa, vivendo ao serviço da igreja em comunidade religiosa, com despojo da vida material e entrega ao serviço religioso de oração e de assistência aos pobres.

  4. As senhoras que passaram a integrar a BB viveram sempre em comunidade religiosa, denominavam-se como irmãs e passavam a ter um nome religioso.

  5. A intenção e propósito das irmãs da BB era de nem sequer terem bens, e de viverem completamente despojadas, dedicadas a Deus e de serem pessoas que fazem o bem ao seu próximo e que usem os bens unicamente para essa finalidade.

  6. A actividade das irmãs da BB, nomeadamente na angariação de fundos junto de paróquias nos Estados Unidos da América e nas práticas religiosas junto das paróquias com quem colaboravam, foi sempre feita ao abrigo das...

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