Acórdão nº 4051/10.9TBPTM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 08 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA DOMINGAS SIM
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 4051/10.9TBPTM.E1 Comarca de Faro Instância Central de Portimão – 2.ª secção cível – Juiz 1 I. Relatório (…), residente em Portimão, intentou contra Companhia de Seguros (…), S.A., com sede em Lisboa, acção declarativa de condenação, então a seguir a forma ordinária do processo comum, a que foi apensada uma outra[1], pedindo a final que, na procedência dos pedidos, fosse a ré condenada a pagar-lhe: i. no âmbito destes autos principais, o montante de € 164.258,51 (cento e sessenta e quatro mil, duzentos e cinquenta e oito euros e cinquenta e um cêntimos), acrescido dos juros de mora que se vencerem desde a citação e até integral pagamento; ii. na acção apensada, a quantia de € 105.742,47 (cento e cinco mil, setecentos e quarenta e dois euros e quarenta e sete cêntimos), acrescida de juros vincendos até integral pagamento. Em fundamento alegou, em síntese útil, ter celebrado com a ré três contratos de seguro do ramo vida e acidentes pessoais, com as coberturas ou garantias principal de morte e complementar de invalidez total e permanente. Os contratos celebrados encontravam-se em vigor à data de 14 de Dezembro de 2009, dia em que foi colhido por um comboio, sofrendo em consequência amputação dos dois membros inferiores, assim ficando afectado de invalidez total e permanente, situação coberta pelos seguros contratados. * Regularmente citada, contestou a ré seguradora e, reconhecendo ter celebrado com o autor os contratos por este identificados, alegou ter sido o acidente causado pela conduta temerária e grosseiramente negligente do próprio, que caminhou pela via-férrea e a atravessou, o que lhe estava absolutamente vedado, sendo por isso aplicável a cláusula de exclusão prevista nas condições gerais e especiais das correspondentes apólices. Acrescentou ainda, em relação ao contrato titulado pela apólice (…) invocado na acção apensada, resultar do próprio RJCS que o autor nunca teria direito à prestação contratada, sendo certo que, em última instância, sempre o disposto no art.º 334.º do CC impediria que reclamasse da contestante, com sucesso, a compensação prevista. Replicou o autor, alegando que nunca pela ré lhe foram enviadas as referidas cláusulas gerais e especiais ou delas tomou conhecimento, de nada tendo sido esclarecido, pelo que não lhe podem ser opostas as referidas exclusões, as quais deverão antes ter-se por excluídas dos contratos celebrados. * Tendo o Mm.º juiz considerado que se estava perante uma ampliação do pedido inicialmente formulado, assim foi admitida a pretendida desconsideração da cláusula de exclusão invocada pela contestante, mas apenas no que se refere aos autos principais (cf. despacho exarado em acta a fls. 162 destes autos). Teve lugar audiência preliminar, tendo os autos prosseguido com selecção dos factos assentes e organização da base instrutória, peças que se fixaram sem reclamação das partes. Realizou-se por fim audiência de discussão e julgamento conjunta, com observância do legal formalismo que da acta consta, após o que foi proferida douta sentença que, na total improcedência da acção, absolveu a Ré dos pedidos formulados. Irresignado, apelou o autor e, tendo desenvolvido nas alegações que apresentou as razões da sua discordância com o decidido, formulou a final desnecessariamente extensas conclusões, de que se extraem, por pertinentes, as seguintes: i. O Tribunal “a quo” julgou incorretamente como provados os pontos 25. e 49. dos factos provados, devendo ser eliminada do primeiro o segmento “é proibida ao trânsito de peões”, devendo, em relação ao segundo, dar-se antes como assente que “A invalidez permanente que do sinistro resultou para o A. situa-se em percentagem de 84%.» ii. Entende a ora Recorrente que a convicção expressa pelo ilustre Tribunal “a quo” quanto ao impugnado segmento do ponto 25. não tem suporte razoável na prova testemunhal e documental, sendo que, no tocante ao ponto 49., omitiu por completo a apreciação do documento n.º 2 junto aos autos com a Réplica (Réplica nº 6308201), que consiste num atestado médico de incapacidade multiusos datado de 18/06/2010, que fixou que o grau de invalidez permanente do Recorrente em 84 pontos. iii. Tal documento foi admitido e não impugnado pela Recorrida, pelo que devia e podia o Tribunal proceder à sua apreciação, e estranhamento não o fez, como era sua obrigação, fazendo o mesmo prova inequívoca de que o grau de invalidez do Recorrente, decorrente do sinistro, é de 84 pontos, não podendo, em caso algum, situar-se na percentagem de 65%. iv. Quanto ao também impugnado ponto 25., nenhum elemento probatório resulta dos autos que permita ao Tribunal a quo dar como provado que o local do sinistro é proibido ao trânsito de peões - nos autos inexiste qualquer prova testemunhal e inexiste igualmente qualquer prova documental ou pericial. v. O ónus probatório cabia à Recorrida, que nenhuma prova produziu nesse sentido. vi. Em todo o caso, o facto “é proibida ao trânsito de peões” tem natureza conclusiva, pelo também deverá ter-se por não escrito. vii. Impõe-se assim reapreciação deste quesito, uma vez que a convicção acolhida pelo Tribunal de 1.ª Instância não tem qualquer fundamento nos elementos de prova constantes do processo e está profundamente desapoiada face às provas recolhidas. viii. A douta Sentença em recurso determinou a absolvição da Recorrida dos pedidos com o fundamento de que se encontrava excluído o pagamento em caso de sinistro causado pelo Recorrente com pretensa negligência grosseira ou acto temerário. ix. A decisão de absolvição da Recorrida do pedido teve como fundamento a existência de uma cláusula de exclusão nos contratos de seguro em vigor na data em que ocorreu o sinistro. x. O Recorrente discorda frontalmente que tenha agido de forma grosseiramente negligente ou temerária ao proceder à deslocação a pé ao longo da via-férrea. xi. Com efeito, o facto de o Recorrente ter-se deslocado, a pé, ao longo da via-férrea, e não sobre a linha (conduta essa sim perigosa e arriscada), não consubstancia em si uma conduta grosseiramente negligente; como é evidente, sendo o comboio um equipamento circulante sobre carris segue obrigatoriamente num trajeto fixo e definido, conferindo necessariamente um grau elevadíssimo de segurança para pessoas e bens que ladeiam vias desta natureza. xii. Por essa ordem de razão, inclusive em aglomerados populacionais, existem edifícios e equipamentos junto a vias férreas, também sendo certo que é elevada a segurança para os transeuntes que circulam ao longo de vias, sob carris, utilizadas para comboios, elétricos ou metros de superfície, factualidades que se verificam em qualquer aglomerado populacional e país civilizado. xiii. Resulta dos factos assentes que no local a linha férrea desenvolve-se em recta, com uma visibilidade superior a 600 a 700 metros, sem inclinações da via que obstruam a visibilidade. xiv. O recorrente sempre se deslocou fora da linha de comboio em sentido perpendicular à mesma. À data dos factos, o local onde ocorreu o sinistro não era delimitado por qualquer vedação metálica, sendo por isso de fácil acesso a peões, não tendo afixado qualquer tipo de comunicação proibitiva de circulação de peões. xv. Face aos factos provados nos pontos 20., 21., 22., 23. e 24., entendeu o Tribunal a quo que a Recorrida logrou provar matéria apta a permitir a conclusão de que o acidente se ficou a dever exclusivamente à conduta temerária do recorrente, que atuou com negligência grave. xvi. Ficou assente que o Recorrente, após tomar as devidas e necessárias precauções e cuidados, antes e ao tentar atravessar a linha, tropeçou e ficou preso na mesma, não se logrando soltar antes do comboio (vide factos provados 20 e 25). Assim sendo, e na ausência de qualquer outra prova sobre a forma como ocorreu o sinistro, não pode concluir-se que o comportamento da vítima se traduziu numa negligência grosseira ou num ato temerário. xvii. Facilmente se compreende que não imputar-se um juízo de censura quando um peão decide atravessar uma linha férrea num local onde é habitual o atravessamento de peões, junto a um aglomerado populacional e que não é delimitado por qualquer vedação metálica, sendo por isso o local de fácil acesso a peões, nem existindo qualquer afixação de qualquer tipo de comunicação proibitiva de circulação de peões. xviii. Nos termos do art.º 342°, nº 2, do CC competia à Recorrida alegar e provar factos que permitissem qualificar de temerária a conduta da vítima, uma vez que tal facto seria impeditivo do direito invocado pelo Recorrente. Ora, a Recorrida, no entendimento do Recorrente, não provou factos que possam qualificar a sua conduta como temerária ou negligência grosseira. xix. Não bastam a simples negligência, imprevidência, imprudência ou distração para descaracterizar o acidente. O que a lei exige é um comportamento temerário e indesculpável da vítima, isto é, temerário ou reprovado por um elementar sentido de prudência, o que não se verificou no caso concreto. xx. Entendeu o Tribunal a quo que tendo a Recorrida invocado a exclusão prevista no art.° 5°, 1. 2. das Condições Gerais da Apólice, logrou provar matéria que integra a sua previsão, uma vez que as lesões do Recorrente se ficaram a dever exclusivamente à conduta temerária, tendo actuado com negligência grosseira. xxi. Não pode o Recorrente conformar-se com o entendimento vertido na Sentença recorrida, pois não resultam do processo elementos probatórios que permitam apurar as circunstâncias em que ocorreu o atropelamento e, portanto, se o comportamento da vítima foi negligente e temerário como conclui a Sentença do Tribunal a quo; xxii. Aliás, atendendo aos factos assentes sobre a forma como foi efectuado o atravessamento da via, não pode concluir-se que o comportamento da vítima se traduziu numa negligência grosseira ou num acto temerário. xxiii. Assim sendo, a sentença do Tribunal a quo ao ter considerado a conduta da vítima como temerária, cometeu manifesto lapso, constituindo...

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