Acórdão nº 1049/15.4T9EVR-E.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 08 de Maio de 2018

Magistrado ResponsávelCARLOS BERGUETE COELHO
Data da Resolução08 de Maio de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora 1.

RELATÓRIO Nos autos de inquérito em referência, o arguido, entre outros, AF, na sequência da sua detenção e do seu interrogatório judicial, foi sujeito à medida de coacção de prisão preventiva, determinada por despacho proferido no Juízo de Instrução Criminal de Évora do Tribunal Judicial da Comarca de Évora.

Inconformado com tal despacho, o arguido interpôs recurso, formulando as conclusões: 1. O acervo probatório constante dos autos é constituído, fundamentalmente, por escutas telefónicas – pelo menos, quanto ao ora recorrente; 2. No que às respectivas transcrições diz respeito, como notaram os arguidos logo no interrogatório, o Ministério Público não deu cumprimento ao disposto no artigo 188º/7 do Código de Processo Penal; 3.Entende-se, assim, que violou jurisprudência fixada no AUJ 13/2009, devendo o Ministério Público ter indicado, desde logo, a medida ou medidas de coacção cuja aplicação pretendia promover; 4. Tratando-se de matéria atinente a “formalidades das operações”, estamos perante uma nulidade prevista no artigo 190º do Código de Processo Penal; 5. Consequentemente, não deverão tais transcrições ser utilizadas para fundamentar a aplicação de qualquer medida de coacção, porque feridas de nulidade; 6. Os arguidos suscitaram, ainda, a questão de constarem do processo autos de transcrições que não se encontravam numerados, rubricados e assinados pelo OPC que procedeu à diligência; 7. Tal facto configura, no entender do Mmº Juiz de Instrução, uma mera irregularidade, acrescentando o recorrente, sujeita à disciplina do artigo 123º do Código de Processo Penal; 8. Ora, porque arguida tempestiva e formalmente, e não tendo sido ordenada a sua reparação, os apensos que encerram as transcrições das escutas telefónicas, encontram-se, assim, feridos de invalidade, nos termos do já citado artigo 123º do Código de Processo Penal, 9. Pelo que não devem, igualmente, ser utilizados para fundamentar a aplicação de qualquer medida de coacção; 10. É, aqui, imputado ao recorrente a alegada prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º/1 do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro; 11. O recorrente, com o devido respeito, discorda em absoluto com a qualificação jurídica operada pelo Ministério Público e pelo Mmº Juiz de Instrução na Douta Decisão revidenda.

12. Ao recorrente apenas são imputadas 4 situações concretas de “alegadas vendas” de estupefaciente, a dois consumidores distintos (D e JC); 11. Em nenhuma das situações se apurou a espécie, qualidade, quantidade e preço do produto em causa; 12. Apurou-se apenas que tais “alegadas vendas” ocorreram nos dias 04.08.2017, 14.09.2017, 19.09.2017 e 28.11.2017 (num processo em investigação entre 2015 e 17.12.2017); 13. Tudo o mais são conclusões e ficções de factos levadas a cabo pela investigação; 14. Ao recorrente não foi apreendido qualquer produto estupefaciente, nem quaisquer instrumentos ligados ao tráfico; 15. A actuação alegadamente levada a cabo pelo recorrente circunscreve-se à sua área de residência, em que venderia, directamente, apenas a dois consumidores diferentes; 16. Nada se apurou quanto ao estupefaciente em causa; 17. Seguindo de perto os exemplos-padrão plasmados no Acórdão do STJ de 23.11.2011, disponível em www.dgsi.pt, resulta a nosso ver inequívoco que estará em causa o alegado cometimento de um crime de tráfico na sua forma privilegiada, p. e p. pelo artigo 25º do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, e não na sua forma comum, p. e p. pelo artigo 21º/1 do mesmo diploma; 18. Estando em causa um crime de tráfico de menor gravidade, a primeira e principal conclusão a retirar nesta fase processual é a de que não é admissível a prisão preventiva, pois, conforme é jurisprudência pacífica, o crime em causa não integra o conceito de criminalidade altamente organizada; 19. Mostram-se, assim violados os artigos 25º do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, o artigo 202º do Código de Processo Penal e os artigos 27º e 28º da Constituição; 20. Concluindo-se pela inadmissibilidade da prisão preventiva, deverá o recorrente ser restituído, de imediato, à liberdade; 21. Sem conceder, dir-se-á, ainda, que a prisão preventiva a que o recorrente se encontra sujeito é manifestamente desproporcional à gravidade dos factos que lhe são imputados e às sanções que previsivelmente virão a ser aplicadas; 22. Indiciariamente demonstrada, se tanto, a factualidade plasmada nos pontos 21 e 22 da Douta Decisão revidenda, trata-se, apenas, de 4 situações de “alegada venda” de produto estupefaciente a um consumidor final, todas de diminuta gravidade; 23. As circunstâncias da prática dos factos, aliada à ausência de qualquer passado criminal do recorrente, levam a que se conclua pela violação do princípio da proporcionalidade, legal e constitucionalmente consagrados; 24. Sem prejuízo das questões suscitadas acerca da validade dos elementos probatórios, da qualificação jurídica dos factos e da desproporção manifesta da prisão preventiva, deve questionar-se, ainda, a existência de “fortes indícios” da prática do ilícito penal apontado; 25. A investigação sustenta-se apenas, quanto ao recorrente, em escutas telefónicas; 26. Tais escutas em momento algum se referem à venda de estupefaciente, sendo objecto de conclusões e deduções inaceitáveis num Estado de Direito, 27. Deixando sérias dúvidas acerca da verificação dos necessários “fortes indícios”; 28. Sendo evidente a desproporção entre a prova recolhida contra o recorrente e a privação da liberdade que lhe foi imposta; 28. A medida aplicada é ainda desnecessária e desadequada ao caso concreto do recorrente, 30. Devendo concluir-se que, em face das circunstâncias da alegada prática dos factos, aliada a simples ameaça de agravação do estatuto coactivo, as exigências cautelares que se fazem sentir ficariam suficientemente asseguradas com a imposição das mesmas medidas de coacção aplicadas às co-arguidas A e AA, 31. Ou seja, apresentações periódicas junto do posto policial da área da residência (diariamente, se se entender necessário à limitação da liberdade de movimentos do recorrente) cumuladas com a proibição de contactos com os restantes co-arguidos e pessoas conotadas com o consumo de drogas; 32. Mostram-se, assim violados os artigos 193º, 198º e 200º/1 do Código de Processo Penal.

33. Em suma, também por esta ordem de razões, deverá a prisão preventiva ser imediatamente revogada e substituída por outra medida não detentiva, com restituição imediata do recorrente à liberdade; Termos em que requer a V/ Exas. se dignem dar provimento ao presente Recurso, revogando a Douta Decisão proferida, determinando-se imediatamente a substituição da medida de coacção de prisão preventiva por outra medida não detentiva, fazendo-se assim JUSTIÇA.

O recurso foi admitido.

O Ministério Público apresentou resposta, concluindo: 1. Os factos imputados ao arguido, AF. no âmbito dos presentes autos, indiciam a prática de um crime de tráfico de estupefacientes e um crime de detenção de arma proibida, previstos e punidos pelos artigos 21º, nº 1, do DL 15/93 de 22 de Janeiro e artigo 86.º, n.º 1 da Lei 5/2001 de 27 de Abril.

2. O crime de tráfico de estupefacientes com pena de prisão de 4 a 12 anos.

3. Não foi violada a Jurisprudência Uniformizada do STJ através do Acórdão n.º 13/2009 de 1 de Outubro.

4. Nada obsta à utilização das intercepções telefónicas constantes dos autos e indicadas como prova, para fundamentação das medidas de coacção a aplicar, por falta de assinatura e rubrica dos autos de transcrição uma vez que este facto constitui mera irregularidade 5. O despacho colocado em crise pelo recorrente encontra-se devidamente fundamentado quanto aos requisitos exigidos para aplicação da prisão preventiva, pois encontrou fundamentação nos perigos previstos nos artigos 204.º e 202º, ambos do Código de Processo Penal.

6. Existe perigo de continuação da actividade criminosa, porquanto o arguido não desenvolve actividade profissional que permita ao próprio sustento nem a aplicação de medida de coacção menos gravosa surtiria efeito.

7. Sendo que a medida prisão preventiva afigura-se como a única medida adequada e suficiente para que se não verifique o perigo de perturbação do decurso da investigação, nomeadamente para a aquisição, conservação e veracidade da prova, que importa preservar e perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas e de continuação da actividade criminosa, no presente caso.

8. No caso de crime de tráfico de estupefacientes a medida de apresentações periódicas, não atenua seriamente o perigo de continuação da actividade criminosa.

9. Só a prisão preventiva, e não qualquer das outras medidas de coacção previstas na lei responde de forma adequada e suficientemente às exigências cautelares que o caso reclama, é proporcional à gravidade do crime indiciado e à sanção que é previsível vir a impor-se ao arguido.

10. Caso o arguido deixasse de estar na situação prisional em que actualmente se encontra, e tratando-se de um caso de tráfico de estupefacientes, tal causaria perturbação da ordem e tranquilidade públicas. É que sendo o tráfico de estupefacientes uma actividade socialmente maléfica e estando o sentimento comunitário de repulsa por essa conduta e de sensibilização aos perigos que ela representa bem interiorizados, a não aplicação desta medida, que de todo em todo, a inviabilize e sujeite o seu autor à reacção penal é susceptível, em concreto, de causar alarme, com perturbação da ordem e tranquilidade públicas.

11. É certo que a vigilância electrónica poderia mostrar-se adequada para obviar os perigos de perturbação do decurso da investigação, nomeadamente para a aquisição, conservação e veracidade da prova e de continuação da actividade criminosa, que continua a existir no caso concreto.

12. Bem andou o Tribunal a quo quando decidiu aplicar ao arguido a medida de coacção de prisão preventiva, pelo que, pelos motivos...

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