Acórdão nº 2962/16.7T8STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Maio de 2018

Magistrado ResponsávelTOM
Data da Resolução24 de Maio de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam no Tribunal da Relação de Évora I. Relatório.

AA – Companhia de Seguros, S.A., intentou a presente ação declarativa comum condenatória contra BB; CC; DD e EE – Construções, Lda., pedindo a condenação dos RR. a pagar-lhe a quantia de 79.325,10 €, bem como a pagar os custos que ainda venha a suportar no futuro, relativamente aos danos sofridos relativamente às pensões a pagar aos beneficiários de FF, no âmbito do processo de sinistro por acidentes de trabalho, acrescido dos juros de mora, à taxa legal, que se vencerem desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.

Alegou, em síntese, que no exercício da sua atividade celebrou com BB – Construções, Sociedade Unipessoal, Lda., um contrato de seguro, do Ramo de Acidentes de Trabalho, titulado pela apólice n.º AT2287467/8, para cobrir a responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho ocorridos com os seus trabalhadores.

No dia 16 de Outubro de 2007 ocorreu um desabamento de terras no estaleiro de construção civil, sito na Quinta do Hilário, lote 38 em Setúbal, que culminou com o desmoronamento de um muro, que vitimou FF, nascido em 10/6/1963. No referido estaleiro decorria uma obra pertencente à R. EE – Construções, Lda.

(dona da obra) a qual havia adjudicado à empresa BB, Lda., a subempreitada para a execução de diversos trabalhos. Em consequência desse acidente de trabalho foi instaurada a competente ação de Acidente de Trabalho no Tribunal de Trabalho de Setúbal, que recebeu o n.º de processo 919/07.8TTSTB, pelos beneficiários Célia …, Pedro … e Tomás …, contra EE Construções, Lda., BB, Construções Unipessoal, Lda. e a ora A., onde foi proferida decisão final na qual foi condenada a R. BB – Construções Unipessoal a pagar as várias importâncias.

Em consequência do acidente de trabalho em causa, a aqui A. já pagou aos beneficiários a quantia de 867,74 € de despesas diversas; 72.009,36 € de pensões e 6.448,00 € de subsídios nos termos da Lei 98/09, no total de 79.325,10 €; quantias que a Autora agora reclama dos RR., em virtude de direito de regresso nos termos do art.º 31º, n.º 4 e n.º 5 da Lei n.º 100/97 de 13/9.

Citados, contestaram os RR. EE– Construções, Lda. , CC e DD, impugnando parte dos factos articulados e negando o dever de indemnizar a autora e invocaram a caducidade do direito desta, alegando que os beneficiários já acionaram judicialmente os responsáveis pelos danos causados, não podendo agora a A. reclamar novamente uma indemnização, nos termos do n.º 4 do art.º 31º da Lei 100/97 de 13/9; e a prescrição, nos termos do art.º 498º, n.º 2 do Código Civil, uma vez que a A. foi condenada por sentença a pagar determinadas quantias aos beneficiários, transitada em 3/7/2010 e somente em 2016 intentou a presente ação.

A Autora respondeu às exceções, pugnando pela sua improcedência.

Em 14/6/2017 a Autora requereu a ampliação do pedido em 10.500,00 €, correspondente aos pagamentos que tem vindo a efetuar aos beneficiários, a título de pensões, desde o início do ano de 2016, deduzidas das atualizações legais das pensões, suportadas pelo Fundo de Acidentes de Trabalho, pelo que o valor do pedido será alterado para o valor total de 89.825,10 €, o que foi admitido.

Foi proferido o despacho saneador, julgando-se improcedente a exceção de caducidade e relegou-se o conhecimento da invocada prescrição para a decisão final.

Após, realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida a competente sentença, cuja parte do dispositivo se transcreve: “Pelo exposto, julga-se a presente ação parcialmente procedente por provada e, em consequência, condenam-se os RR. a pagar à A. a quantia de 89.825,10 €; bem como os juros de mora, à taxa legal de 4%, calculados sobre a quantia de 79.325,10 € desde 7/12/2016 e sobre a quantia de 10.500,00 € desde 17/6/2007, tudo até efetivo e integral pagamento, absolvendo-se do restante”.

Desta sentença vieram os Réus EE – Construções, Lda. , CC e DD, interpor o presente recurso, que após alegações concluíram:

  1. Verifica-se omissão de pronúncia por inerência aos temas da prova, definidos no despacho saneador e questões enunciadas pelo Digníssimo Tribunal como questões a decidir, designadamente, sobre a responsabilidade dos Recorrentes pelo sinistro.

  2. Os Recorrentes não foram responsáveis pelo sinistro laboral.

  3. A prova produzida em sede penal pode ser transposta para a presente sede, contudo, havendo contradição de factos ou factos cuja apreciação critica impõe decisão diversa à verificada em sede penal, impõe-se ao Digníssimo Tribunal dirimir tais contradições e de forma fundamentada decidir sobre a responsabilidade ou não dos Recorrentes no sinistro, sob pena de se assistir a uma decisão absolutamente formal sem atentar aos factos, e sem uma decisão critica dos mesmos e sem aferir-se mérito dos fundamentos da ação.

  4. A norma patente do artigo 623.º do CPC apenas limita aos Recorrentes ilidir a presunção da existência de factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como os que respeitam à forma do crime, o que não significa que, dos factos provados não possam defender uma solução diferente à preconizada em sede penal, até porque as responsabilidades penais e civis são autónomas uma da outra.

  5. Acresce que, nos presentes autos está em causa a discussão das consequências derivadas de sinistro laboral, em cujo processo judicial os RR., ora Recorrentes não puderam intervir por ilegitimidade, impondo-se que possam exercer pleno contraditório, impugnando e demonstrando mesmo que foi o próprio sinistrado FF quem teve responsabilidade pelo sinistro o que no seu modesto entendimento ficou provado.

  6. Negar tal entendimento, é negar aos Recorrentes pleno contraditório, e por conseguinte é entendimento inconstitucional, violando-se o disposto no artigo 20.º da CRP no que concerne ao direito á tutela jurisdicional efetiva.

  7. Não constam dos factos considerados provados, designadamente que quantias foram consideradas provadas como pagas pela A. aos beneficiários legais e que permita a condenação dos RR..

  8. Os factos considerados provados 33) e 34) não permitem a condenação dos RR. ora Recorrentes, impondo decisão diversa da tomada pelo Digníssimo Tribunal atendendo a que apenas confirmam que a A. foi condenada a pagar determinadas quantias, por via da responsabilidade transferida pela BB Lda., no âmbito de sinistro laboral e não que a A. tenha pago o que quer que seja aos beneficiários legais; i) Não foi produzida prova suficiente pela A. como se lhe impunha, atentas as regras do ónus probatório (artigo 342.º do CC), de que tenha efetuado qualquer pagamento em concreto a Célia …, viúva do sinistrado, a Tomás e a Pedro …, filhos do sinistrado.

  9. Nenhum recibo de quitação foi junto pela A., nenhum comprovativo de transferência ou de entrega de cheque efetivamente aos beneficiários legais foi junto aos autos, mas apenas documentos internos produzidos pela própria A., o que manifestamente é insuficiente para prova de pagamento.

  10. Acresce que a testemunha António …, funcionário da A., limitou-se a descrever procedimentos internos de processamento de pagamento levados a cabo de forma que indicou ser automática e na qual nenhuma intervenção em concreto teve no caso, não sendo gestor de sinistro; l) Não conseguiu tal testemunha confirmar durante o seu depoimento, no caso concreto, que pagamentos foram ou não realizados pela A., a que título e porque forma (meio de pagamento) e se foram efetivamente recebidos por Célia …, viúva do sinistrado, a Tomás e a Pedro …, filhos do sinistrado.

  11. Limitando-se a A., por via da única testemunha que apresentou nos autos, a descrever procedimento de processamento de pagamento, sem conseguir identificar pagamento em concreto, não pode o Digníssimo Tribunal recorrido suportar decisão condenatória de reembolso de quantias pagas aos sinistrados pela A., pois que precisamente, o eventual a reembolso radica em direito de regresso desta sobre os RR e do consequente reembolso de quantias dos RR. que sejam considerados responsáveis pelos danos registados, direito que apenas surge com efetivo pagamento (artigo 524.º do C. Civil).

  12. Os factos considerados provados não o poderiam ser nos termos em que foram considerados pela douta sentença recorrida, designadamente que os RR. tiveram absoluta responsabilidade, em termos civis, pelo sinistro laboral que acometeu FF e que conduziu à sua morte.

  13. Nos termos dos factos 13), 14) e 15) considerados provados: “A ordem para abrir a vala e efetuar os trabalhos de remoção das terras foi dada por FF, encarregado da “BB”, a qual enquanto empregadora dava ordens e instruções ao encarregado no que respeitava à execução do trabalho a efetuar; e que por sua vez cumpria o contratado com a “EE”.

  14. O facto 14) “Na ocasião, o encarregado FF solicitou aos trabalhadores Alberto …, Jesus …, José … e António …, todos a prestar serviço por conta da BB, Lda., que fossem remover a terra do interior da vala com o auxílio de pás, o que os trabalhadores fizeram”.

  15. A BB Lda., na qualidade de empreiteira e empregadora dos trabalhadores sinistrados, entre os quais FF era a primeira responsável pela atuação dos seus trabalhadores, conforme bem decidiu o Tribunal da Relação de Coimbra no Proc. n.º 3481/08.0TBLRA.C1, in www.dgsi.pt.

  16. A BB, Lda. agiu de acordo com contrato de empreitada firmado com a EE Lda.; (facto provado 1)) s) Mesmo que a EE Lda. não tenha feito produzir plano de segurança específico, seria a BB Lda. enquanto executante quem deveria cuidar de o fazer e sobretudo de, na execução de qualquer obra, não planeada, como era o caso, de garantir condições de segurança aos seus trabalhadores, algo a que a dona da obra não pode sindicar por nem sequer ter sido avisada de que iria ter lugar tal obra.

  17. Nenhum dos factos considerados provados contradiz esta atuação do próprio sinistrado, nem determina que foi a Recorrente EE Lda., dona da obra ou algum dos seus gerentes da altura, quem deu instruções aos trabalhadores da BB...

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