Acórdão nº 26/17.5JASTB-B.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Maio de 2018

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução24 de Maio de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora.

  1. Relatório 1.

    Nos autos de inquérito com o número em epígrafe que correm termos no DIAP de Setúbal, 2ª secção, foram ouvidos em 1º interrogatório judicial de arguido detido no Juízo de Instrução Criminal de Setúbal (Juiz 1), CC, nascido a 10.12.1947, divorciado, comerciante aposentado e BB, nascido a 01.04.1952, divorciado, gerente comercial e AA, nascido a 23.06.1975, natural do Canadá, divorciado, gerente comercial.

    1. Após o referido interrogatório, foi proferido despacho judicial em 15.12.2017 que aplicou aos arguidos CC e BB, no que aqui importa, a medida de coação de prisão preventiva.

    2. É daquele despacho que os arguidos CC e BB vieram interpor o presente recurso em articulado conjunto, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões: - « IV - CONCLUSÕES a) - O presente recurso vem interposto do Douto Despacho do Tribunal a quo que, a final, aplicou aos arguidos a medida de coação TIR acrescida de medida de coação privativa da liberdade, ao abrigo dos disposto nos artºs 191º, 192º, 193º, 196º, als. a) e c) do nº 1 do artº 202º e als. a), b) e c) do artº 204º, todos do CPP.

      1. - Verifica-se insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e um erro notório na apreciação da prova, cfr. al. a) e c) do nº 2 do artº 410º do CPP.

      2. - O presente recurso abrange matéria de Direito por se entender, igualmente, terem sido violadas normas jurídicas e por ter havido uma interpretação e aplicação de normas por parte do Tribunal a quo diversa da que deveria ter-se verificado, cfr. al. a) e b) do artº 412º do CPP.

      3. - O Tribunal a quo aplicou aos arguidos a medida de coação TIR acrescida de medida de coação privativa da liberdade, ao abrigo dos disposto nos artºs 191º, 192º, 193º, 196º, als. a) e c) do nº 1 do artº 202º e als. a), b) e c) do artº 204º, todos do CPP.

      4. - Entendeu o Tribunal a quo que a sua motivação teve por base factos mas, na verdade, tal não se verificou.

      5. - A realidade factual conhecida, e por isso a relevante para efeitos de avaliar, no momento concreto a necessidade de aplicação da medida de coação mais gravosa [a prisão preventiva] é distinta.

      6. - Como o Tribunal a quo bem refere, "A identificação e a forma de actuação de todos os arguidos já conhecidos nos autos, tem, na verdade, como essencial meio de prova, neste momento, as declarações do arguido DD e os autos de reconhecimento deste relativamente aos arguidos hoje presentes a interrogatório...".

      7. - Este é, de facto, o cerne da questão: Os "alegados" factos não são mais [no momento da aplicação da medida de coação mais gravosa] que declarações sucessivas, em crescendo [quanto a "novos" factos] e que, no essencial, visam dar sustentação à teoria do Ministério Público, prestadas pelo arguido DD.

      8. - Este arguido, s.m.o., é o único de todos os arguidos destes autos que, de facto, confessou e demonstrou com certeza de tempo, lugar e modo estar relacionado com os factos alegados pelo Ministério Público, qua tale relatados, ou outros.

      9. - Na verdade, foi ele que se deslocou ao Terminal da M no dia e hora identificados nos autos, aliás como resulta de fls. 50, 51, 53, 57 a 65, 234 a 236, 243 a 246, desconhecendo-se, contudo, para já, se foi de facto tal arguido que movimentou, abriu, fechou, apôs selo falso e toda a restante factualidade relatada.

      10. - Da prova documental e outra junta aos autos, na fase actual, nada consta com relevância, sem margem de dúvida e com a credibilidade indispensável para não só indiciar os arguidos ora recorrentes como outros que não seja sustentado, como dito, nas inúmeras declarações do arguido DD.

      11. - O arguido DD foi sujeito a diversas inquirições tendo prestado, reitera-se, declarações sucessivas, em crescendo [quanto a "novos" factos] e que, no essencial, visam dar sustentação à teoria do Ministério Público, ou optando pelo direito ao silêncio, o que fez em 6 de Julho (12h00 e 22h00), em 7 de Julho (16h25m) onde optou por não prestar declarações, a 14 de Novembro (11h00), a 29 de Novembro (15h20m) e a 14 de Dezembro (13h00).

      12. - No 1º interrogatório, ocorrido a 6 de Julho de 2017 disse com relevância, de fls. 256 a 260 "No dia 22 de Fevereiro do corrente ano [2017] recebeu uma chamada telefónica de um indivíduo que lhe pediu para se encontrar com ele no supermercado Intermarché da Golegã. Não reconheceu o número nem sabe quem era o indivíduo em causa, nem o mesmo se identificou pelo nome ou outra referência, apenas lhe pediu o tal encontro no local indicado, ao que o ora arguido acedeu, não tendo estranhado este pedido.", "...concluiu, pelas horas e duração das chamadas, que o número do tal indivíduo será o 917 ----.", "Encontrou-se com o indivíduo em causa no parque exterior do Intermarché da Golegã.", "Apesar de não saber quem o mesmo era...; ...o condutor que estava sozinho...", "Este indivíduo nunca se identificou pelo nome nem mencionou como ou através de quem soube o nome do arguido e o seu contacto telefónico...", "...Para tal iria pagar ao ora arguido cinquenta mil euros em dinheiro, após o serviço estar feito."; "O tal individuo mostrou-lhe fotografias do contentor, ..., e deu-lhe o número do selo...", "Tal como havia ficado combinado com o indivíduo, não efectuou qualquer contacto telefónico com o mesmo, tanto mais que nunca soube o número dele." e "Até à data [6 de Julho de 2017] nunca mais soube dele nem nunca alguém o veio questionar sobre o sucedido.".

      13. - No 2º interrogatório, ocorrido no mesmo dia 6 de Julho de 2017, pelas 22h00, de fls. 274 a 276, perante a Polícia Judiciária, altera totalmente a realidade dos factos por, supostamente, desejar esclarecer os factos, o que pretende fazer por ter considerado, de livre e espontânea vontade, que na altura omitira factos essenciais.

      14. - Neste interrogatório, unilateralmente [e entendemos, s.m.o., desprovido de qualquer razoabilidade ou sustentação factual - como veremos adiante - que não a palavra de um arguido sob quem impende indiciariamente uma potencial pena por ilícito criminal], começou a relatar nomes, situações e propostas para cuja credibilidade do depoimento nenhum facto, ou factos, ou provas, é ou são associado(s), antes ou agora.

      15. - Refere, novamente, neste interrogatório, "Não ficou nunca a saber o nome do tal indivíduo, nem o mesmo lhe deixou qualquer contacto telefónico." o que se mostrará importante adiante, como pretendemos demonstrar a V. Exas..

      16. - O 4º interrogatório, ocorrido a 14 de Novembro de 2017 pelas 11h00, de fls. 623 a 625, verificou-se na sequência de contacto do Ilustre Mandatário do arguido que pretendeu esclarecer "No tempo que tem passado na cadeia tem sempre tentado de todos os modos possíveis recordar-se de pormenores que permitam identificar o indivíduo que se encontrou consigo nos dias 22 e 26 de Fevereiro de 2017, no Intermarché da Golegã, sem sucesso, uma vez que não se recordava se o mesmo se havia alguma vez apresentado pelo nome próprio. Deste modo, numa altura em que se encontrava a ver um programa televisivo, ouviu um nome que lhe chamou à atenção pela pronúncia, e que de imediato relacionou com o encontro com o tal indivíduo. Tal nome seria AA.".

      17. - No 5º interrogatório, ocorrido a 29 de Novembro de 2017 perante Ministério Público, às 15h20m, de fls. 688 e 689, gravadas em audio, 20171129152222_3484442_2872673, das 15h22m33s às 16h10m08s, disse "Vir aos autos porque estava com vontade de colaborar com a investigação.".

      18. - Neste interrogatório é relevante, com o devido respeito, um conjunto bastante vasto de declarações sugeridas, provocadas ou imaginadas emanadas do Ministério Público que condicionaram clara e expressamente as declarações do arguido.

      19. - Questionado sobre os sujeitos alegadamente dos presentes autos, nomeadamente onde moram, disse "Não sei onde é que eles moram" - 04m33s da gravação, quanto aos nomes, disse "Um é BB o outro é o ... não me recordo do nome..." - 04m42s da gravação. - 1ª vez que não se recorda do nome (*).

      20. - A pergunta do MP, "O outro sujeito quem será?" - 05m.00s da gravação, segue-se silêncio e então o MP ostensivamente, s.m.o., sugere "Será CC?" - 05m07s da gravação, ao que - de imediato e consecutiva e com convicção, o arguido responde: "Não, Não, não me recordo do nome." - 05m08s da gravação - 2ª vez que não se recorda do nome (*).

      21. - Então, sem qualquer razão aparente que indiciasse sobre o arguido em causa, o MP provoca a reacção pretendida no arguido de reconhecimento de terceiro e apresenta as fotografias de fls. 277 verso e 283 verso, perguntando "O nome dele será CC?" - 06m10s e ss ao que o arguido responde afirmativamente: "Certo".

      22. - Mais releva na forma em que decorreu o interrogatório por parte do MP a sequência e consequência de actos sugeridos, provocados ou imaginados a expressa afirmação "Não posso ser eu a fazer as declarações, as declarações têm de ser do senhor." - 08m08s da gravação.

        aa) - Para a falta de coerência das declarações sucessivamente prestadas é relevante igualmente que, quando instado sobre o que ganhava com esta situação, ter respondido: "Eles disseram que me davam 50.000 €,..." - 10m40s da gravação, "...quem disse foi o BB e mais o coiso..." - 10m54s, "...esqueceu-me o nome dele..." - 11m06s - 3ª vez que não se recorda do nome (*) ao que o MP sugere "E?" - 11m07s da gravação, acabando o arguido por confirmar naturalmente "E, Sr. E" - 11m09s da gravação.

        ab) - Retomando o conhecimento do nome do alegado proprietário da viatura em causa nos autos, declara que "Não sabia, agora sei porque me lembrou, chamava-se AA, vi um programa de televisão e conheci este nome..." - 14m24s.

        ac) - Continuando as questões, o MP afere se o individuo alegadamente chamado AA teria fornecido ao arguido BB fotografias do número do contentor, ao que este prontamente responde "Não não, não deu fotografias, só mostrou, decorei os números..." - 14m58s.

        ad) - É, parece-nos, de elementar compreensão que um indivíduo que, ao min. 4m42s, ao minuto...

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