Acórdão nº 149/16.8IDFAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 20 de Dezembro de 2018

Magistrado ResponsávelGILBERTO CUNHA
Data da Resolução20 de Dezembro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: RELATÓRIO.

Decisão recorrida.

No processo comum nº149/16.8IDFAR procedente do Juízo Local Criminal de Portimão (juiz 1) do tribunal Judicial da Comarca de Faro, os arguidos R.,Lda, FM, VF Ldª, JG, RD, A & C, Ldª, RC e ZF, todos devidamente identificados nos autos, sob acusação deduzida pelo Ministério Público, foram submetidos a julgamento perante tribunal singular, vindo por sentença proferida em 09-04-2018, para o que aqui ora releva, a ser decidido o seguinte: 1. Absolver os arguidos R.,Lda, FM, VF Ldª, JG, RD, A & C, Ldª, RC e ZF da prática, por cada um, de um crime de fraude fiscal qualificada, pp. pelos arts.103º, nº1 e 104º, nºs 1 e2 al.) do RGIT.

  1. Condenar o arguido FM, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelos art.ºs 105.º n.ºs 1 e 4, todos do RGIT, na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de 5,50 euros, num total de 1.375 euros (a que correspondem 166 dias de prisão subsidiária, caso o arguido não pague, voluntária ou coercivamente a multa aplicada).

  2. Condenar a sociedade arguida “R.,Lda, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelos art.ºs 105.º, n.ºs 1 e 4, todos do RGIT, na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de 5 euros, num total de 1.250 euros.

    Recurso.

    Inconformado com essa decisão na parte em que absolveu todos os arguidos da prática do crime de fraude fiscal qualificada, pp. pelos arts.103º, nº1 e 104º, nºs 1 e 2 al.) do RGIT dela recorreu o Ministério Publico, pugnando no sentido de nessa parte a sentença ser revogada e substituída por outra que condene os arguidos pela prática desse crime, rematando a motivação com as seguintes (transcritas) conclusões: 1- A norma do art. 103 – nº 2 do RGIT é muito clara: os factos previstos nos números anteriores não são puníveis, se a vantagem patrimonial ilegítima for inferior a 15.000 €.

    2 – Pela letra daquele preceito, torna-se claro que só se pretende abranger nesta despenalização o crime de fraude fiscal simples p. e p. pelo art. 103º.

    3- O crime previsto e punido no artigo 104 º do RGIT é um novo ilícito penal e aí não se encontra previsto nenhum número idêntico ao do nº 2 do art. 103º; 4- Pelo que concluímos que o valor da vantagem patrimonial não releva para efeitos de despenalização, quando se trata daquele ilícito.

    5- Se o legislador tivesse pretendido desqualificar o crime ou despenalizar uma conduta, tê-lo-ia esclarecido expressamente, como o fez, por exemplo quanto à desqualificação prevista no art. 204º – nº 4 do Código Penal.

    6- No mesmo sentido do pugnado neste recurso, Acórdão da Relação de Guimarães de 18/05/2009, proferido no P. 352/02.8IDBRG-G1, in www.dgsi.pt: “São realidades de gravidade distintas: uma coisa é a fraude consistir unicamente na comunicação da existência de um negócio simulado. Outra, bem mais grave, é forjar documentos para convencer que o negócio efectivamente existiu, tornando mais difícil a descoberta do crime. Foi apenas o primeiro comportamento que o legislador pretendeu beneficiar com a norma do art. 103º – nº 2 do RGIT”.

    7 – Em sentido contrário, vai o Acórdão da Relação do Porto de 23/03/2011, proferido no P. 70/05.5IDAVR.P1, in www.dgsi.pt, sendo que a interpretação da norma vertida no Acórdão do TRG nos parece a que melhor respeita o espírito e a própria letra da lei.

    8- Assim, a douta sentença violou o disposto nos artigos 104º do RGIT, ao considerar que a conduta em apreço não configura a prática do crime de fraude fiscal qualificada.

    Nestes termos, procedendo sempre o recurso quanto à questão de direito suscitada, entendemos dever ser revogada a sentença proferida nestes autos, que deverá ser substituída por outra que, tendo por base a fundamentação expendida, condene os arguidos pela prática do crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos art.ºs 103.º, n.º 1 e 104.º, n.ºs 1 e 2 al, a) do RGIT.

    Contra motivaram os arguidos RC, A & C, Ldª e ZF, pugnando pela improcedência do recurso com a consequente manutenção da sentença recorrida que absolveu os arguidos, concluindo os recorrentes RC e A & C, Ldª com as seguintes conclusões: I- A presente Resposta ao Recurso do M.P. é motivada pela total discordância com o conteúdo do mesmo.

    II- O M.P. defende que “ao crime de fraude fiscal qualificada não se aplica o limite de € 15.000,00 previsto no art. 103º, n.º 2 do RGIT.”.

    III- Tendo formulado no seu pedido a condenação dos “ arguidos pela prática do crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos art.ºs 103.º, n.º 1 e 104.º, n.ºs 1 e 2 al, a) do RGIT”.

    IV- A interpretação dada pelo Ministério Público aos artigos 103.º e 104.º do RGIT, não encontra fundamento na letra da lei, nem no espírito das normas invocadas.

    V- À luz do estatuído no n.º 1 do art. 104.º do RGIT o crime de fraude fiscal qualificada tem como base os factos previstos no crime de fraude fiscal.

    VI- Assim, para que haja crime de fraude fiscal qualificada, será necessário que haja um crime de fraude fiscal nos termos do previsto no artigo 103.º.

    VII- A qualificação do crime de fraude fiscal não tem como consequência o afastamento do n.º 2 do artigo 103.º do RGIT que exclui a punibilidade dos crimes de fraude fiscal nos casos em que a vantagem patrimonial ilegítima é inferior a €15000.

    VIII- Na Douta sentença recorrida, o Tribunal “a quo”, seguindo o entendimento adoptado no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 08/01/2013, defende que “os factos que consubstanciam uma vantagem ilegítima inferior a 15.000 euros não realizam, materialmente, nem o crime de fraude fiscal, simples ou agravado, nem a falsificação ou a burla do Código Penal.”.

    IX- No mesmo sentido, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 19/11/2011; Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães datado de 03/07/2012, e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 21/05/2014, todos acessíveis em www.dgsi.pt.

    X- Tem sido ponto assente na Doutrina que, relativamente ao crime de fraude fiscal “esse limite de € 15.000, em nossa opinião, é sempre exigível para a criminalização da fraude fiscal, tanto no tipo base como no tipo qualificado (neste sentido se tem pronunciado a doutrina, Isabel Marques da Silva, em RGIT, Cadernos IDEF, 5, 2ª Edição, pág. 164”.

    XI- A vantagem patrimonial ilegítima nos presentes autos é inferior a €15000, pelo que, não se verifica o preenchimento dos elementos constitutivos do crime.

    XII- Assim, andou bem o Tribunal “a quo” quando, na douta sentença, absolveu o Arguido da prática do crime de fraude fiscal qualificada.

    XIII- Pelo que, não deve ser dado provimento ao Recurso interposto pelo M.P., mantendo-se assim a sentença recorrida que absolveu o Arguido da prática do crime de fraude fiscal qualificada.

    Por seu lado o arguido ZF terminou a sua resposta com a formulação das seguintes conclusões: i. O presente Recurso está centrado na impugnação sobre a matéria de facto e de direito que o Arguido praticou um crime de um crime de fraude fiscal qualificada., o qual foi dado como não provado.

    ii. Ora, salvo o devido e merecido respeito pelo MP, a decisão do tribunal a quo não merece qualquer reparo, uma vez que toda a prova produzida demostrou que o Arguido, não praticou, nem foi sua intenção, nem os valores em divida, consubstanciaram de facto e de direito, a prática de um crime fiscal de tal natureza.

    iii. O Ministério Público, ora Recorrente, sustenta o presente recurso, e bem como a anterior acusação, em indícios, que não se provaram por nunca terem existido, e se terem baseado numa construção abstrata de facto e intenções, que nunca estiveram na mente do Arguido ZF.

    iv. Pelo exposto decidiu bem, de forma coerente e objetiva, o tribunal a quo, dando-se como não provado que o Arguido tenha praticado um crime de fraude fiscal qualificada, p.p pelos artigos 7º, n.º1s e 3, 103º n.º 1 e 104º todos do RGIT.

    Nesta Relação o Exmº Senhor Procurador-Geral Adjunto sufraga a argumentação expendida pelo Ministério Público na 1ª Instância, pelo que também é de parecer que deve ser concedido provimento ao recurso e a decisão absolutória ser revogada e substituída por outra que condene os arguidos pela prática do crime de fraude fiscal qualificada, pp. pelos arts.103º, nº1 e 104º, nºs 1 e 2 al.a) do RGIT.

    Observado o disposto no nº2 do art417º, do CPP, não houve resposta.

    Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos teve lugar a conferência.

    Cumpre apreciar e decidir.

    FUNDAMENTAÇÃO.

    Poderes de cognição deste tribunal. Objecto do recurso. Questão a examinar.

    Os poderes cognitivos deste Tribunal conformam-se à revisão da matéria de direito, quer por que também não se alega nem ex officio se vislumbra qualquer dos vícios elencados no nº2 do art.410º, do CPP, quer por que o recorrente também centra a sua dissidência relativamente ao julgado em matéria de direito, assim demarcando o objecto do recurso (art.412º, nº1, do CPP), tendo-se por definitiva a decisão proferida na 1ª Instância sobre a matéria de facto.

    Nestes termos, e tendo em consideração que o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da correspondente motivação, sintetizando-as, a questão que delas emergem e que reclama solução consiste em saber se em face dos factos sedimentados e dados como provados na sentença recorrida todos os...

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