Acórdão nº 325/15.0T8TMR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 20 de Dezembro de 2018

Magistrado ResponsávelFRANCISCO XAVIER
Data da Resolução20 de Dezembro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I – Relatório1. BB intentou contra CC, Lda.

, acção de processo comum pedindo a condenação da R.: a) A reconhecer que a A. é a legítima proprietária do prédio urbano sito na Rua J… n.º …, 2300-… Tomar, inscrito na matriz com o artigo … (antigo …), União das Freguesias de Tomar, concelho de Tomar, descrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar com o n.º …; e b) A restituir à A. o referido prédio urbano, livre de pessoas e bens, mas com os nove depósitos em cimento para armazenar vinho e a garrafeira existentes no prédio.

  1. Para tanto alegou, em síntese: – que é dona de um prédio urbano sito na Rua J… n.º …, em Tomar, inscrito na matriz sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …; – em Dezembro de 2009 a Ré tomou o referido prédio de trespasse, através de contrato de trespasse, tendo dado o direito de preferência à herança indivisa aberta por óbito de DD, representada pela cabeça de casal, EE, por ser a proprietária do imóvel em causa à data; – em 21 de Dezembro de 2009, a referida herança (representada pela cabeça de casal) enviou uma carta à Ré, onde na parte final da mesma denunciou o contrato de arrendamento celebrado em 19 de Agosto de 1970, denúncia essa efectuada com base na redacção à data do artigo 1101.° alínea c) do Código Civil, aplicável por força do artigo 26.° n.º 6, al. a) da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, igualmente em vigor à data do trespasse; e – como tal, a denúncia iria operar no prazo de cinco anos a contar dessa data, ou seja, em 22 de Dezembro de 2014.

    Mais alegou que, de acordo com o mencionado regime legal, a denúncia teria de ser confirmada pelo senhorio, o que deveria ser feito através de comunicação com a antecedência máxima de 15 meses e mínima de um ano relativamente à data da sua efectivação, mas que, tendo o artigo 1104.° do Código Civil, que previa tal comunicação, sido entretanto revogado pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, que entrou em vigor em 12/11/2012, à míngua de qualquer regime transitório, a mesma deixou de ser exigível.

    Acrescentou que passou a ser proprietária do prédio a partir de 22 de Maio de 2012, sendo que a Ré, muito embora aí exerça actividade de restauração, não possui licença de utilização, pagando uma renda mensal de 0,85€, até porque o prédio foi arrendado para arrecadação, e que chegados a 22 de Dezembro de 2014, a Ré não entregou o locado (livre de pessoas e bens, mas com todos os bens que fazem parte do mesmo, nomeadamente nove depósitos em cimento para armazenar vinho e um conjunto de garrafeiras que ocupam uma parede), não obstante interpelada para esse efeito.

  2. Citada, a Ré veio contestar, alegando, em prol da improcedência da acção, em síntese: – que a denúncia operada pela Herança nunca seria válida, porque fundada num “trespasse” que, do ponto de vista de cada um dos senhorios era parcial, não podendo dar lugar ao exercício do direito de preferência separado sobre a parte do estabelecimento em funcionamento no local por si arrendado, mas quanto muito sobre a totalidade do estabelecimento, pelo que concomitantemente, também a denúncia parcial de um dos arrendamentos estaria eivada de abuso de direito; – ao questionar o uso que vinha sendo dado ao imóvel, a senhoria fingia ignorar uma realidade que é do conhecimento geral, ou seja, o facto dos imóveis em causa serem utilizados há décadas como casa de comidas e petiscos referenciada como “Casa R…”, um verdadeiro ex-libris da cidade de Tomar e, como tal, integrada nos roteiros turísticos.

    Acrescentou que o conjunto de locais arrendados situa-se de um lado e do outro da Rua Dr. J…, em Tomar, constituindo um estabelecimento comercial de “restaurante, café e bebidas” instalado e em funcionamento como uma unidade nos prédios com os números de polícia 7, 7-A, 6, 4 e s/n, e que com vista à aquisição dessas diversas posições contratuais, o seu gerente negociou com os vários senhorios os valores das rendas, o que não foi possível quanto ao local aqui em causa, visto as senhorias se terem mostrado indisponíveis para negociar fosse o que fosse.

    Alegou ainda: – que as duas “casas” que compõem o estabelecimento – “Casa R…” e “Casa M…” -, estão em lados opostos da mesma rua, mas têm os mesmos pratos e até a mesma cozinha, sendo a “Casa R…” como que uma esplanada coberta, sem cozinha própria, sendo as refeições aí servidas confeccionadas na Casa M…, no prédio fronteiro do outro lado da rua; – que o estabelecimento a que se referia o contrato de trespasse celebrado pela Ré e no qual foi facultado o exercício da preferência ocupa diversos espaços pertencentes a diferentes senhorios que, no seu conjunto, constituem um único estabelecimento comercial, mas a sua viabilidade depende da manutenção desta agregação de espaços, com partilha dos custos de funcionamento (gestão conjunta, cozinha única, mesmo empregados), sem a qual nenhuma das casas por si só teria viabilidade; – que seria manifestamente abusiva a invocação do direito de denúncia por parte do senhorio de alguns dos espaços arrendados afectos ao dito estabelecimento, inviabilizando dessa forma o seu funcionamento global como unidade produtiva; – nestas condições também nunca seria viável o trespasse parcial, de uma parte do conjunto porque essa divisão inviabilizaria cada uma das partes daí resultantes; e –que também não seria aceitável o senhorio pudesse, através da denúncia dos contrato de arrendamento respeitantes a apenas uma parte dos espaços afectos ao estabelecimento, inviabilizar o funcionamento global deste, sendo tal procedimento ofensivo do fim social e económico visado pelo direito de denúncia e, como tal, proibido por força do instituto do abuso de direito.

    Mais aludiu que a eficácia da denúncia - feita aparentemente por quem não tinha a legitimidade necessária - esteve sempre dependente de confirmação, por comunicação do senhorio com antecedência máxima de 15 meses e mínima de um ano relativamente à data da sua efectivação, nos termos do artigo 1104.º do Código Civil, o que não foi feito no presente caso, e que o preceito legal em que se fundamentou foi revogado e deixou de ser possível com a alteração legislativa.

  3. Findos os articulados foi designada data para audiência prévia, na qual a A. foi admitida a pronunciar-se sobre a matéria de excepção aduzida em sede de contestação, a qual referiu não ocorrer a “abuso de direito”, porquanto o imóvel em apreço foi objecto de arrendamento autónomo, sendo certo que o outro espaço explorado pela Ré denominado “Casa M…” respeita a um contrato de arrendamento celebrado noutra data (ano de 1963) e está fisicamente separado do imóvel objecto dos presentes autos, tendo autonomia comercial, pois é no mesmo que se situa a cozinha e a grande parte das mesas e cadeiras disponíveis para exploração comercial da actividade da R., não obstaculizando a denúncia o exercício da actividade comercial da R..

  4. Foi proferido despacho saneador tabelar, tendo sido dispensada a definição do objecto do litígio e a fixação dos temas da prova, designando-se data para audiência final.

    Efectuado o julgamento veio a ser proferida sentença, na qual se decidiu: Julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenar a Ré CC., a reconhecer que a Autora BB é a legítima proprietária do prédio urbano sito na Rua J… n.º …, em Tomar, inscrito na matriz sob o artigo … (sendo anterior artigo …), da União das Freguesias de Tomar e descrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar sob o n.º …, e a proceder à sua restituição à Autora livre de pessoas e bens.

  5. A R. interpôs recurso da sentença, nos termos e com os fundamentos seguintes [segue transcrição das conclusões do recurso]: 1.ª A remissão constante do ponto 8. dos factos provados deve considerar-se feita para o ponto 7. e não para o ponto 6, por tal corresponder a simples rectificação de erro de escrita.

    1. Por outro lado a expressão “assumindo as vestes de Cabeça da Casal” constante do ponto 7. é ambígua, devendo ser substituída por “invocando que fazia a comunicação como cabeça de casal da Herança Indivisa de DD”.

    2. Estando a presente acção configurada como acção de reivindicação e respeitando a mesma a prédio reconhecidamente arrendado à R., não podia o tribunal apreciar a validade da denúncia sem que tivessem enunciados na p.i. todos os factos susceptíveis de demonstrar a validade e eficácia da denúncia, nomeadamente a data da celebração do contrato, o respectivo prazo de vigência e de renovação e os factos atinentes à respectiva denúncia.

    3. Não era aplicável no caso sub judice em qualquer caso a alínea c) do artigo 1101º do Código Civil uma vez que da conjugação dos artigos 26°, 27° e 28° do NRAU na redacção anterior à Lei nº 31/2012 resulta que o legislador pretendeu que aos contratos de arrendamento para fins não habitacionais anteriores ao D.L. n.º 257/95, de 30/9, não se aplicasse a regra da denúncia livre por parte do senhorio, mantendo em vigor sobre tal contrato o antigo regime vinculístico.

    4. Efectivamente aos arrendamentos vinculísticos, celebrados no âmbito da legislação pretérita à Lei 6/2006, não é aplicável o constante da al. c) do citado artigo 1101º, ou seja, tais contratos não são livremente denunciáveis pelo senhorio, impondo-se-lhe a sua renovação.

    5. Tais contratos de arrendamento só são denunciáveis justificadamente nas situações previstas nas alíneas a) e b) desse artigo 1101º.

    6. Pelo que se invoca a ilegalidade das normas legais constantes da alínea c) do artigo 1101º do Código Civil conjugada com as dos artigos 26°, 27° e 28° do NRAU na redacção anterior à Lei nº 31/2012 no sentido em que o tribunal as aplicou, ou seja, no sentido da aplicabilidade da denúncia injustificada aos contratos de arrendamento não habitacionais anteriores ao DL nº 257/95 de 30/09 em caso de trespasse.

    7. EE não era por designação legal cabeça de casal da herança de DD por não ser a filha mais velha nem viver com o falecido, atento o disposto no...

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