Acórdão nº 89/13.2TBMAC.E2 de Tribunal da Relação de Évora, 06 de Dezembro de 2018

Magistrado ResponsávelFRANCISCO MATOS
Data da Resolução06 de Dezembro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Proc. nº 89/13.2TBMAC.E2 Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório.

  1. (…), casada, residente na Rua de (…), nº 14, r/c, Esquerdo, em Lisboa, instaurou contra (…), divorciado, residente na Rua (…), nº 5, Ortiga, ação declarativa com processo comum.

    Alegou, em resumo, que é proprietária do prédio misto denominado “(…)”, sito em Ortiga e que o R. habita um prédio urbano, cuja propriedade esteve inscrita a seu favor até 1/6/2012, que confina com o seu a Sul e a Poente.

    Com vista à extinção de empréstimos em dinheiro que o R. havia prestado a sua mãe, já falecida, e a si, acordou verbalmente com este entregar-lhe duas parcelas, com a área total de 354,69 m2, do seu prédio.

    O R., sem autorização da A., implantou muros, construiu uma piscina e uma garagem ou armazém que ocupam as referidas parcelas e, para além delas, uma outra parte da área do prédio rústico da A.

    A ocupação pelo R. da parte rústica do prédio da A., impediu-a de colher a azeitona e de usufruir legumes e vegetais que aí eram cultivados e ocasionou-lhe arrelias e fortes perturbações de ordem psicológica.

    A dação em cumprimento de bens imóveis feita de forma verbal é nula e o fracionamento da parte rústica do prédio da A. não é permitido pela lei.

    Conclui pedindo a condenação do R. a reconhecer que é proprietária do prédio que identifica como seu, a restituir-lhe a parte rústica nas condições em que se encontrava antes das obras e a pagar-lhe a quantia de € 4.500,00 a título de indemnização.

    Contestou o R. defendendo, em resumo, que a parte rústica do prédio da A. lhe foi por esta entregue a título de princípio de pagamento da quantia de € 9.000,00, a que acrescem juros, que havia emprestado à A. e a sua mãe, já falecida e de quem a A. é a única e universal herdeira.

    Tal parte rústica tem o valor de € 4.800,00 e o R., com autorização da A., incorporou nela obras que importaram em € 40.000,00.

    Pagando o valor que o prédio tinha antes das obras, o qual deverá ser compensado com o crédito de € 11.643,54 (capital emprestado acrescido de juros), assiste-lhe o direito de adquirir a parte rústica do prédio da A.

    Concluiu pela improcedência da ação e, em reconvenção, pediu que lhe fosse reconhecida a aquisição do prédio rústico da A., por acessão imobiliária, mediante o pagamento do valor que tinha antes das obras a compensar com o crédito que detém sobre esta.

    Respondeu a A. por forma a concluir pela improcedência do pedido reconvencional.

  2. Admitido o pedido reconvencional, foi proferido despacho que afirmou a validade e regularidade da instância, identificou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova.

    Teve lugar a audiência de discussão o julgamento e depois foi proferida sentença, em cujo dispositivo designadamente se consignou: “Julgar a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e em consequência:

    1. Declarar a autora (…) proprietária do prédio misto, denominado “(…)”, situado na Rua do (…), n.º 9, em Ortiga, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mação sob o n.º (…), inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…) e na matriz predial rústica sob o artigo (…) – seção (…), ambos da freguesia de Ortiga, apenas, na parte rústica, quanto à área de 285,31 m2 (640 m2 – 354.69 m2).

    2. Condenar o réu (…) a restituir à autora (…), a área de 285,31 m2 do prédio rústico inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (…), da secção (…).

    3. Condenar o réu (…) a restituir à autora (…) tal área do terreno rústico tal como se encontrava antes das obras que levou a efeito, procedendo à sua destruição a expensas suas, e a abster-se de praticar qualquer ato que perturbe a propriedade e posse da autora sobre a identificada área de terreno.

    4. Absolver o réu (…) dos demais pedidos formulados pela autora (…).

      Julgar a reconvenção parcialmente procedente, por parcialmente provada, e em consequência:

    5. Declarar transmitida para o réu (…), por acessão industrial imobiliária, o direito de propriedade sobre as duas parcelas, com a área de 354,69 m2, melhor identificadas nos pontos 10, 13 e 14 dos factos provados, que eram parte integrante do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo (...) da secção (…) da freguesia de Ortiga, concelho de Mação.

    6. Operar a compensação de créditos de que são reciprocamente titulares a autora e o réu e, em consequência, condenar a autora (…) a pagar ao réu (…) a quantia de € 4 226,55 (…)” 3. A A. e o R., este subordinadamente, recorrem da sentença, concluindo, assim, respetivamente, as motivações dos recurso: - recurso da A.: 1.A Sentença recorrida padece de vícios graves que determinam a sua revogação.

  3. A Apelante discorda da apreciação da matéria de facto vertida na Sentença e que determinou o sentido das decisões proferidas, porquanto, salvo melhor opinião, estas são incompatíveis com o teor da prova efetivamente produzida.

  4. Acresce que, no decurso da Audiência Final, foi pela Mma. Juiz a quo proferido despacho de indeferimento da junção aos autos de novos elementos de prova, conforme havia sido requerido pela Autora, aqui Apelante, decisão interlocutória essa que aqui igualmente se impugna, num recurso único a interpor da Sentença prolatada nos autos.

  5. Começando pela decisão interlocutória que indeferiu a junção aos autos de três fotografias aéreas, entende-se que a interpretação excessivamente restritiva do artigo 423º, número 3, do CPC colide com o princípio da descoberta da verdade material que vincula as partes e o Tribunal.

  6. Os referidos documentos, pela sua natureza e proveniência, são essenciais ao apuramento da verdade dos factos e ao bom julgamento da demanda, pelo que deve ser revogado o douto Despacho proferido em Primeira Instância, admitindo-se assim a sua junção aos autos.

  7. A Sentença de que se recorre apresenta duas grandes ordens de vícios que determinam a sua revogação parcial.

  8. Na Fundamentação de Facto da Sentença ora recorrida, foi declarado como “Facto Não Provado” que «desde 2006 e até à presente data foi a autora que pagou o IMI relativamente ao prédio identificado em 1 dos factos provados».

  9. Acontece que foi junta aos autos – e não mereceu impugnação – prova documental suficiente de que a Autora sempre pagou o IMI.

  10. Logo, deveria este facto ter sido considerado como provado.

  11. Merece igualmente reparo a apreciação que a Mma. Juíza recorrida fez da prova produzida em torno dos danos morais e patrimoniais sofridos pela Autora em consequência dos atos praticados pelo Réu que a privaram do cabal gozo do bem.

  12. No prédio rústico da Autora existiam várias oliveiras, cuja azeitona era regularmente colhida até à prática dos atos danosos por parte do Réu.

  13. O terreno já era cultivado pela Mãe da Autora, sendo-o mais tarde por (…) e seu Marido, até ao momento em que o Réu começou a fazer as obras e a deitar o entulho por cima da hortaliça.

  14. Para além disso, o próprio Réu também plantou árvores e cultivou a terra do prédio rústico da Autora, conforme ficou sobejamente provado.

  15. Logo, deverão ser provados os danos morais e materiais da Autora e, por via disso, ser o Ré condenado a indemnizá-la em conformidade.

  16. Impugna-se igualmente quanto vertido no Facto Provado número 36, pois nem sequer o próprio Réu alguma vez invocou que a licença que lhe foi emitida em 10/03/2014 abrangesse mais do que uma única construção, concretamente, o armazém da parte de baixo do terreno.

  17. Por conseguinte, deve a douta Sentença recorrida ser revogada neste ponto, retificando-se o aludido Facto Provado em conformidade com o teor da licença em causa, junta aos autos.

  18. A Sentença recorrida padece de nulidade decorrente da circunstância de, tendo dado como provada determinada factualidade, não a ter subsumido às competentes normas jurídicas que determinavam a condenação do Réu conforme peticionado.

  19. Foi dado como provado que, ao fazer obras não autorizadas em parte do prédio rústico da Autora que nunca lhe foi cedida ou prometida, o Réu agiu de má-fé.

  20. Tendo declarado a má-fé do Réu, não se entende como é que na Sentença recorrida se afirma que essa mesma atuação não constitui ato ilícito.

  21. E da declarada má-fé do Réu, a Mma. Juiz só extraiu uma única consequência, que foi a de reconhecer a propriedade da Autora sobre essa área, obrigando o Réu a se abster de qualquer ato lesivo desse direito, condenando-o ainda à devolução in natura do terreno.

  22. Absolvendo o Réu dos demais pedidos contra ele formulados, nomeadamente de pagamento de indemnização pelos danos patrimoniais e morais sofridos pela Autora devido à referida lesão do seu direito de propriedade.

  23. Está-se, portanto e inequivocamente, perante uma situação de responsabilidade civil extra-contratual, porquanto se encontram preenchidos todos os seus pressupostos e requisitos, a saber, o facto ilícito e danoso, a culpa na sua verificação, o dano que a situação inegavelmente constituiu e o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano verificado.

  24. Provada a culpa do Réu, que agiu de má-fé, tem de se gerar a devida cominação legal, ou seja, a obrigação daquele primeiro indemnizar pelos danos por si infligidos à Autora.

  25. É entendimento unânime da Jurisprudência que ao proprietário de um prédio cujos direitos de fruição e gozo tenham sido de algum modo perturbados deve ser reconhecido o direito a ser indemnizado.

  26. Deve a Sentença ser revogada por forma a condenar o Réu a ressarcir a Autora pelos danos patrimoniais e morais advindos da sua conduta ilícita, porque de má-fé, nos termos peticionados.

  27. Não merece concordância a conclusão expressa na Sentença recorrida quanto a uma suposta boa-fé psicológica do Réu ao fazer obras e implantar novas estruturas nas duas parcelas verbalmente cedidas pela Autora, desestimando factos provados, claramente reveladores dos maus propósitos e da má-fé de que o Réu esteve sempre imbuído.

  28. Tão pouco se pode acompanhar a Mma. Juíza recorrida quando faz tabula rasa do incumprimento pelo Réu das normas administrativas, de urbanismo e de ordenamento do...

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