Acórdão nº 38/17.9JAFAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 25 de Setembro de 2018

Magistrado ResponsávelS
Data da Resolução25 de Setembro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM, EM AUDIÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA I. Relatório Por acórdão do Tribunal Colectivo do Juízo Central Criminal de Faro do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, proferido em 20/3/18 no Processo Comum nº 38/17.9JAFAR, foi decidido:

  1. Condenar o arguido AA pela prática de um crime homicídio qualificado, previsto e punido pelos arts. 131.º e 132.º, números 1 e 2, al. a), do Código Penal (e não nos termos em que vinha pronunciado pela alínea i) do n.º 2, do artigo 132.º), e condenar o arguido na pena de dezasseis anos de prisão; b) Declarar AA indigno para efeitos de capacidade sucessória relativamente a RL, nos termos do disposto nos artigos 2034.º do Código Civil e 69.º A do Código Penal; Com base nos seguintes factos, que então se deram como provados: 1. O arguido é filho de RM e de RL.

    1. RL nasceu no dia 27 de Abril de 1924.

    2. O arguido viveu durante a maior parte da sua vida no n.º 13, da Rua…, em Loulé.

    3. Depois do pai falecer, entre os 9 e os 10 anos de idade do arguido, viveu na companhia da mãe.

    4. Com quem sempre manteve uma ligação muito próxima.

    5. O arguido cuidava da mãe e realizava as tarefas domésticas.

    6. A residência em que o arguido residia com a mãe é uma moradia, em banda, de tipologia T2, composta de rés-do-chão e primeiro andar.

    7. Acedendo-se ao piso inferior através da porta principal, o qual é constituído por uma sala comum, e à direita daquela, na perspectiva da entrada, um hall com acesso ao lanço de escadas de escadas em pedra mármore, comunicação ao piso superior, encontrando-se à esquerda daquele a porta de acesso à cozinha.

    8. Ao 1.º andar acede-se através do dito lanço de escadas, em forma de “L”, situando-se, à direita, um corredor com dois quartos (interiores) contíguos – o primeiro deles ocupado pelo arguido e o último pela mãe - e uma casa de banho ao fundo.

    9. O arguido ajudava a mãe a deslocar-se pela casa, segurando-a pelas mãos.

    10. E, a subir e a descer, diariamente, as escadas que efectuavam a ligação entre o rés-do-chão e o primeiro andar.

    11. Em regra, quando a mãe descia as escadas, o arguido colocava-se à sua frente e virado para ela, segurando-lhe as mãos para a ajudar.

    12. Para subir, em regra, RL colocava-se “de gatas”, e o arguido posicionava-se por detrás dela, umas vezes empurrando-a levemente e outras segurando-a, para que não caísse.

    13. No dia 18 de Janeiro de 2017, RL ficou todo o dia na sala, sentada no sofá, junto ao aquecedor e a ver televisão.

    14. À noite, jantaram os dois nessa mesma sala, e estiveram a ver televisão.

    15. Em hora não concretamente apurada, mas depois das 21 horas, no intervalo de um jogo de futebol a que assistiram, o arguido ajudou a mãe a levantar-se e a deslocar-se até às escadas de acesso ao 1.º andar, onde se localizava o quarto daquela, para que aí pernoitasse.

    16. Colocando-se, junto dela, enquanto RL subia as escadas.

    17. A dado passo, nas escadas, o arguido agarrou uma estatueta em cerâmica, com cerca de 30 centímetros de comprimento, desferiu com ela pancadas, na zona da cabeça e das costas de RL.

    18. Uma das pancadas foi da esquerda para a direita, atingindo-a na cabeça.

    19. Como consequência directa e necessária da conduta do arguido, sofreu RL as seguintes lesões: - NA CABEÇA: ferida incisa da região mandibular esquerda com 4 cms, com exposição de topos ósseos, em relação com fractura cominutiva complexa da mandíbula. Equimose peri-orbitária esquerda com abaulamento. Hematoma do couro cabeludo parietal esquerdo e direito.

      Infiltração hemorrágica do couro cabeludo na região temporal esquerda e parietais. Infiltração peri-orbitária esquerda e malar. Infiltração mandibular hemorrágica.

      Fractura do osso temporal esquerdo. Infiltração hemorrágica da mastoide.

      - NO PESCOÇO: equimose com 3 cms na face direita.

      Infiltração hemorrágica à direita; infiltração hemorrágica do esterno-cleido-mastoideu.

      - NO TÓRAX: equimose com 2 e 3 cms no hemitorax esquerdo. Equimose modelada com 7 cms, no hemitorax antero-lateral direito.

      Infiltração hemorrágica direita com 5 cms anterior e 7 cms lateral direita.

      Fractura direita do arco posterior e arco anterior da 6ª COSTELA. Fractura da grelha costal no 5.º arco anterior direito e 6.º arco anterior à esquerda.

    20. As lesões traumáticas crânio encefálicas e faciais descritas, foram produzidas por mecanismos de acção directa de natureza contundente, que incidiram sobre a região lateral direita do queixo (fractura da mandíbula), região periorbital esquerda e região temporal esquerda, com fractura linear.

    21. A contusão crânio-encefálica, com hemorragia encefálica, foi a causa da morte de RL, com politraumatismos, fractura e sangramento.

    22. Não querendo ser responsabilizado pela morte de sua mãe, o arguido decidiu eliminar na casa a existência de quaisquer vestígios susceptíveis de o relacionar com a morte daquela, e criar a convicção em todos que se tratara de uma morte natural/acidental.

    23. O arguido transportou o corpo de sua mãe para o quarto da mesma, localizado no primeiro andar.

    24. Despiu-lhe as roupas ensanguentadas, limpou o sangue que ainda permanecia no corpo daquela com vários pedaços de papel higiénico, que deitou depois para o balde do lixo existente na casa de banho.

    25. E deixou-a com os boxers, a camisola de lã que trazia junto ao corpo, e as meias de lã.

    26. Depois, deitou o corpo de RL em decúbito lateral esquerdo, sobre o colchão da cama (sem qualquer lençol ou resguardo), com a face esquerda sobre uma almofada.

    27. E tapou-o com um lençol, dois cobertores e um édredon, deixando a face a descoberto.

    28. Colocou a prótese dentária (inferior e superior) daquela sobre a mesa-de-cabeceira.

    29. A dado passo o arguido deslocou-se para o piso inferior onde lavou e limpou o sangue que cobria os degraus da escada, utilizando toalhas de cozinha em papel para limpar alguns resíduos hemáticos e apanhou os dois fragmentos da estatueta com que atingiu a mãe e que continham sangue.

    30. Os quais, lançou para dentro de um contentor de lixo público, localizado no exterior da residência, mas na mesma rua, a cerca de vinte metros de distância.

    31. Os restantes fragmentos em número de sete, o arguido apanhou e deitou, juntamente com as toalhas de cozinha em papel, para o balde do lixo localizado no interior do armário da cozinha, sob o lava loiça.

    32. O arguido despiu a camisola interior de algodão de cor branca e de manga comprida, que apresentava a extremidade da manga esquerda ensanguentada e depositou-a na máquina de lavar roupa e colocou esta em funcionamento, com outra roupa.

    33. O arguido agiu do modo supra descrito com o propósito de tirar a vida a RL, sabendo que esta era sua mãe e que o instrumento que utilizou para o efeito – uma estatueta em cerâmica com cerca de 30 centímetros de comprimento – a repetição das pancadas, e as zonas que visou no corpo daquela, eram idóneos a produzir o resultado que pretendia.

    34. O arguido quis usar a estatueta nas condições supra descritas, bem sabendo que assim tirava a vida a sua mãe.

    35. Agiu o arguido, em todas as circunstâncias descritas, de forma livre, voluntária e consciente, plenamente conhecedor da censurabilidade da sua conduta, que sabia proibida e punida por lei.

      Das condições pessoais do arguido 37. O processo de crescimento e desenvolvimento do arguido decorreu num quadro sociofamiliar pautado por regras ditas normativas sem quaisquer incidentes a destacar.

    36. Filho único ficou órfão de pai com nove anos de idade, tendo nesta sequência ficado aos cuidados da figura parental feminina que sempre assumiu as responsabilidades no seu processo de desenvolvimento.

    37. Com cerca dezasseis anos de idade completou o antigo 5.º ano de liceu em Loulé.

    38. O enquadramento familiar sempre se pautou pela existência de laços afectivos com a mãe, com a participação activa do arguido na dinâmica do agregado, coadjuvando nas tarefas domésticas e em todas as actividades de relevo.

    39. Em Loulé, com cerca de dezassete anos, AA, começou a efectuar algumas tarefas indiferenciadas, sem qualquer vínculo e/ou contratualização, na repartição de finanças, recebendo ao final do mês pequenas quantias como gratificações do auxílio prestado.

    40. Quando completou dezoito anos, após concurso para recrutamento de funcionários, entrou no quadro de efectivos da referida repartição de Finanças, de onde se ausentou para cumprimento do serviço militar obrigatório (SMO) entre Julho de 1973 e Outubro de 74.

    41. Após completar o SMO regressou ao seu posto de trabalho, em Loulé, onde desempenhou de forma contínua as suas funções até à aposentação, em 31 de Dezembro de 2007.

    42. Considerado um funcionário competente na realização das tarefas atribuídas, de fácil relacionamento interpessoal, com os superiores hierárquicos, colegas e público em geral, criou e fortaleceu ao longo do seu percurso laboral, na comunidade local, laços de amizade e solidariedade. Foram mencionadas algumas características pessoais, tais como a dedicação, disponibilidade e o rigor na realização das tarefas.

    43. Em 1974, após cumprimento do SMO começou a sua ligação ao LDC, inicialmente, com responsabilidades ao nível do futebol juvenil e, alguns anos depois, com funções na própria direcção do clube, assumindo funções de secretário-geral, situação que mantinha no momento da detenção.

    44. À data dos factos que deram origem ao presente processo, AA, residia na actual morada. Trata-se de uma casa de rés-do-chão e 1.º andar, de construção antiga, sita na malha urbana da cidade de Loulé, com condições suficientes de habitabilidade, propriedade do arguido por herança dos progenitores.

    45. O enquadramento familiar (fundamentalmente, alicerçado na relação arguido / progenitora) sempre se pautou por laços de solidariedade e interajuda, encontrando-se o arguido sempre presente em momentos de maior necessidade da mãe, nomeadamente por motivos de saúde.

    46. AA recebe uma pensão de reforma de mil e quinhentos (valor ilíquido), montante considerado pelo próprio como suficiente para assegurar as despesas com a sua manutenção e sobrevivência. Não foram...

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