Acórdão nº 1593/12.5TBFAF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 06 de Novembro de 2014

Magistrado ResponsávelJORGE TEIXEIRA
Data da Resolução06 de Novembro de 2014
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

Recorrentes: AS. e MF.

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Recorridos: SF. e AF.

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Tribunal Judicial de Fafe - 1º Juízo.

Nos presentes autos, SF. e AF.

intentaram acção declarativa na forma de processo sumário contra AS. e MF.

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Alegam, em síntese, que são proprietários de um prédio rústico o qual, por força da abertura de uma estrada, ficou dividido em 2 parcelas, sendo que a mais reduzida foi ocupada pelos réus.

Terminam pedindo o seguinte: A) ser reconhecido, aos AA., o direito de propriedade do prédio rústico identificado no artigo primeiro, concretamente da parcela de terreno identificada no artigo 4º, que daquele faz parte, adquirida, originariamente, por usucapião.

B) Serem os RR. condenados restituírem aos AA. a parcela de terreno identificada no artigo 4º, no estado em que se encontrava antes da abertura do caminho referido no art. 20º.

C) Serem os RR. condenados a indemnizar os AA. no valor de € 650,00 (seiscentos e cinquenta euros).

Citados, os Réus contestaram, alegando, em síntese, que a referida parcela integra o domínio público, pois com a construção da dita estrada aquela parcela foi expropriada. Foram os funcionários das EP que trataram daquela parcela. Aliás, foi a EP que licenciou a abertura do seu terreno para a estrada.

Assim, pedem que a acção seja considerada improcedente.

Na resposta, os autores vieram alegar que dos licenciamentos da obra não resulta que a parcela em causa seja propriedade de alguém.

Terminados os articulados, foi proferido despacho saneador, onde se procedeu à selecção da matéria de facto e se afirmou a validade e regularidade da instância.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença que respondeu à matéria de facto controvertida e julgou totalmente procedente a acção.

Inconformados com tal decisão, dela interpuseram recurso os Réus, de cujas alegações extraíram, em suma, as seguintes conclusões:

  1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida a fls, que julgou procedente a acção e em consequência: - Declarou os autores titulares do direito de propriedade sobre os imóveis descritos nas alíneas a), i),j) e I) dos factos provados; - Condenou os réus a reconhecer aqueles direitos dos autores; - Condenou os réus a restituírem aos autores a parcela de terreno, mencionada nas alíneas j) e I) dos factos provados, no estado em que se encontrava antes da abertura do caminho referida nas alíneas bb) a ee) dos factos provados; - Condenou os réus a pagar, solidariamente, aos autores a quantia de € 650,00, acrescida de juros de mora a contar da data da presente sentença e até efectivo e integral pagamento, à taxa de 4%; - Condenou os réus nas custas do processo.

  2. Os apelantes não se conformam com a decisão, entendendo que o Meritíssimo Juiz " a quo" não decidiu bem, pois além de ter dado respostas deficientes e erradas, à matéria de facto, constante da base instrutória, designadamente no que concerne aos quesitos constantes das pontos 1°, 2°, 3°, 10°, tratou como sendo as alíneas i), j), k), r), s), t), u), v), w), x), y), z), aa) e hh) da mesma, não considerou correctamente os elementos de prova existentes no processo, nomeadamente a prova testemunhal, o que determinaria uma decisão diversa, designadamente a improcedência da acção e absolvição dos ora apelantes do pedido.

  3. A decisão proferida aplica erradamente o direito, pois o Tribunal "a quo" , face aos elementos constantes dos autos relativamente à factualidade apurada, deveria ter feito uma outra subsunção jurídica dos mesmos.

  4. Assim, impõe-se que este Venerando Tribunal proceda à reapreciação de todos os elementos de prova existentes nos autos mormente a prova testemunhal cujos depoimentos se mostram gravados, de forma a alterar a resposta formulada pelo Tribunal" a quo" àqueles quesitos da Base Instrutória, e bem assim, seja feita outra subsunção jurídica dos factos, adequando a realidade fáctica à realidade jurídica e legal.

  5. Ante a descrita factualidade, o Meritíssimo Juiz "a quo" e com especial interesse para o litigio, considerou que resultou provado que a parcela em causa, que era propriedade dos autores e que a mesma faz parte integrante do prédio descrito em a) dos factos assentes da B.1.

  6. Ora, os apelantes não aceitam esta decisão, porque a mesma contraria parte fundamental da matéria de facto dada como provada e atenta por essa via contra o direito aplicável à situação em concreto. Na verdade, o Tribunal" a quo" não avaliou correctamente a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento. Pois se atentarmos nas declarações quer da testemunha AC., gravadas no sistema digital áudio com o Código 2014310153259_100824_64359 em 10/03/2014- Duração 15:36, indicada pelos autores, facilmente se percebe que, ao invés daquilo que melhor resulta da sentença, os autores em momento algum adquiriram quer o prédio identificado sob a alínea a) dos factos assentes, quer qualquer parcela, designadamente aquela que está em causa nos presentes autos.

  7. Ora, resulta dos autos, concretamente do depoimento daquela testemunha, que foi ele quem fez o negócio para si, de aquisição dos prédios e que para fugir aos impostos a pagar ao Estado, fez a escritura em nome dos filhos aqui autores.

  8. Na verdade, o negócio melhor constante daquela escritura notarial é um negócio simulado. Ora, sendo simulado, como é, padece, de acordo com a lei, de vício sancionado com a nulidade. Nulidade esta que o Tribunal podia e devia conhecer, face à prova inequívoca ali produzida. Ao não actuar nesta conformidade, o Tribunal "a quo", desviou-se da situação legal e prejudicou os aqui recorrentes, tal nulidade do negócio acarreta consequências de validade, destruindo todos os efeitos da pretensa aquisição.

  9. Pelo que, ao não atender a tal simulação, como se impunha, resulta inequívoco que, não poderia o Tribunal" a quo" ter respondido da forma que respondeu aos quesitos e designadamente ter dado como provado a aquisição do prédio a favor dos autores, quer na forma derivada quer originária.

  10. A aquisição de forma derivada, por via do contrato de compra e venda, não era possível, face à simulação do negócio, amplamente comprovado pela declaração da testemunha, que adquiriu aqueles bens; e a aquisição originária por efeito da usucapião, também não era possível por falta de animus, elemento fundamental neste tipo de aquisição e ainda impossibilidade de se verificar a acessão de posse, entre os diversos possuidores e os autores não terem uma posse, ainda que precária, há mais de vinte anos.

  11. Além da simulação do negócio ali patente nas declarações de quem interveio directamente no mesmo, resulta outrossim que, os autores também não podiam ter adquirido, como não adquiriram, quer o prédio quer a parcela em causa nos autos, de forma originária ou por efeito da usucapião.

    I) Como resulta da lei, a aquisição originária por usucapião, implica a verificação de determinados requisitos, mormente de um corpus e de um animus. Enquanto o primeiro implica a prática de determinados actos materiais sobre o bem, o segundo implica a existência de uma intencionalidade de exercício daqueles actos com intuito apropriativo ou de que está convencido de que é dono ou proprietário.

  12. Considerando que o negócio foi simulado, ou seja, quem realmente comprou os prédios foi o pai dos autores, a testemunha AC., por via do negócio celebrado com a testemunha MC., os prédios seriam na verdade deste AC. e não dos autores seus filhos. Assim, sendo daquele e não destes, forçoso é de concluir que nunca e em momento algum os autores estiveram na posse dos prédios agindo na convicção de serem os seus donos e legítimos possuidores.

  13. Pelo que, sem prejuízo da falta de outros requisitos, para a aquisição originária, como o lapso de tempo necessário para o efeito, falta inequivocamente o preenchimento do chamado animus.

  14. Da prova carreada para os autos, não ficou de facto, ao contrário do entendimento acolhido na douta sentença sob recurso, demonstrado a verificação do pressuposto básico da aquisição originária. Como é sabido, entende-se que a noção de posse dada pelo artigo 1251° do Código Civil, e que constitui o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real, deve ser entendida segundo a concepção subjectivista, integrando no seu conceito jurídico quer o corpus quer o animus possiudendi.

  15. No caso sub judice, nada disto sucedeu, pois quem efectivamente comprou o prédio foi o pai dos autores e não estes, embora o seu nome figurasse na escritura e até no registo predial, é facto que, se alguma vez praticaram actos materiais de posse sobre a coisa, não o fizeram com toda a certeza em seu nome próprio, pois sempre souberam que a coisa era propriedade de outrem e em momento algum inverteram o título, ou seja, desde sempre lhes faltou o animus.

  16. Assim, é havido como mero detentor ou possuidor precário quem exerce a posse por mera condescendência do dono- artigo 1253° do C.C., já que não age com animus possidendi, mas apenas com corpus possessório (relação material) - artigo 1251° do Código Civil.

  17. Porém, como se explanou supra e melhor resulta da prova produzida que se pretende seja escrutinada, porque relevante para esta questão, ocorreu uma errada avaliação do Tribunal " a quo" sobre esta matéria, existindo um claro vício de raciocínio, mas que não se compadece com as normas aplicáveis. Pois quer o corpus quer o animus são condições e elementos essenciais e estruturantes da usucapião e, por isso, face à notória ausência de animus, constituem factos impeditivos do seu direito de propriedade. E neste contexto, nunca o Tribunal" a quo", podia reconhecer o direito de propriedade dos autores relativamente ao dito prédio e parcela em causa.

  18. Sem prejuízo do supra alegado, mais resulta dos autos que, a parcela de terreno em causa, foi adquirida, em 1990, por acordo verbal entre FC. e mulher e MC. e mulher MF.. Vide alínea p) dos factos...

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