Acórdão nº 136/12.5TABCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 30 de Junho de 2014

Magistrado ResponsávelANA TEIXEIRA E SILVA
Data da Resolução30 de Junho de 2014
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os juízes, em conferência, na Secção Criminal da Relação de Guimarães I – RELATÓRIO LUÍS C... veio interpor recurso da sentença que pela prática de um crime de difamação, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs 181º, nº1, 183º, nº2, do CP, 30º e 31º, nº1, da Lei 2/99, de 13.01, o condenou na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de €8,50, no total de €1.530,00, e no pagamento ao assistente-demandante José Augusto dos S... Pereira Alves da indemnização de €1.000,00, acrescida de juros.

O arguido expressa as seguintes conclusões: 1- Deve ser modificada a factualidade assente na fundamentação de facto, decidindo-se por não provados os factos constantes dos itens h), i) e l) modificando, assim, a decisão sobre a matéria de facto.

2- Isto é, em face da decisão de não provado, quanto a tais itens, devia a douta sentença recorrida ter sido no sentido de que os factos de que o arguido vinha acusado não integram o tipo legal de crime de difamação p. e p. pelo artigo 180º, n.º 1, 183º, nºs 1, al. a) e 2, ambos do CP e 30º e 31º, n.º1 da Lei de Imprensa, absolvendo-o da prática em autoria material, do crime e, ainda, absolvendo-o do pedido de indemnização cível formulado.

3- Tal modificação terá em conta as seguintes provas: a) depoimento do arguido, - depoimento do assistente, - depoimento das testemunhas Zita F..., Mário L... e João L... – quanto a estas constam dos autos os depoimentos registados nas gravações em suporte digital, devidamente assinalados no lugar próprio e os documentos juntos aos autos, a saber: b) texto da autoria do arguido, ora em apreço publicado no “Jornal de B...” e - doc.s n.ºs 1 a 15 juntos com a contestação do arguido á acusação particular.

4- Este conjunto de provas deve ser conjugado com a factualidade inserta nos itens m), e) e j) da factualidade assente constante da sentença recorrida.

5- O artigo publicado no “B... Popular” da autoria do assistente “Já chegamos á Madeira?” foi o facto provocador da reacção do arguido.

6- A reapreciação pelo Ex.mo Tribunal da Relação não pode cingir-se a um mero controle formal da motivação da decisão da 1ª instância, incumbindo-lhe também ponderar e valorar toda a prova produzida no processo em termos de formar a sua própria convicção.

7- Dispõe o artigo 180º, n.º1 do CP que incorre na prática do crime nele previsto, “quem, perante terceiros, imputar a outra pessoa, ainda que sob a forma de suspeita, um facto ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal afirmação ou juízo”.

8- “A honra é aquele mínimo de condições, especialmente de natureza moral, que são razoavelmente consideradas essenciais para que um indivíduo possa com legitimidade ter estima por si, pelo que é e vale. A consideração é aquele conjunto de requisitos que razoavelmente se deve julgar necessário a qualquer pessoa, de tal modo que a falta de algum desses requisitos possa expor essa pessoa à falta de consideração ou ao desprezo público” – Prof. Beleza S..., RLJ, n.º3152.

9- As expressões “do seu provincianismo mental, para não lhe chamar indigência”, “não é por se ter uma cabeça grande, que se tem uma grande cabeça”, “fanfarrãozeco ressabiado, prenhe de complexos e de frustrações”, “é a cretinice” e a “pobreza mental” não são aptas a produzir um efeito de ofensa na honra e consideração, pessoal e profissional do assistente.

10- Deve distinguir-se com precisão entre «factos» e «juízos de valor». Se a materialidade dos primeiros pode ser provada, os segundos não podem em nenhum caso prestar-se a uma demonstração da sua exactidão.

11- A exigência da prova da verdade das imputações, como causa da não punibilidade da conduta (cfr. art. 180 nº 2 al. b) do nosso Cod. Penal), conclui que “é evidente que para os juízos de valor esta exigência é irrealizável e, em consequência, atentatória da liberdade de expressão, elemento fundamental do direito garantido no artigo 10 da Convenção” 12- No caso ora em apreço, estamos perante juízos de valor indemonstráveis; 13- Tem sido dominante o entendimento da Jurisprudência de que “o direito não pode intervir sempre que a linguagem utilizada incomoda ou fere susceptibilidades do visado. Só o pode fazer quando é atingido o núcleo essencial de qualidades morais que devem existir para que a pessoa tenha apreço por si própria e não se sinta desprezada pelos outros”.

14- “A liberdade de expressão é aplicável «não só a “informações” ou “ideias” que são recebidas favoravelmente ou vistas como inofensivas ou como um assunto indiferente, mas também àquelas que ofendem, chocam ou perturbam” – Teixeira da Mota, O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e a Liberdade de Expressão – os casos portugueses, pags. 21 e ss.” 15- No confronto entre direitos constitucionalmente consagrados - o direito à liberdade de expressão e a defesa do bom nome - tem de definir-se em concreto, a medida do absoluto de cada um e a relativização necessária ao respeito pela dimensão essencial de todos.

16- O artigo 180º, n.º2 do CP enuncia causas de exclusão da punibilidade, que surgem como autênticas causas de justificação especial.

17- Uma dessas situações é sem dúvida a liberdade de expressão e de informação, que tem a sua consagração no artigo 37.º da Constituição.

18- E complementando esse direito constitucional surge o artigo 38.º da Constituição, que estabelece a liberdade de imprensa.

19- “Tais ingerências na liberdade de expressão devem ser “proporcionais aos fins legítimos perseguidos”, havendo até uma maior margem de crítica quando se tratam de figuras públicas.

20-Actualmente, “figura pública”, “personalidade pública” é todo aquele que de alguma forma tem visibilidade pública e é conhecido da generalidade de uma população, seja ela de dimensão local, regional ou nacional 21- O Assistente, conforme factualidade assente no item e) é pessoa conhecida na cidade de B..., por ser director do jornal “B... Popular”, periódico de maior tiragem no concelho e tem divulgação, pelo menos, regional e é exibido á venda em várias bancas e locais (item j).

22- Pelo que, sendo personalidade pública – pessoa conhecida do público – tem sobre si uma maior carga de crítica, estando mais exposto á mesma e a uma maior contundência e agressividade quando lhe é dirigida, 23- Há, no caso concreto, um confronto de interesses entre a liberdade de expressão e o direito á honra e consideração.

24- A crónica do arguido é toda ela direccionada para o texto escrito na semana anterior pelo Assistente.

25- O arguido não visou e não quis atingir o assistente, na sua honra e consideração e não o fez 26 – A conduta do arguido não é apta a atingir a honra, que essencialmente são os valores morais – o núcleo duro da honra, 27- E não causou alarido em terceiros e, por isso, não atingiu a consideração do assistente (n.º 3 da factualidade não demonstrada).

28- O conceito de ofensa não pode ser um conceito puramente subjectivo, isto é, não basta que alguém se considere difamado ou injuriado para que a ofensa exista.

29- Determinar se uma expressão é ou não injuriosa é uma questão que tem que ser aferida em função do contexto em que foi proferida bem como do meio social a que pertencem ofendido e arguido, a relação existente entre estes, os valores do meio social em que ambos se inserem, entre outros.

30- No caso concreto, o texto do Assistente faz uma conotação directa entre o Jornal da M..., integralmente subsidiado pelo poder regional e o “Jornal de B...”, o que magoou e ofendeu o arguido.

31- Há uma relação de conflitualidade e animosidade entre assistente e arguido há cerca de 12 anos; 32- Entre ambos estabeleceu-se durante cerca de 20 anos uma relação de amizade, tendo ambos colaborado com texto jornalísticos ou com crónicas no jornal “B... Popular”, onde se praticava um jornalismo livre; 32- O arguido saiu do “B... Popular” em conflito com o Assistente; 34- O arguido escreve semanalmente no “Jornal de B...”, sendo Presidente do Conselho de Administração da sociedade detentora do mesmo.

35- Há vários anos que arguido e assistente trocam referências mútuas nos respectivos jornais onde escrevem.

36- É conhecido o estilo de escrita do arguido, de que o texto em causa é exemplo.

37- São ambos conhecidos na cidade de B..., onde vivem e fazem a sua vida quotidiana.

38- Confrontado com o texto do arguido, no geral do mesmo e das expressões nele utilizadas, o assistente deixa claro que não considera – na sua maioria – as mesmas ofensivas, atentas as respostas dadas ás perguntas formuladas pelo Tribunal “a quo”.

39- Para o caso de assim não ser entendido e vir a considerar-se preenchido o tipo legal de crime de difamação, entende o arguido ser de lhe aplicar o preceituado no n.º2 do artigo 186º do CP; 40- E, assim, o Tribunal decidir dispensar de pena o agente, dada a ofensa ter sido provocada por uma conduta ilícita ou repreensível do assistente, 41- Tal normativo é aplicável quer á situação de imputação de factos, quer á de formulação de juízos.

42- A indemnização deve, em qualquer das decisões possíveis, ser reduzida ao montante de €500,00.

43- Foi violado o disposto nos artigos 180º, n.ºs, 183º, n,ºs1, al a) e 2 e 186º, n.º2, todos do Código Penal, 30º e 31º, n.º1 da Lei de Imprensa, 483º do CC e artigos 37º e 38º da Constituição da República Portuguesa.

O Ministério Público respondeu, defendendo que a sentença deve ser mantida.

Nesta instância, o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da declaração de nulidade da sentença, por “insuficiente fundamentação” no que tange a “um pertinente e completo exame crítico das provas produzidas em audiência”.

II - FUNDAMENTOS 1. O OBJECTO DO RECURSO.

As razões da discordância alvitrada reconduzem-se a: 1ª) impugnação da matéria de facto; 2ª) refutação do enquadramento jurídico; 3ª) aplicação do disposto no artº 186º, nº2, do CP; 4ª) pedido de indemnização civil.

  1. A SENTENÇA RECORRIDA.

    Encontra-se provada a seguinte factualidade: a) Na edição de 3 de Agosto de 2011, nº 31 – Ano LXI. III...

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