Acórdão nº 7617/11.6TBBRG-C.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 12 de Junho de 2014

Magistrado ResponsávelMANUELA FIALHO
Data da Resolução12 de Junho de 2014
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães: M.., LDA, Credor Reclamante, não se conformando com a sentença proferida e com a lista de créditos reconhecidos, vem interpor recurso.

Pede que se altere a decisão para a seguinte: - Julgar procedente, por provada, a reclamação de créditos apresentada pela Recorrente e, consequentemente, julgando verificado a seu favor, um crédito no valor de 205.738,47€, acrescido de juros moratórios, a qualificar como CRÉDITO GARANTIDO; E, consequentemente, o pagamento dos créditos verificados, através do produto da venda do bem imóvel - VERBA N.º 3 – da massa insolvente [Prédio urbano constituído por parcela de terreno destinado a construção de habitação (Lote n.º 4), sito no Lugar de Forte do Cão, freguesia de Âncora, descrito na Conservatória do Registo Predial de Caminha sob o n.º 1672/20070516-Âncora e inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo 1018.º - Âncora], tem de ser efetuado do seguinte modo: 1.º As dívidas da massa insolvente saem precípuas, na devida proporção, do produto da venda dos bens; 2.º Do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito da AUTORIDADE TRIBUTÁRIA pelo não pagamento de IMI, exclusivamente na parte que se reportar a esta verba.

  1. Do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito garantido por direito de retenção, no valor de € 205.738,47€, reclamado pela Recorrente 4.º Do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito hipotecário detido pelo BANCO.., SA; 5.º Do remanescente, dar-se-á pagamento aos restantes créditos reclamados que se assumam como comuns, em paridade e sujeitos a rateio, na proporção devida, caso não seja possível a plena satisfação dos mesmos.

  2. Finalmente, dar-se-á pagamento aos créditos subordinados.

    Funda-se nas seguintes conclusões: I. O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Mmo. Juiz do 3.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Braga, em 20/01/2014, na parte em que o Mmo. Juiz do Tribunal a quo determinou que uma segunda parcela do crédito da ora Recorrente, no valor de 190.000,00€, relativa ao crédito (sinal em dobro e cláusula penal) pelo incumprimento do contrato-promessa, nos termos do art. 442º, nº 2 e 4, do Código Civil, não se acha garantido pelo direito de retenção previsto no art. 755º, nº 1, al. f) do Código Civil, na medida em que este preceito apenas se aplica a consumidores.

    1. Entende o Mmo. Juiz do Tribunal a quo, erroneamente, que sendo o promitente-comprador – ora Recorrente - uma sociedade comercial por quotas, não é consumidora, tal como este conceito vem definido no art. 2º, n.º 1, da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, uma vez que a opção legislativa foi a de conferir, primazia à tutela dos interesses dos consumidores na proteção da confiança na consolidação de negócios jurídicos, no confronto com os direitos das instituições de crédito e inerente confiança do registo predial.

    2. Face a errada interpretação da lei e da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, na decisão recorrida a totalidade do crédito da ora Recorrente, no valor de 205.738,47€, não foi qualificado como crédito garantido por direito de retenção, e consequentemente na parte respeitante ao pagamento do crédito da Recorrente através do produto do bem imóvel verba nº 3 da massa insolvente, todo o valor reclamada teria que ser graduada à frente do credor hipotecário.

    3. No que respeita à matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, entende a Recorrente que a mesma deve ser reapreciada, na medida em que deveria ter sido dado como provado o destino que a Recorrente pretendia dar ao imóvel prometido comprar à Recorrente, por esta ter sido relatada de forma detalhada, com rigor e isenção, pelas testemunhas F.. (referência constante da gravação áudio: 20131017100936-384472-64214) e J.., (referência constante da gravação áudio: 20131017111456-384472-64214), em sede de audiência de discussão e julgamento (sessão do dia 17/10/2013), pelo que não se concebe que não esteja elencada nos factos provados.

    4. Pelo depoimento destas testemunhas impunha-se que na sentença recorrida constasse na matéria de facto dada como provada o seguinte ponto: “92. O imóvel prometido comprar pela M.., Lda. à Insolvente destinava-se à habitação das sócias gerentes da empresa e na fase de construção como casa modelo/ “showroom” da empresa.”, devendo a sentença recorrida ser alterada nesse sentido.

    5. No que respeita à matéria de direito, a sentença recorrida faz uma errada interpretação do artigo 755º n.º 1 alínea f) do Código Civil, desconsiderando a sua ratio, e do conceito de “consumidor”.

    6. Esta alínea f) do nº 1 do artigo 755º do Código Civil não existia no texto primitivo deste diploma legal, tendo sido introduzida pelo Decreto- Lei 236/80, de 18 de Julho, e no seu preâmbulo consta que esta alteração teve o objetivo de reforçar a posição jurídica do promitente-comprador, especificamente quando há tradição da coisa, na medida em que a constituição de sinal e a traditio terem “subjacente uma forte confiança na firmeza ou concretização do negócio”, não sendo feita qualquer distinção entre promitentes – compradores consumidores e não consumidores.

    7. A ratio desta alteração legislativa teve um carácter exclusivamente social de proteger o promitente cumpridor de riscos concretos e reais, devendo ser feita uma análise ao caso sub judice para atender da aplicabilidade do reconhecimento do direito de retenção ao promitente-comprador, em prejuízo do credor hipotecário, através da avaliação se efetivamente se trata de uma parte débil do contrato, quer estejam em causa um promitente-comprador – pessoa singular – ou um promitente-comprador – pessoa singular.

    8. A ora Recorrente é uma pessoa coletiva que não se dedica à compra e venda de imóveis, mas à climatização, ventilação e desenfumagem, energias renováveis (solar, fotovoltaica, geotérmica e microgeração), e o objetivo primordial da celebração do contrato de compra e venda foi a de adquirir uma habitação para as sócias da empresa, por se tratar de uma sociedade com cariz familiar e, como segundo objetivo, potenciar a casa como casa modelo / “showroom” da empresa (cfr. o alegado quanto à reapreciação da matéria dada como provada), o que faz de si a parte mais débil/fraca do contrato-promessa de compra e venda, por a compra e venda de imóveis não pertencer à sua área de atividade.

    9. Por ter ficado demonstrado que os pressupostos da aplicabilidade do artigo 755º n.º 1 alínea f) do Código Civil, estavam preenchidos (sinal e traditio do bem) não se antevê a razão factual e/ou jurídica da sentença recorrida não ter qualificado todo o valor do crédito da ora Recorrente, como garantido por direito de retenção, por não ser consumidor.

    10. Sem prescindir, - e por mera cautela de patrocínio - caso se entenda, como na sentença recorrida, que o art. 755º, nº, 1, alínea f) do Código Civil se aplica apenas a consumidores, o que não concebe, e que “sendo o promitente-comprador, uma sociedade comercial por quotas, naturalmente, que a mesma não é consumidora, tal como este conceito vem definido no artº 2º, nº 1, da Lei nº 24/96, de 31 de Julho, uma vez que a opção legislativa foi a de conferir, como já referido, primazia à tutela dos interesses dos consumidores na protecção da confiança na consolidação de negócios jurídicos, no confronto com os direitos das instituições de crédito e inerente confiança do registo predial “, não se poderá excluir a ora Recorrente do âmbito de aplicação desta norma, apenas e só por a mesma ser uma pessoa coletiva (uma sociedade comercial por quotas).

    11. É verdade que não existe um conceito único de consumidor, e por não haver uma referência expressa nem implícita deste conceito no art. 755º, nº, 1, alínea f) do Código Civil, temos de nos socorrer da Lei da Defesa do Consumidor, por tal diploma incorporar os princípios gerais do direito do consumo, para determinar se ora Recorrente poderá ser qualificada como consumidora, no âmbito do contrato promessa de compra e venda celebrado com a Insolvente, em discussão nos presentes autos.

    12. A Lei n.º 24/96 de 31 de Julho (Lei actual da Defesa do Consumidor) preceitua o seu n.º 1 do artigo 2º que consumidor é «todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com caráter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios» (sublinhado nosso).

    13. A anterior Lei da Defesa do Consumidor (de 1986) – em detrimento desta – clarificava consumidor como «todo aquele a quem sejam fornecidos bens ou serviços destinados ao seu uso privado por pessoa singular ou coletiva que exerça, com caráter profissional, uma atividade económica» (sublinhado nosso).

    14. Esta alteração legislativa tornou o conceito de consumidor impreciso, mas a omissão na atual definição de consumidor os vocábulos “pessoa singular” e “pessoa coletiva”, não determina que só as pessoas singulares sejam consumidores, até pela manutenção da expressão “todo aquele”. Cfr, Almeida, Carlos Ferreira de, “Direito do Consumo”, 2005, p. 31.

    15. A possibilidade de uma pessoa coletiva poder ser considerada consumidora encontra-se plasmada na Carta dos Direitos do Consumidor, aprovada pelo Conselho da Europa em 1973 onde, o consumidor é definido como “a pessoa física ou coletiva, a quem são fornecidos bens e prestados serviços para uso privado” e no artigo 2º do CPDC brasileiro.” - Cfr. Leitão, Luís Manuel Teles de Menezes, “O Direito do Consumo: Autonomização e Configuração Dogmática”, EIDC – Estudos do Instituto de Direito do Consumo, Pág. 22, nota de rodapé 42, Vol. I, Almedina, 2002.

    16. Qualquer conceito de consumidor pode, em princípio, ser analisado com referência a quatro elementos, todos presentes no artigo 2º n.º 1 da Lei n.º 24/96 de 31 de Julho: elemento subjetivo, elemento objetivo e um elemento teleológico.

    17. O elemento subjetivo (“todo aquele”) é bastante amplo, abrangendo, numa primeira abordagem, todas as pessoas, físicas ou...

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