Acórdão nº 187/08.4TBPTL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 06 de Fevereiro de 2014
Magistrado Responsável | MANUEL BARGADO |
Data da Resolução | 06 de Fevereiro de 2014 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam nesta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I - RELATÓRIO R… e marido, A…, instauraram a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra M… e mulher, M…, pedindo que estes sejam condenados a proceder à desocupação e entrega do imóvel identificado no art. 1º da p.i., livre de pessoas e bens e no pagamento aos autores da quantia de € 500,00 por cada mês que mediar entre a citação e a data da entrega efectiva do imóvel.
Para o efeito e em síntese, alegaram ter corrido termos no 2º Juízo do Tribunal de Ponte de Lima uma acção em que foram partes os aqui autores e réus, na qual foi proferida sentença que declarou os autores como donos e legítimos possuidores do prédio identificado no art. 1º da p.i. e que o prédio identificado no art. 21º daquela peça processual corresponde à parcela de terreno e construção que os autores pretendiam doar ao réu e faz parte integrante do aludido prédio identificado no art. 1º da p.i.; nessa mesma sentença foram os réus condenados a reconhecerem o direito de propriedade dos autores sobre aquele prédio, nele se incluindo aquela parcela de terreno e construção identificada no art. 21º e foi ainda declarada a nulidade da escritura de justificação realizada no dia 30.11.1998 e ordenada a eliminação da descrição na CRP.
Tendo tal sentença transitado em julgado, os réus recusam-se a desocupar e a entregar aos autores, livre de pessoas e bens, o referido imóvel, alegando ter direito a uma indemnização pelas benfeitorias realizadas.
Essa recusa dos réus impede os autores de colocar o imóvel no mercado de arrendamento, o que lhes proporcionaria um rendimento de € 500,00 por mês.
Os réus contestaram, afirmando que a mencionada acção foi intentada com o objectivo de que a ré não pudesse ter direito ao prédio descrito na aliena t) do art. 1º da p.i., tendo sido combinado com o réu marido que o mesmo não contestaria a acção e que após o decretamento do divórcio entre os réus os autores outorgariam uma escritura de doação a favor do réu. Sucede, porém, que os réus acabaram por se reconciliar, o que não é do agrado dos autores, mas estes nunca pediram aos réus que abandonassem a casa.
Em reconvenção, alegando a respectiva aquisição por usucapião, pedem os réus que seja declarada a propriedade plena dos mesmos sobre a parcela de terreno e habitação descrita no art. 97º da contestação.
Para o caso de assim não se entender, pedem seja reconhecido o seu direito de propriedade por o terem adquirido por acessão industrial imobiliária, pagando aos autores a quantia de € 3.500,00.
Ainda para o caso de assim não se entender, pedem uma indemnização pelas benfeitorias necessárias e úteis realizadas no prédio no valor de € 103.740,00.
Na réplica vieram os autores invocar a excepção do caso julgado quanto ao pedido (principal) reconvencional.
Gorada uma tentativa de conciliação entre as partes, foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a excepção do caso julgado e procedeu-se à selecção da matéria de facto assente e à organização da base instrutória.
Instruído o processo, seguiram os autos para julgamento, sendo a matéria de facto decidida nos termos do despacho de fls. 443 a 450, sem reclamações.
Autores e réus apresentaram alegações sobre o aspecto jurídico da causa, concluindo os primeiros como na petição inicial e na réplica, e os segundos como na contestação /reconvenção.
De seguida foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, decide-se: 1. Julgar a acção improcedente e em consequência absolver os RR. dos pedidos formulados.
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Julgar a reconvenção, no que respeita ao primeiro pedido subsidiário, procedente e em consequência, condenam-se os RR. /reconvintes a entregarem aos AA/reconvindos a quantia de €23.660,00, quantia essa correspondente ao valor da parcela de terreno em causa antes da incorporação, já acrescida da respectiva actualização de acordo com os índices de preço no consumidor.
b-) A aquisição da propriedade plena e exclusiva do prédio identificado no ponto T da al. A dos Factos Assentes a favor dos RR. dar-se-á aquando da entrega aos AA. da quantia mencionada na alínea anterior, fixando-se desde já efeitos retroactivos desde 1991; c-) Fixo em 60 dias o prazo concedido aos RR. para entregarem a quantia aludida na alínea b) aos AA., ficando a transmissão da propriedade desse terreno dependente desse pagamento.
Custas da acção e reconvenção pelos AA.
».
Inconformados, os réus apelaram do assim decidido, rematando as sua alegações com as seguintes conclusões (transcrição): «1. O tribunal a quo entende, na douta sentença proferida, que estão preenchidos os demais requisitos necessários à aquisição da propriedade, por usucapião, pelos RR./reconvintes, com excepção do requisito do decurso do prazo necessário.
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De facto, o tribunal a quo diz na douta sentença que “podemos concluir que os RR. têm actos de posse relativamente ao prédio em questão”.
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Que “Por outro lado, actuaram aqueles na convicção de que eram titulares do direito de propriedade sobre o prédio indicado em t) – cfr. resposta ao quesito 35 – pelo que sem mais, daqui se retira o “animus””.
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Que a posse dos RR., sendo de boa fé, necessitaria do decurso do prazo de 15 anos para adquirir a propriedade por usucapião.
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Conclui o tribunal a quo que os RR. não têm a posse do prédio por 15 anos face ao que está escrito nos pontos r) e p) da alínea A) dos Factos Assentes.
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Ora, a matéria do decurso do prazo necessário à peticionada usucapião foi alegada pelos RR. nos seus articulados mas não incluída na base instrutória.
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O tribunal a quo não atendeu à reclamação dos RR. quanto reclamaram sobre a não inclusão do decurso do prazo e da boa fé na base instrutória; 8. Ora, sem prejuízo da violação do disposto no indicado artigo 511.º n.ºs 1 e 2 do CPC, a não inclusão do decurso de tempo entre a selecção da matéria de facto controvertida acabou também por influenciar a prova produzida pelos RR. quanto a esta matéria, que se viram limitados na produção de prova ao longo das várias sessões de julgamento e quanto às perguntas a fazer às testemunhas arroladas.
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Nessa medida, os RR. impugnam os despachos proferidos quanto à reclamação apresentada e também a multa a que os RR. foram condenados, ao abrigo do disposto no artigo 511.º n.º 3 do CPC, por violação do disposto no mesmo artigo 511º n.º 1 e 2 do CPC, que obrigava a seleccionar a matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, sendo que uma das questões plausíveis do direito controvertidas nestes autos é precisamente a usucapião, com inclusão na matéria de facto seleccionada, do decurso do tempo.
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Nessa medida, deverá ser atendido o pedido dos RR. e o tribunal ad quem, incluir na base instrutória a matéria alegada pelos RR. do decurso do prazo e da boa fé, por ter sido violado o disposto no artigo 511.º n.ºs 1 e 2 do CPC.
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Houve igualmente violação, por parte do tribunal a quo, do princípio do dispositivo, previsto nos artigos 264.º n.º 3 e 650.º n.º 2 al. f) do CPC, ao não ampliar a base instrutória de forma a incluir os factos aludidos pelas testemunhas M…, E…, J… e M…, quanto à questão do decurso do prazo da posse dos RR., ou seja, que a sua posse remonta pelo menos ao ano de 1990.
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De facto, a prova produzida nas sessões de julgamento quanto à matéria do decurso do prazo para efeitos de usucapião vai no sentido de que a posse dos RR. remota pelo menos ao ano de 1990.
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Pelo que o tribunal a quo deveria ter incluído esta matéria na base instrutória e ser a mesma dada por provada.
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E nessa medida deveria ter havido decisão diversa no que respeita a estes pontos concretos da matéria de facto.
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Entendem os RR., ora Recorrentes, que face a todos estes elementos, o lapso de tempo alegado pelos RR. no seu articulado (15 anos), a sua não inclusão na base instrutória apesar da reclamação dos RR., o que resultou da instrução da causa, que o tribunal a quo o deveria, ao abrigo dos preceitos acima citados, trazê-lo para os autos, ampliando a base instrutória da causa, aditando um novo quesito através do qual se perguntaria: Se a posse dos RR. remonta pelo menos ao ano de 1990.
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E, consequentemente dar tal facto por provado, face à prova produzida, e considerar que os RR. adquiriram o imóvel por usucapião.
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Não o tendo feito e sendo este facto essencial, tendo em conta a verdade material que o nosso ordenamento visa, o Recorrente solicita ao Tribunal ad quem que, ao abrigo dos poderes que lhe são atribuídos, nomeadamente pelo artigo 712º CPC, reaprecie a prova gravada e amplie a matéria de facto, tendo em conta aquele novo facto, e o considere provado.
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E, desta feita, também por este novo facto trazido ao processo, declarar que os RR. adquiriram o prédio identificado no ponto t) da al. A) dos Factos Assentes por usucapião.» Os autores apresentaram contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido, levantando como questões prévias a intempestividade do recurso e o não conhecimento da impugnação das decisões interlocutórias.
Recorreram ainda subordinadamente os autores do despacho saneador na parte em que julgou improcedente a excepção do caso julgado, tendo concluído as alegações da seguinte forma: «1. Na acção sumária n.º 624/06.2TBPTL, que correu termos no 2.º Juízo do Tribunal da Comarca de Ponte de Lima, os aqui e lá Autores, invocaram, entre o mais, como causa de pedir, a usucapião como forma de aquisição originária do direito de propriedade sobre o prédio identificado nos autos.
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Ao contrário do que se sustenta no despacho recorrido, não é de todo correcto afirmar (antes pelo contrário…) que, “na acção nº 624/06.2TBPTL, a causa de pedir assentava na nulidade de uma escritura pública de justificação em que tinham sido outorgantes os RR e no âmbito da qual tinham sido proferidas falsas declarações”.
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A causa de pedir era complexa e compreendia também a aquisição do direito de propriedade do referido prédio, por usucapião – nomeadamente, nos...
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