Acórdão nº 862/11.6TBFLG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 24 de Abril de 2012
Magistrado Responsável | MARIA DA PURIFICA |
Data da Resolução | 24 de Abril de 2012 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam nesta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I- RELATÓRIO J.., intentou a presente acção declarativa com processo sumário contra H.. e M...
Alegou em resumo: O A. e a R. são irmãos e que os seus pais faleceram, tendo deixado bens imóveis para partilhar, sendo que, por contrato-promessa de compra e venda efectuado em 10/11/1999, os RR. prometeram vender ao A., e este prometeu comprar-lhes, o direito e acção à herança aberta por óbito dos pais do A. e da R., pelo valor global de € 11.222,95, que os RR. receberam e utilizaram, tendo dado ao A. a respectiva quitação. Em cumprimento do contratado, o A. remeteu aos RR. carta registada, em 04/04/2011, a informar da outorga da escritura no dia 15/04/2011 e respectivo local, cartas essas recepcionadas pelos RR. em 04/04/2011, sendo que os RR. não compareceram para outorga da escritura.
Peticionou em consequência: que seja proferida sentença que substitua a declaração negocial em falta dos RR., declarando-se celebrado entre A. e RR., pelo preço de € 11.222,95, o contrato de compra e venda relativo à cedência dos quinhões hereditários nas heranças ilíquidas e indivisas abertas por óbito de E.. e marido J...
Contestaram os RR., invocando a nulidade do contrato em causa alegando que se trata de um verdadeiro contrato sobre coisa alheia e futura, pelo que padece de nulidade; que não houve culpa dos RR. no não cumprimento do contrato, na medida em que à data da comunicação da outorga de escritura pública, os direitos prometidos ainda não pertenciam aos RR., pois as heranças dos pais do A. e da R. encontram-se abertas, ilíquidas e indivisas. Alega ainda que o contrato é um verdadeiro contrato de compra e venda, nulo por vício de forma.
Em sede de reconvenção, requerem a declaração de nulidade do negócio celebrado entre A. e RR.
O Autor veio apresentar resposta à Contestação, na qual, em síntese, mantém o alegado na petição inicial.
Designado dia para audiência preliminar face à necessidade de actuar o principio do contraditório … resultante da necessidade de permitir às partes pronunciarem-se sobre o alegado nos respectivos articulados e possibilidade de prolação de despacho saneador-sentença , tal diligencia realizou-se nos termos que constam da acta de fls 75 e 76 da qual consta que os Srs. Mandatários declararam concordar com a prolação de despacho saneador.
De seguida foi proferido saneador sentença com o seguinte teor Pelo exposto, julga-se a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência:
-
O Tribunal, suprindo a falta de declaração negocial de venda dos RR. H.. e M.., declara celebrado o contrato de compra e venda do direito e acção que os RR. têm sobre as heranças abertas por óbito de E.. e J.., sendo o A. o comprador e os RR. os vendedores; b) Julga improcedente o pedido reconvencional deduzido pelos RR..
Custas a cargo dos RR. (cfr. artigo 446º nºs. 1 e 2 do CPC).
Inconformados com o assim decidido, recorreram os réus para esta Relação, encerrando o recurso de apelação interposto com as seguintes conclusões (transcrição): 1. O presente recurso abarca a decisão do Tribunal que supriu a falta de declaração negocial de venda dos Réus, declarou celebrado o contrato de compra e venda do direito e acção que os Réus têm sobre as heranças abertas por óbito de E.. e J.., sendo o Autor o comprador e os Réus os vendedores, e julgou improcedente o pedido reconvencional deduzido pelos Réus.
-
O Tribunal a quo nos termos do disposto na alínea b) do artigo 510º do C.P.C aplicável ex vi do artigo 787º nº 1 do citado diploma legal, e ao abrigo do nº 2 do artigo 659º do mesmo diploma, pese embora a complexidade da demanda em consideração, sem necessidade de mais provas procedeu à apreciação de mérito, JULGANDO PRECOCEMENTE.
-
Desde logo, quanto à fundamentação de facto, mal andou o Tribunal a quo ao dar por assente a matéria das alíneas F e G, pois os Réus impugnaram no artigo 82º da Contestação a matéria alegada no artigo 9º da Petição Inicial.
-
Os Réus, aceitam a existência do escrito, e que receberam do Autor o cheque do BES, emitido a favor da aqui apelante mulher, no valor de 2.250.000$00, mas tal não significa a conclusão a que o Tribunal a quo chegou, de que tivessem movimentado tal cheque em seu proveito como quiseram e entenderam.
-
Esta é matéria controvertida; para ser dado como provado que o cheque foi utilizado em proveito dos Réus como quiseram e entenderam, pelo menos, teria o Autor de juntar aos autos documento comprovativo de que tal quantia saíra da sua conta e foi depositada na conta dos Réus, ou que foram os Réus que levantaram tal montante e sequencialmente que dele retiraram o proveito que entenderam.
-
Tal prova não foi lograda alcançar, pelo que o Tribunal a quo foi para além do que lhe era permitido quanto a este concreto ponto da matéria de facto que deu por assente; tendo ocorrido incorrecta decisão.
-
O Tribunal a quo apenas podia ter fixado, e em sede de despacho saneador e nunca saneador sentença, apenas o que efectivamente resultava dos autos: que no dia 9 de Novembro de 1999 o Autor emitiu a favor da Ré mulher o cheque nº 8362607162, sacado sobre o BES, no valor de 2.250.000$00, correspondente à totalidade do valor do preço acordado no documento assinado em 10 de Novembro do ano de 1999.
-
Devendo os autos prosseguir os seus termos, com vista à fixação de tal factualidade controvertida e relevante para o desfecho do mérito da acção.
-
De qualquer modo, o estado dos autos não permitia que o Exmº Sr. Juiz do Tribunal a quo conhecesse do mérito da causa, pelo menos no sentido de procedência da acção, pois o Autor peticionou, que os Réus fossem condenados a reconhecer-lhe o direito à execução específica do contrato promessa, mas a inviabilidade da pretensão do Autor era evidente.
-
A conhecer no saneador do mérito da causa sempre a decisão devia ter sido no sentido de improcedência do pedido, pois a pretensão de tutela jurisdicional formulada pelo Autor nos moldes em que se encontra ofere demasiadas dúvidas quanto à sua possibilidade de triunfar .
-
Considerando a alegação do Autor, o documento dos autos é um contrato promessa, e considerando o teor desse documento retira-se apenas que: “A escritura será outorgada quando o promitente comprador o desejar devendo para tanto avisar os promitentes vendedores do dia e cartório onde se realiza com a antecedência mínima de cinco dias” 12.Sem necessidade de outros considerandos, de tal documento não consta um prazo para a celebração do contrato definitivo; pelo que o Autor devia e podia ter fixado aos Réus um prazo razoável para a celebração do contrato definitivo, o que não sucedeu.
-
Estamos perante uma obrigação sem prazo e não tendo sido estipulado qualquer prazo para a celebração do contrato definitivo competia ao Autor interpelar os Réus para o cumprimento nos termos do disposto no artigo 808º nº 1 do C.C.
-
O envio das missivas remetidas aos Réus não valem como uma interpelação do tipo admonitório, pois não foram uma intimação clara para cumprir, não fixaram um prazo peremptório razoável, e não informaram inequivocamente que o não cumprimento dentro do prazo teria como consequência ter-se por não cumprida definitivamente a prestação (cfr. neste sentido o Ac. Do STJ de 28.06.2011), logo os Réus não se constituiram em mora.
-
Os factos alegados pelo Autor não são susceptíveis de mesmo a provarem-se demonstrarem que os Réus estão numa situação de incumprimento definitivo da obrigação.
-
Mais, atendendo ao pedido formulado pelo Autor – execução específica do contrato (a propósito do funcionamento de tal regime, veja-se o Ac. STJ de 2/11/2006 in CJSTJ Ano XIV tomo III pag. 101; Ac. do STJ de 14/04/2011 acessível em www.dgsi.pt/stj “cfr. Galvão Teles in Direito das Obrigações 7ª ed. Revista e actualizada pag. 129 Galvão da Silva in “Sinal e Contrato Promessa 11ª ed. Pag. 118 e Antunes Varela in RLJ ano 119 216 citados in AC. do STJ de 15.05.2008 acessivel em www.dgsi.pt), Ac STJ de 28.06.20011 acessível in www.dgsi.pt/stj; Batoista Machado, RLJ 118º pag. 55 e Almeida Costa RLJ 124 pag. 95 e Antunes Varela in RLJ 128º, 136 – porque no caso em consideração não se verifica uma situação de incumprimento definitivo nem de mora por parte dos Réus, tal impede o desencadeamento da execução específica nos termos do artigo 830 nº 1 do C.C.
-
Portanto, no despacho saneador conhecendo de mérito ao Exmº Senhor Juiz do Tribunal a quo, outra decisão se impunha: a improcedência da acção; porque assim não foi concebido, e porque não foi tida em consideração tal matéria controvertida e quando se mostra efectivamente controvertida a natureza do contrato celebrado entre as partes, qualificando-o o Autor como contrato promessa de compra e venda, ao que os Réus contrapõem a natureza de simples contrato d e compra e venda, 18.É essencial, indagar e fixar a correspondente factualidade, com recurso ao pertinentemente alegado pelas partes, em conjugação com o preceituado nos artigos 236º a 238º do C.C., uma vez que as invocadas questões se projectam sobre os possíveis desfechos do mérito da causa.
-
Primeiro, indagar se estamos perante um contrato promessa de compra e venda ou um contrato de compra e venda e, no caso de ser uma promessa, sempre com recurso à factualidade alegada pelo Autor, averiguar se os Réus incorreram em incumprimento definitivo ou em mora – o que não se verifica.
-
Mal andou o Tribunal a quo, uma vez que os autos deviam prosseguir os seus termos, com vista à fixação de tal factualidade controvertida e de extrema relevância para o desfecho do mérito da acção.
-
Impondo-se, deste modo, a revogação da decisão aqui apelada, em ordem ao apuramento de tal factualidade controvertida e respectiva e subsequente subsunção jurídica.
-
DEVENDO A PRESENTE APELAÇÃO SER JULGADA PROCEDENTE REVOGANDO-SE A DECISÃO RECORRIDA A FIM DE QUE OS AUTOS PROSSIGAM SEUS ULTERIORES E NORMAIS TERMOS, COM ELABORAÇÃO DA PERTINENTE BASE INSTRUTÓRIA E SUBSEQUENTE RITOLOGIA...
-
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO