Acórdão nº 3185/10.4TBVCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 20 de Novembro de 2012

Magistrado ResponsávelFILIPE CARO
Data da Resolução20 de Novembro de 2012
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I.

BANCO..,S.A., propôs acção declarativa de condenação com processo comum ordinário, contra J.., casado, reformado, nascido a.., residente no Lugar.., Ponte da Barca, alegando, aqui em síntese, que, tendo sido o R. seu funcionário, no exercício das funções, abusivamente, serviu-se dessa sua posição para se apropriar, ao longo de anos, de várias quantias de dinheiro através de diversos movimentos bancários associados a contas existentes em nome de A.. e mulher, R.., clientes do Banco, assim se apoderando de um montante total de € 324.765,65, que fez seu e que a A. pagou totalmente ao referido casal lesado a título de indemnização pelo prejuízo patrimonial que lhes foi causado pelo R., devendo este reparar o prejuízo assim sofrido pela demandante, pelo que pede a sua condenação no pagamento “do montante de 324.765,65, acrescido do valor referente a juros de mora vincendos, contados desde o momento da citação até efectivo e integral pagamento”.

Citado, o R. contestou a ação, sobretudo por via de exceção, invocando a caducidade do direito da A., a incompetência do tribunal em razão da matéria --- considerando que é atribuída por lei ao Tribunal do Trabalho ---, assim como a prescrição daquele direito e o abuso de direito no exercício através da ação, para concluir no sentido da sua absolvição do pedido.

A A. replicou, opondo-se às exceções invocadas, reafirmando o pedido de condenação do R.

Dispensada a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador que julgou improcedentes as exceções da incompetência e da caducidade, relegando para final o conhecimento da exceção da prescrição.

Foram elaborados factos assentes e base instrutória, de que não houve reclamação.

Instruídos os autos com vários documentos, teve lugar a audiência de discussão e julgamento, que culminou com respostas fundamentadas à base instrutória, de que também não houve reclamação.

Foi depois proferida sentença que culminou com o seguinte segmento decisório: «Face ao exposto, julga-se a presente acção totalmente procedente e em consequência condena-se o R. a pagar ao A. a quantia de € 324.765,65 e juros desde a citação até integral pagamento, à taxa de 4% - Portaria 291/2003 de 08.04.» (sic) Da sentença recorreu o R. de apelação, apresentando alegações com as seguintes CONCLUSÕES: «I - Enquanto trabalhador do recorrido e no âmbito das suas funções laborais o recorrente entre data anterior a Janeiro de 1996 e Dezembro de 2001, apoderou-se indevidamente da quantia de € 324.765,65, pertencente a A.. e mulher, que a tinham depositado no Banco recorrido; II - Em 27 de Outubro de 2001, os referidos clientes do recorrido apresentaram a este uma reclamação por factos que indiciavam a movimentação abusiva por parte do recorrido das suas contas; III - No dia 7 de Dezembro de 2001, o recorrente foi ouvido pelo Presidente do Conselho de Administração do recorrido - Eng°.. - tendo tal reunião sido realizada a pedido do recorrente, o qual confrontado com os factos, apresentou desculpas e o pedido de cessação do seu contrato de trabalho; IV – Na reunião a que se reporta a conclusão que antecede o Presidente do Conselho de Administração do recorrido transmitiu ao recorrente que os factos teriam sido alegadamente praticados pelo colaborador Jo.. e não pelo respectivo cidadão e, por isso, o recorrente manter-se-ia ao serviço do recorrido e não deveria preocupar-se com o dinheiro a pagar aos lesados, porque o banco estaria ali para resolver o assunto; V – O recorrente foi remetido para o Dr..., Administrador do Pelouro da Auditoria, que o recebeu no dia 17 de Dezembro de 2001 e que lhe comunicou que o Presidente do Conselho de Administração o tinha em elevada consideração, que não se preocupasse com os factos, porque o Banco imediatamente iria indemnizar os lesados; VI – O recorrente foi ouvido pela Direcção de Auditoria do recorrido, acerca dos factos, em 4 de Janeiro de 2002; VII – O Dr.. voltou a receber o recorrente no início de 2004, no Porto, tendo demonstrado toda a disponibilidade para o ajudar e dar por encerrado aquele assunto, agendando novo encontro para dali a uma semana, nas instalações do ‘banco..”, em Braga, onde ficou acordado entre o recorrente e o Dr.. que o recorrente pediria a reforma; VIII – Em 17 de Outubro de 2005, o Presidente do Conselho de Administração do recorrido transmitiu ao recorrente que todo o assunto relacionado com os factos supra descritos estava resolvido e encerrado, incluindo a indemnização aos lesados, clientes do banco, mais lhe dizendo “podes ser um homem feliz. Podes namorar a vida toda. O teu assunto está resolvido”; IX – Pela prática dos referidos factos foi apresentada queixa crime pelos lesados, clientes do banco, contra o recorrente, o recorrido não se constituiu assistente nesse processo, nele não deduziu pedido de indemnização civil e, ao invés, contratou advogado para defender o recorrente e pagou a esse advogado os respectivos honorários; X – Em 2006, o recorrente escreveu uma carta a todos os membros do Conselho de Administração do recorrido, solicitando um reforço de crédito à habitação, no montante de € 100.000,00, que lhe foi concedido por escritura de 21 de Junho de 2007; XI – O recorrido continuou a pagar ao recorrente a totalidade do vencimento e acréscimos legais até à sua aposentação; XII – Com a conduta do recorrido o recorrente ficou convencido que nada tinha a pagar-lhe; XIII – A presente acção deu entrada no tribunal em Novembro de 2010; XIV – O recorrido no caso in iudicium agiu em manifesto abuso de direito, que advém da preterição da boa fé, baseada na protecção da confiança, através duma atitude de venire contra factum proprium, mais concretizada na supressivo (verwirkung).

Venire contra factum proprium: o recorrido deixou claramente que ia tomar uma certa atitude e, depois, tomou atitude contrária; Supressio: o recorrido deixou passar um tão grande lapso de tempo sem exercer o seu direito que, quando o fez, contaria a boa – fé (vd. Baptista Machado, Tutela da confiança e “venire” contra factum proprium”, pag. 345; Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no direito civil, 1984, Almedina, pags. 719, 742, 771, 797 e 837; Teoria Geral do Direito Civil, I, 2ª ed. 1989, AAFDL; pag. 373.

XV – A douta decisão violou, assim, por errada interpretação o disposto no artigo 334° do Cód. Civil.» (sic) Pugna, assim, o recorrente pela revogação da sentença recorrida.

* A A. apresentou contra-alegações com as seguintes CONCLUSÕES: «1 .° - Na decisão impugnada, o Tribunal a quo considerou não ter havido prescrição do direito do Autor a demandar o Réu, mais tendo considerado não ter o Autor agido em abuso de direito ao demandar o Réu quando o fez.

  1. - Não obstante terem sido proferidas duas decisões que lhe são desfavoráveis - a improcedência das exceções de prescrição e de abuso de direito -, o Réu apenas vem interpor recurso desta ultima, conformando-se com a decisão do Tribunal a quo no que concerne a prescrição, pelo que deve considerar-se que o recurso do Autor se limita a impugnação da decisão referente ao invocado abuso de direito.

  2. - No recurso a que ora se responde, o Réu limita-se a afirmar que a conduta do Autor, nos termos dos factos dados como provados pelo Tribunal a quo, consubstancia não só uma situação de venire contra factum proprium como também de supressio, não fundamentando, porém, tal subsunção.

  3. - Como bem é aflorado pelo Réu, o instituto do abuso de direito, em qualquer das suas diversas manifestações, foi criado com vista a tutelar a confiança legitimamente formada pela parte contra quem o direito pode ser exercido.

  4. -...

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