Acórdão nº 6335/09.0TBBRG-I.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 20 de Novembro de 2012

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução20 de Novembro de 2012
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes na 2ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães 1. Relatório. No seguimento de acção com processo especial de declaração de falência intentada por J.., Lda., veio o Tribunal judicial de Braga, em 11/11/2009, por sentença transitada em julgado, a declarar a insolvência de M.., tendo nela sido fixado o prazo de 30 dias para a reclamação de créditos.

1.1.- Deduzidas diversas reclamações, seguiu-se a apresentação pelo administrador da insolvência da lista dos credores por si reconhecidos e daqueles que como tal não reconhecia ( cfr. artº 129º do CIRE ) e, seguidamente , tendo sido apresentadas competentes impugnações dirigidas às referidas listas de credores, às mesmas respondeu o administrador, após o que, oportunamente, proferiu o Exmº Juiz titular o despacho a que aludem os artºs 510º e 511º, ambos do CPC ( ex vi do cfr. artº 137º,nº3, do CIRE), reconhecendo determinados créditos ( uns porque não impugnados e outros porque, apesar de impugnados, o estado/processado nos autos permitia desde logo o respectivo reconhecimento e/ou homologação ) e não reconhecendo outros ( cfr. fls. 487 a 496).

1.2.- Carecendo a verificação de alguns dos créditos reclamados da produção de prova, foi porém dispensada a fixação da subjacente base instrutória da causa, após o que, realizada que foi a audiência de julgamento ( cfr. artº 139º, do CIRE), no seu final elaborou-se o despacho atinente à matéria de facto provada e não provada, após o que, finalmente, proferir o Exmº Juiz titular do processo a sentença de verificação e graduação de créditos, sendo que nela, de entre vários outros, foram verificados e graduados os seguintes créditos : - como crédito comum, o de Ma.., no valor de 120.000,00 € ; - como crédito comum, o de A.., no valor de 120.000,00 € ; - como crédito comum, o do Banco..,SA, no valor de 460.489,51 € ; 1.3 - Inconformados com a sentença referida em 1.2., recorreram então para este Tribunal da Relação de Guimarães, os seguintes credores reclamantes: - A Ma..; - A A..; - O Banco..,SA; 1.4 - Nas respectivas alegações , as apelantes Ma.. e A.., formularam as seguintes conclusões: 1. O crédito das Recorrentes, que se encontra reconhecido e verificado, deve ser declarado como garantido pelo direito de retenção, nos termos do disposto nos artºs 759 e 755º, nº 1, al. f) do Código Civil.

  1. O direito de retenção das recorrentes advém-lhes da qualidade de beneficiário da promessa de transmissão do bem imóvel acompanhada da traditio da coisa nos termos do artº 755, al. f) do C.Civil.

  2. Ao contrato promessa de permuta celebrado entre Insolvente e Recorrentes não foi atribuída eficácia real, mas após a sua celebração foi efectuada a respectiva entrega às recorrentes, tendo havido a traditio da coisa.

  3. Dispõe a alínea f) do nº 1 do art. 755º do C.C., que o beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, goza de direito de retenção sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do art. 442º.

  4. O direito de retenção é um direito real de garantia que confere ao seu titular a faculdade de reter ou não restituir a coisa que possui ou detém, enquanto o devedor não cumprir, bem como, lhe assiste o direito de se fazer pagar pelo valor da coisa, com preferência sobre os demais credores.

  5. No caso vertente, não tendo o contrato promessa de permuta eficácia real, sendo meramente obrigacional é-lhe aplicável o regime do art. 102º do CIRE.

  6. O regime geral disposto no artº 102º do CIRE aplicável ao caso vertente, nada refere acerca das garantias dos créditos, pelo que, daí não se pode inferir que as mesmas deixam de existir quando estamos no âmbito de processos de Insolvência, aliás, tal interpretação é abusiva, pois “ Nada se diz sobre garantias desses créditos. E seria incompreensível e um verdadeiro contra-senso que essas garantias cessassem, ou não produzissem efeitos, para efeito da Insolvência – para além de se tornar espúrio todo o regime de graduação de créditos de acordo com as garantias que acompanham os respectivos créditos” – neste sentido cfr. Ac. da RL do Porto, Apelação 708/07.0TBPRD-G.P1-2ª Secção, de 31.03.2009.

  7. O regime geral estabelecido pelos artº 755º, nº1 alínea f) e 759º do Código Civil não é alterado pelo regime previsto no CIRE, razão pela qual, o beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de um direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, goza de direito de retenção pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do art. 442 do C.C.

  8. O facto de a coisa ter sido entregue às recorrentes antes da celebração do contrato definitivo, cria-lhes uma mais forte expectativa na concretização do negócio, 1pelo que se justifica, postulado pela boa-fé, que lhe corresponda uma segurança acrescida.

  9. O direito de retenção previsto na alínea f) do nº 1 do artº 755º do C.C. assenta em três pressupostos: i) existência de promessa de transmissão ou de constituição de direito real; ii) entrega da coisa objecto do contrato promessa; iii) titularidade, por parte do beneficiário, de um crédito sobre a outra parte, decorrente do incumprimento definitivo do contrato prometido, pressupostos que se encontram inequivocamente preenchidos para que assista às aqui Recorrentes um direito de retenção.

  10. Os contratos promessa, quer com eficácia real, quer com eficácia obrigacional, em que tenha havido tradição da coisa, conferem ao promitente-comprador direito de retenção sobre os prédios objecto do contrato prometido, nos termos do art. 755, nº1, al. f) do C.C, devendo, pois, ser o crédito da Recorrente verificado como garantido com o direito de retenção e graduado no respectivo lugar.

  11. Mesmo atentando numa reconfiguração da relação determinada pela insolvência, o facto de as recorrentes terem pago a totalidade do preço das fracções em mérito permite concluir que a sua posição jurídica preenche excepcionalmente todos os requisitos de uma verdadeira posse, constituindo os actos exercidos por estas sobre as suas fracções o exercício de direitos reais praticados em seu nome próprio.

  12. As fracções em causa destinam-se especificamente à habitação e as recorrentes são consumidores finais, como tal tuteladas pelo regime do artº 755, nº1, alínea f) do Código Civil, no entendimento sufragado pelo acórdão do S.T.J de 14/06/2011, in www.dgsi.pt.

  13. A douta decisão impugnada não pode manter-se, pois violou entre outros, o disposto nos artºs 755º, nº1 alínea f) 759º do Código Civil e artº 102º do CIRE, artº 60 nº1 da CRP e artº 2º nº 1 da Lei 24/96 de 31 de Julho, alterada pelo DL 67/2003 de 8 de Abril, fazendo uma interpretação incorrecta dos artigos.

    Termos em que, deve conceder-se provimento ao presente recurso, pois que, revogando a douta decisão impugnada, na parte em que julgou parcialmente procedente a impugnação e considerou verificado o crédito da Recorrente como comum farão Vossas Excelências a habitual.

    1.5.- Por sua vez, nas respectivas alegações , a apelante Banco..,SA , formulou as seguintes conclusões: 1.O Banco.., S.A. apresentou a sua reclamação de créditos, em 30 de Dezembro de 2009, no montante global de € 2.283.512,29.

  14. O crédito do Banco.., S.A. ora em crise teve origem no preenchimento de uma livrança subscrita pela sociedade “C.., Lda.” e avalizada pelo ora insolvente M.., no valor de € 460.489,51, emitida em 06/06/2002 e com vencimento em 15/09/2009.

  15. A referida livrança titula o montante de um financiamento concedido à sociedade subscritora da mesma, 4. Sendo que para garantia do crédito supra mencionado concedido à sociedade “C.., Lda.”, nomeadamente, para garantia de todas as responsabilidade assumidas e/ou a assumir pela sociedade comercial por quotas que gira sob o a firma “C.., Lda.”, NIPC .. , (…) por crédito concedido bancário concedido e/ou a conceder, valores descontados e/ou adiantados, garantias bancárias prestadas e/ou a prestar, tudo até ao montante de Esc. 100.000.000$00 (cem milhões de escudos) juros à taxa Lisbor a 3 meses, acrescida de 4,5 pontos percentuais e arredondada para o meio de ponto percentual superior a que, para efeitos de registo, corresponde a taxa de 8,5%, acrescida de 4% em caso de mora, a título de clausula penal, e despesas no valor de Esc. 4.000.000$00 (quatro milhões de escudos) o que eleva o montante máximo garantido para 141.500.000$00, foi constituída a favor do ora Recorrente, hipoteca voluntária sobre prédio urbano composto de rés do chão e primeiro andar e terreiro, sito na Rua.., Braga, descrito na CRP de Braga n.º.., com registo de aquisição G-5 e inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo.., propriedade do ora insolvente e apreendido nos presentes autos.

  16. A Sra. Administradora de Insolvência elaborou a Lista Definitiva dos Créditos reconhecidos, tendo reconhecido o crédito do Credor Banco.., S.A. no valor de 2.283.512,29 € e classificando-o como crédito privilegiado, decorrente da constituição de três hipotecas registadas a favor do ora Recorrente sobre quatro imóveis, incluindo, assim, o crédito titulado pela livrança no valor de € 460.489,51, garantido por hipoteca constituída sobre o bem imóvel supra identificado.

  17. Na Douta sentença de verificação e graduação de créditos foi homologada a lista definitiva de credores apresentada pela Sra. Administradora de Insolvência que não havia sido objeto de qualquer impugnação no que diz respeito a todos os créditos reclamados pelo ora Recorrente Banco.., S.A., incluindo o crédito proveniente da livrança referida no montante de € 460.489,51.

  18. A Douta sentença ora em crise refere que se encontram apreendidos para a massa insolvente os bens imóveis descritos no auto de apreensão de fls. 2 e segs., entre os quais, se encontra o prédio supra identificado descrito na CRP de Braga sob o n.º.., sobre o qual incide a hipoteca registada a favor do Credor Banco.. S.A. para garantia do...

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