Acórdão nº 864/06.4TBFAF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15 de Novembro de 2012

Magistrado ResponsávelRAQUEL REGO
Data da Resolução15 de Novembro de 2012
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES: I – RELATÓRIO.

  1. Albino … e mulher Maria …, propuseram a presente acção declarativa, com processo comum, sob a forma ordinária, contra João … e mulher Rosa …, pedindo: a) seja declarado e reconhecido o seu direito de propriedade sobre a água identificada no artigo 1º da petição; b) seja declarado e reconhecido o seu direito de propriedade sobre o prédio descrito no artigo 11ºda mesma; c) seja declarado e reconhecido o seu direito de constituírem servidão de aqueduto onerando o prédio dos Réus e dos terceiros identificados nos artigos 29º a 35º para condução da água referida supra na alínea a), a favor do prédio descrito no artigo 11º, com natureza, direcção e formas referidas nos artigos 29º a 35º, mediante o pagamento da indemnização a arbitrar a favor destes; d) os Réus sejam condenados a reconhecer os direitos das alíneas anteriores e abster-se da prática de quaisquer actos que atentem contra os mesmos.

  2. Contestaram os réus invocando que tal direito não lhes assiste, pelos fundamentos que se colhem do respectivo articulado.

    Além disso, deduziram reconvenção pedindo que seja declarado e reconhecido serem os legítimos titulares do direito às águas subterrâneas no prédio referido e identificado nos artigos 36º e 37º e captadas através das minas descritas nos artigos 6º a 12º e os Réus e os chamados sejam condenados a reporem a água que captaram no poço referido no artigo 1º da petição inicial às minas atrás referidas, bem como a desaterrar e desobstruir inteira e totalmente as minas e óculos referidos.

    Caso não se entenda dever julgar a acção improcedente, deve constituir-se a servidão pela colocação subterrânea de tubo numa rota a abrir, mas apenas à enxada e nunca com máquina escavadora ou similar, no local por onde passam já dois tubos condutores de águas dos Autores e mediante o pagamento da respectiva indemnização.

    Terminam pedindo o chamamento dos titulares dos direitos da nua propriedade e usufruto da Coutada da Tapada do Soutinho.

  3. Os AA replicaram, o incidente de intervenção principal foi admitido e os intervenientes contestaram.

  4. Foi proferido despacho saneador, procedendo-se, de seguida, à fixação dos factos assentes e elaboração da base instrutória.

  5. Realizou-se audiência de discussão e julgamento, com observância do formalismo legal, elaborando-se decisão da matéria de facto.

  6. Na audiência de julgamento do dia 07 de Julho de 2011, os AA formularam pedido de correcção do pedido, bem como de parte dos factos alegados, com fundamento em manifesto lapso de escrita, que suscitou oposição da parte contrária.

    Tendo sido proferido despacho de indeferimento, inserto a fls.443, dele interpuseram recurso de agravo os apelados, ali concluindo do seguinte modo: — Entendeu o tribunal “a quo” que o pretensão dos ora agravantes de pedir ao tribunal que, tendo em consideração os documentos juntos aos autos, mormente, título aquisitivo quer a certidão do registo, declarasse que aqueles tinham uma servidão de água, e não a propriedade sobre a mesma, não consubstanciava lapso de escrita nem uma redução do pedido.

    - Todavia, os agravantes não podem conformar—se com tal entendimento.

    - Na verdade, entendem os agravantes que, face dos termos em que foi alicerçada a petição inicial, na qual aqueles pedem o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre a água identificada sobre o ártigo 1° de tal articulado, juntando, para prova do alegado, quer o titulo aquisitivo quer a certidão do registo, dos quais consta expressamente o direito de servidão de água.

    - Todavia, caso assim não se considere, o que não se concebe, nem concede, sempre se terá de entender que a pretensão dos AA consubstancia uma redução do pedido, admissível em qualquer altura do processo até ao encerramento da discussão da 1a instância — artigo 273°, n° 2 do Código de Processo Civil.

    - Por outro lado, os AA não imputam aos RR a violação do mencionado direito, apenas pretendem que seja constituída a servidão de aqueduto, onerando o prédio dos RR. para condução da água, a favor do prédio dos AA melhor descrito sob o artigo 11° da p.i., mediante o pagamento da indemnização a arbitrar a favor destes.

    - Pelo que, mesmo que se entenda que o pedido foi alterado, o que não se concebe nem concede, o certo e que a eventual alteração pretendida não implica a convolação para relação jurídica diversa da controvertida.

    Concluem pelo provimento do agravo e pela revogaçao do despacho recorrido, substituindo-se por outro que julgue existir manifesto lapso de escrita ou, caso assim não se entenda, redução do pedido, com as legais consequências.

    Foram oferecidas contra-alegações que concluem pela improcedência.

  7. A final, veio a ser proferida sentença que, julgando a acção parcialmente provada e procedente e improcedente a reconvençao: a) reconhece o direito de servidão dos Autores sobre a água explorada através de um poço com a profundidade de 12m e a largura de 1,50 m, argolado, constituído no lado sul – poente do prédio rústico denominado Coutada do Soutinho, também conhecido por Coutada da Tapada do Soutinho, sito no lugar do Souto, freguesia de Seidões, descrito na Conservatória do Registo Predial de sob o nº23…. e inscrito na matriz sob o artº …, água essa que se destina à rega e lima do quintal e consumo doméstico do prédio urbano descrito na CRP sob o …/222888, inscrito na matriz predial da freguesia de Regadas sob o artigo 774º; b) reconhece o direito de propriedade dos Autores sobre o prédio descrito na CRP sob o …/222888, inscrito na matriz predial da Freguesia de Regadas sob o artº 774º; c) reconhece o direito dos Autores de constituírem servidão de aqueduto onerando o prédio dos Réus denominado Serrado do Soutinho, situado no lugar do Prado, na freguesia de Seidões, Fafe, formado pelos descritos na Conservatória sob os nºs 21…. e 40…. e pelos inscritos na matriz sob os artºs … e …, no sentido norte – poente, numa extensão de 78 metros a uma profundidade mínima de 80 cm, nos demais termos definidos nos pontos 33) a 39) da fundamentação de facto, mediante o pagamento da indemnização a liquidar; d) condena os Réus a reconhecer os direitos identificados em a) a c) e absterem-se da prática de quaisquer actos que atentem contra os mesmos; e) absolve os reconvindos do pedidos formulados pelos reconvintes.

  8. Inconformados, apelaram os RR, concluindo nos seguintes termos: - A douta sentença viola os artºs 661º e 666º, nºs 1, do Código de Processo Civil.

    - Ao reconhecer os AA como titulares do direito de servidão à água e ao condenar os RR a reconhecer esse direito, a sentença decidiu sobre objecto diferente do que fora pedido, o direito de propriedade.

    - Além disso, por despacho de 08.09.2011 havia sido totalmente indeferido um requerimento dos AA em que se pedia uma alteração do pedido, substituindo o reconhecimento do direito de propriedade por direito de servidão.

    - Ora, de tal indeferimento foi interposto recurso, admitido como de agravo para subir em separado e com o primeiro que houver de subir imediatamente e com efeito devolutivo, pelo que se aguarda a sua subida e posterior decisão.

    - Assim, não tendo sido deferida a alteração do pedido, é inconcebível que se venha, mesmo antes de decidido o recurso, decidir-se no sentido de uma alteração do pedido indeferida.

    - Olvidando-se que proferida uma tal decisão não mais pode o Juiz proferir decisão diversa já que esgotado ficou o seu poder jurisdidonal, donde ter sido violado o disposto no artº 666°, n°1, do CPC, aplicável por força do n°3 do mesmo artigo.

    - Além disso, se, por qualquer motivo, se não vier a conhecer do recurso ou este vier a ficar deserto, a decisão aí recorrida passará a definitiva e a constituir caso julgado formal, nos termos do artº 672° do CPC, e de carácter obrigatório no processo, donde também a decisão recorrida viola esse caso julgado.

    - Assim, e porque tendo a sentença recorrida feito errada aplicação do disposto nos citados arts. 661° n°1, 666° n°1 e 672° do CPC, deve ser revogada e proferido douto acórdão que julgue a acção totalmente improcedente e absolva os RR do pedido.

    - Tendo em conta o factualismo dado como apurado, colhe-se que os recorrentes têm o direito de propriedade às águas subterrâneas do prédio Coutada da Tapada do Soutinho, dos Intervenientes, captadas e conduzidas pela mina existente neste mesmo prédio e no rego a céu aberto até poça ou presa sita no prédio dos referidos Recorrentes.

    - Mesmo que não sejam tais águas utilizadas pelos Recorrentes há cerca de 30 anos, tal facto não provoca de modo algum, uma vez que o direito de propriedade não se perde ou extingue pelo seu não uso, a menos que passem a seu possuídas por outrem em condições de poderem ser adquiridas por esse outrem designadamente por usucapião, o que se não verificou.

    - Com a construção pelos Autores do poço para exploração e captação de águas subterrâneas do mesmo prédio onde se situa a dita mina, prédio esse denominado Coutada da Tapada do Soutinho, águas captadas pela dita mina acorreram ao poço por via de “infiltrações provocadas” com as escavações e perfurações feitas na construção do poço, o que, violando o disposto no n°2 do artº1394° do CC, ofendeu o alegado direito dos Recorrentes a tais águas.

    - Além disso, as águas de tal poço que os Autores pretendem conduzir subterraneamente através de prédios de terceiros, nomeadamente de um dos Recorrentes, e por via do referido em K, não são “águas particulares a que tenham direito”, ou seja, águas que indiscutivelmente lhes pertençam.

    - Pelo que falta um requisito, e fundamental, exigido pelo artº 1561° n°1 do CC, para que possa requerer-se a constituição da referida servidão legal de aqueduto, donde o pedido não...

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