Acórdão nº 291/08.9TBVNC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 03 de Julho de 2012
Magistrado Responsável | EDUARDO JOS |
Data da Resolução | 03 de Julho de 2012 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães RELATÓRIO M.., no Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova da Cerveira, interpôs a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra ..– Companhia de Seguros, SA, ambos com os sinais nos autos, na qual foi peticionado que esta seja condenada a pagar-lhe todas as despesas e encargos necessários à sua reabilitação física, até completa consolidação das lesões decorrentes do acidente de viação dos autos, a quantia de 2.734,15 € relativa a despesas com medicamentos, consultas médicas e tratamentos por si efectuados e indemnização no valor que vier a ser reputada como justa e adequada, em sede de audiência de julgamento.
Fundamentou-o, em síntese: no dia 10.12.2007, pelas 06h50m foi atropelado em EN por veículo automóvel, cuja responsabilidade civil estava transmitida para a R, quando já se encontrava na fase final da travessia daquela; esse veículo circulava desse lado, no seu sentido de marcha; o acidente ocorreu por imperícia e desatenção da condutora e proprietária do veículo, sofreu lesões e foi socorrido em hospital; essas lesões implicaram nomeadamente sua imobilização, por isso tendo sido ajudado por terceira pessoa, e dores que se mantém; devido às mesmas lesões recebeu ainda tratamentos de enfermagem e teve consultas em médico; ficou com sequelas físicas permanentes que o impossibilitam de exercer a sua actividade profissional, tendo então um negócio; despendeu a quantia de 2.734,15 € com medicamentos, consultas e tratamentos e por danos, lucros cessantes e futuros deve ser indemnizado em quantia não inferior a 30.000,01 €.
Em resultado da citação, a R contestou, aceitando factos alegados pelo A mas imputando-lhe a causa do acidente por violação de regras estradais, para além de quanto aos danos invocar designadamente desconhecimento.
Foi apensado o Procedimento Cautelar de Arbitramento de Reparação Provisória requerido pelo A contra a R, nos termos do artº 403º do CPC, na qual, após recurso, esta foi condenada a pagar a aquele a quantia mensal de 403,00 € (Apensos A e B).
Realizou-se audiência preliminar na qual foi elaborado Despacho Saneador e se fixaram os Factos Assentes e a Base Instrutória, do que não houve reclamação.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, altura em que foi proferida decisão sobre a matéria de facto, relativamente à qual também não foi formulada reclamação.
Proferiu-se depois sentença, assim, julgando-se a acção improcedente por não provada e, em consequência, absolveu-se a R dos pedidos formulados pelo A, bem como condenou-se este a restituir à R os montantes que por esta lhe foram pagos em virtude da dita providência cautelar.
Da sentença o A recorreu, sendo admitido o Recurso (fls 251) a ser processado como de Apelação, a subir nos próprios autos, imediatamente e com efeito meramente devolutivo.
Das respectivas alegações o Apelante extraiu as seguintes conclusões: 1- O Tribunal de primeira instância devia ter apreciado de forma clara a prova e a sua conformidade com a decisão, já que o que resulta desta não pode conduzir à absolvição da recorrida em oposição com a mesma.
2- A culpa da condutora da segurada da recorrida na produção do acidente dos autos é a que se ajusta à prova produzida em audiência de julgamento.
3- Se o entendimento for no sentido de rejeitar as conclusões acima expressas, deverá o recorrente ser indemnizado, tomando em consideração a interpretação actualizada do art. 505º do CC, no sentido de que nele se acolhe a regra do concurso da culpa do lesado com o risco próprio do veículo.
4- Por último, dada a hipótese da não aceitação dessa posição e em face da legislação comunitária sempre deverão os autos ser alvo de recurso prejudicial para o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, os termos do art. 234º do Tratado sobre a interpretação e validade do direito comunitário, sobre a aplicação ao presente acidente da Directiva 2005/14/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 11 de Maio (5ª Directiva Automóvel), nomeadamente do art. 4º da 5ª Directiva e do seu art. 1º-A – Directiva 90/232/CEE (3ª Directiva automóvel), conjugado com o nº 16 da citada 5ª Directiva.
5- A sentença recorrida violou os art. 487º, 499º, 503º e 505º do CC e o 668º al. c) do CPC e o disposto nos artigos 21º, 25 nº1 al. c) e 27 do CE e bem assim a 5ª directiva automóvel – 2005/14/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 11 de Maio, conjugada com a demais legislação aplicada.
Termina com a pretensão de “ produzir-se acórdão em sentido inverso ao recorrido, nos termos das presentes conclusões, condenando-se a recorrida … .”.
Foram apresentadas contra-alegações, nas quais, se concluiu pela manutenção na íntegra da Sentença recorrida.
Efectuado o exame preliminar e corridos os vistos legais, cumpre decidir, sabendo-se que os recursos são meios de impugnação de decisões com vista ao reexame da matéria apreciada pela decisão recorrida e o tribunal de recurso não deve conhecer de questões que não tenham sido suscitadas no tribunal recorrido e de que, por isso, este não cuidou nem tinha que cuidar, a não ser que sejam de conhecimento oficioso.
Para além disso, o âmbito do recurso determina-se pelas conclusões do recorrente, só abrangendo as questões que nelas se contêm, ainda que outras tenham sido afloradas nas alegações propriamente ditas, salvo, mais uma vez, tratando-se de questões que o tribunal deva conhecer oficiosamente (artºs 660, nº 2, ex vi artº 713º, nº 2, 684º, nºs 3 e 4 e 685º-A, nº 1, do CPC).
As questões directamente propostas à consideração deste Tribunal são a nulidade da sentença, o conhecimento da matéria de facto com a reapreciação da prova, a culpa da condutora do veículo automóvel interveniente do sinistro, sem prejuízo da responsabilidade pelo risco, a possibilidade, se não for alterada a matéria de facto dada como assente na sentença, do A ser indemnizado, tomando em consideração dada interpretação do artº 505º do CC ( concurso da culpa do lesado com o risco próprio do veículo ), e, por último, se for caso disso, a admissibilidade, por força da legislação comunitária, de aos autos caber reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia.
Fundamentação Na 1ª instância foi dada como provada a seguinte matéria de facto: 1- No dia 10.12.2007, pelas 6h50m, na EN 13, km 109,3, no sentido Campos – Vila Nova de Cerveira, ocorreu um embate entre o A e o veículo ligeiro de passageiros, marca e modelo “Volkswagen Golf”, com matrícula ..GE, pertença de S.. e por ela conduzido, o qual seguia na hemi-faixa de rodagem destinada ao sentido de trânsito Valença – Porto.
2- No local do embate, a via configura uma recta, com cerca de 7,20 mts de largura, dividida por uma linha longitudinal contínua que demarca as hemi-faixas correspondentes a cada sentido de marcha.
3- No local do embate, o piso é betuminoso, encontrando-se em razoável estado de conservação e, na data e hora referidas, húmido por força do nevoeiro.
4- Por acordo de seguro titulado pela apólice nº 9000932924, a R assumiu o risco para terceiros inerente à circulação do GE.
5- A velocidade máxima permitida no referido local é de 50 km/h.
6- Não existe qualquer passadeira para peões a distância igual ou inferior a 50 m do local do embate.
7- No local, há iluminação pública.
8- No momento do acidente, existiam veículos ligeiros e pesados estacionados em ambas as bermas da estrada, por causa de haver aí uma padaria.
9- Dirigindo-se a Valença, o A circulava no seu veículo com três colegas de trabalho.
10- Decidiram parar para tomar café e comprar pão na citada padaria, sita do lado direito da via, atento o sentido de marcha Valença – Porto.
11- Para o efeito, após imobilização do veículo na berma do lado direito atento o sentido de marcha Porto – Valença, todos atravessaram a via.
12- Nesse atravessamento, dois colegas de trabalho do A seguiam à frente, e o A e C.. atrás.
13- Quando o A estava na metade direita da faixa de rodagem, atento o sentido Valença – Porto, ocorreu um embate entre a frente, lado direito, do GE, e o A, ao nível das pernas.
14- Ambas as bermas da via no local do acidente têm 2 m de largura.
15- Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas, era de noite e estava nevoeiro.
16- Quando o GE seguia no sentido Valença – Porto, o A surgiu, a cerca de 6 metros, de entre os veículos que circulavam em sentido contrário, a atravessar a faixa de rodagem em passo de corrida.
17- Face ao aparecimento do A, a condutora do GE travou, não conseguindo evitar o embate.
18- No acidente, o A sofreu dores na região lombo-sagrada e nas pernas, ficando com uma ferida no joelho esquerdo, com uma fractura do ramo ileo-púbico à direita, equimose e escoriação na região frontal.
19- No hospital, o A foi sujeito a cinco exames radiológicos e a uma tomografia computorizada.
20- Por causa das lesões sofridas, o A esteve acamado nas três semanas a seguir ao acidente.
21- Nesse período, o A precisou do apoio permanente de outra pessoa.
22- No termo desse período, o A continuou a precisar de ajuda de outra pessoa algumas horas por dia, já que não se conseguia levantar sozinho da cama, não conseguia cozinhar nem se mantinha de pé sozinho.
23- O pouco que andava era sempre de canadianas, e tinha...
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