Acórdão nº 244/2002.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 14 de Junho de 2012

Magistrado ResponsávelMANUEL BARGADO
Data da Resolução14 de Junho de 2012
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam nesta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I - RELATÓRIO Isilda, Paula e marido Manuel, e Alberto, todos residentes na Quinta da Pereira, na freguesia de Fermentões deste concelho de Guimarães, intentaram a presente acção declarativa, na forma de processo ordinário, contra R… Rede Eléctrica…, S.A.

, com sede na Av. dos Estados Unidos da América, nº …, em Lisboa, pedindo que a ré seja condenada a: a) retirar, de imediato, os cabos das linhas de alta tensão do espaço aéreo do prédio dos autores identificado no art. 1º da petição inicial; b) pagar aos autores uma indemnização a título de danos morais em montante não inferior a € 40.000,00; c) na hipótese do pedido formulado em a) não ser viável de imediato, por razões sócio económicas, subsidiariamente, deve a ré ser condenada a afastar os cabos da linha de alta tensão para uma distância da casa dos autores de modo que os valores dos campos electromagnéticos medidos na casa, incluindo o logradouro, estejam conformes às recomendações da Organização Mundial de Saúde, ou seja, os seus valores em qualquer zona do prédio urbano, inclusive no seu espaço aéreo, sejam inferiores, o campo magnético a 0,2 micro tesla e o campo eléctrico a 100 volts por metro, o que implica um afastamento do seu prédio urbano para uma distância não inferior a 100 metros.

Alegaram, em síntese, serem donos de um prédio misto que identificam e onde implantaram a casa onde residem, pelo qual a ré fez passar uma linha de muito alta tensão que emite campos eléctricos e electromagnéticos, os quais atingem aquela habitação em valores superiores ao de exposição máxima recomendados pela Organização Mundial de Saúde que dizem ser, respectivamente, de 100 volts por metro e de 0,2 uT, o que, dada a existência de milhares de casos de doenças por ano que podem ser associados ao facto de as pessoas viverem perto de linhas de alta tensão, lhes causa nervosismo, grande ansiedade, instabilidade, tristeza e desgosto, além de os impedirem de realizar uma ampliação do sótão da casa e de usufruírem de gás proveniente de um depósito.

Acresce que no dia 24 de Agosto de 2008, através de uma árvore, houve uma descarga eléctrica nesse prédio, seguida de uma grande explosão e incêndio que provocou diversos danos materiais no local, nomeadamente, com a destruição de uma árvore, videiras e parte de uma ramada, tendo, ainda, aberto fissuras no edifício e queimado diversos electrodomésticos A ré contestou, impugnando parte da factualidade alegada pelos autores, contrapondo que a máxima medição obtida foi de 3,10 uT a 1,80 metros acima do telhado, sendo que esse valor se situa muito abaixo do limite máximo de segurança recomendado pela Organização Mundial de Saúde e que foi devido à poda da vinha ter deixado de ser feita após a morte do marido da autora Isilda, entre o verão de 1997 e 1998, que levou a que um dos rebentos se aproximasse da linha e provocasse a explosão dia 24 de Agosto de 2008.

Mais alegou serem infundados os receios dos autores, face à inexistência de qualquer perigo de explosão permanente no local e também pelo facto de a evidência cientifica actual não mostrar que existam quaisquer consequências para a saúde em resultado da exposição a campos electromagnéticos de baixa intensidade, pois que as mesmas só poderão ocorrer acima daqueles máximos de segurança definidos também por recomendação da União Europeia e que são de 100 uT (sendo de 5 quilovolts para o campo eléctrico).

Os Autores vieram replicar, afirmando a circunstância de a ré exercer uma actividade perigosa e, nessa medida, sobre ela impender uma presunção de culpa, concluindo como na petição inicial.

Após ter sido suspensa a instância, com várias prorrogações do prazo a pedido das partes, foi proferido despacho saneador tabelar com subsequente enunciação dos factos assentes e da pertinente base instrutória, com reclamação dos autores totalmente desatendida O despacho que indeferiu a reclamação dos autores foi proferido a fls. 2011.

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Os autores ampliaram o pedido a fls. 409, pedindo a condenação da ré no pagamento da quantia de € 57.816,49, a título de danos patrimoniais, pelos estragos causados em consequência da explosão: fissuras na casa de habitação; inutilização de uma máquina de lavar, um frigorífico e um motor de bombear água; quarenta e cinco enxertos de videiras, quarenta e sete videiras, duas árvores de suporte e quatro pés de roseiras queimados.

A ré contestou tal ampliação do pedido Fê-lo à cautela, pois como decorre do requerimento que apresentou a fls. 419, considerou não ter sido devidamente citada da ampliação do pedido.

, invocando a excepção da prescrição, alegando terem passado mais de três anos desde o dia 24 de Agosto de 1998, data em que ocorreram os estragos cujo ressarcimento só agora os autores peticionam, impugnando, à cautela, a factualidade alegada.

Os autores responderam, concluindo pela improcedência da excepção da prescrição e pela procedência da ampliação.

A instância esteve novamente suspensa a requerimento das partes e, findo o prazo da suspensão, foi proferido despacho a julgar a ré regularmente notificada do pedido de ampliação do pedido, tendo este sido admitido, relegando-se para decisão final o conhecimento da excepção da prescrição e aditaram-se à base instrutória novos artigos contemplando a matéria de facto controvertida e decorrente da admitida ampliação do pedido Cfr. fls. 485-486.

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A Ré agravou do despacho que indeferiu a suscitada irregularidade da notificação, tendo o recurso sido admitido Cfr. fls. 489 e 536.

, mas não foram apresentadas alegações, pelo que o mesmo ficou deserto, o que ora se declara.

Instruído o processo e após vicissitudes várias Além das perícias realizadas durante a fase da instrução, a instância esteve de novo suspensa a pedido das partes e os autores formularam novo pedido de ampliação do pedido, que foi indeferido (cfr. fls. 797, 992 e 1145, respectivamente).

, veio finalmente a proceder-se à realização da audiência de julgamento com gravação dos respectivos depoimentos e inspecção ao local, após o que o Tribunal a quo proferiu a decisão sobre a matéria de facto, a qual não foi objecto de reclamações Cfr. fls. 2019 e segs.

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Foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, decidiu: «a) julgar prescrito o direito à peticionada indemnização por fissuras alegadamente causadas na casa de habitação dos Autores e absolver a Ré, do respectivo pedido de condenação no pagamento da quantia de € 4.500,00; b) condenar a Ré, a pagar aos Autores a quantia de € 3.067,56 (três mil e sessenta e sete euros e cinquenta e seis cêntimos), acrescida de juros moratórios, vencidos e vincendos, calculados às taxas legais sucessivamente emergentes do disposto no artº. 559º/1 do Código Civil, actualmente 4%, desde 29 de Novembro de 2004 e até integral pagamento; c) julgar extinta a instância do pedido de retirada dos cabos de alta tensão do espaço aéreo do prédio referido em I.1., por inutilidade superveniente da lide, nos termos do disposto no artº. 287º/ e). do C. P. Civil; d) julgar improcedente o pedido subsidiário formulado pelos Autores e absolver a Ré, do mais que vem peticionado.» Desta sentença apelaram os autores, terminando as alegações com a formulação das seguintes conclusões que, integralmente, se transcrevem: «1 - Discordam os apelantes da douta sentença em crise, por entenderem que, salvo o devido respeito, em face dos elementos de prova constantes dos autos, outra deveria ter sido a decisão sobre a matéria de facto, bem como a aplicação dos comandos legais a ela atinentes, sendo a total procedência da acção o desfecho certo e justo do pleito, nomeadamente no que concerne ao afastamento dos condutores das linhas de alta tensão, para uma distância de segurança relativamente ao prédio dos Recorrentes, pelo risco para a saúde destes que a permanência dos mesmos acarreta.

2 - Com efeito e em nosso entender, o ponto 18º devia ter obtido uma resposta totalmente positiva ao passo que o ponto 26º deveria ter tido uma resposta restritiva, esclarecendo que os valores de referência da OMS respeitam apenas a exposições de curta duração e não a exposições permanentes, como a dos autos, e os pontos 42º, 43º, 44º e 45º deveriam ter sido considerados como não provados.

3 - De toda a prova produzida, afigura-se-nos que a mais objectiva, credível e incontroversa, foi a pericial, a ela se tendo referido o Meritíssimo Julgador “a quo” profusamente no douto aresto em crise.

4 - A prova documental junta aos autos pelas partes, consistente em estudos científicos, revelou-se igualmente de grande importância, não obstante a respectiva interpretação e confronto pelo tribunal pudesse esbarrar na diversidade de opiniões, a requerer conhecimento específicos das diversas matérias abordadas que, neste caso, só os senhores peritos puderam fornecer com isenção.

5 - Como efeito, no que concerne à prova testemunhal, se a maioria das testemunhas arroladas pelos Recorrentes, foram indicadas a factos relacionados com a falada descarga eléctrica e a percepções e efeitos das radiações electromagnéticas, a totalidade das testemunhas apresentadas pela Recorrida eram funcionários desta, que depuseram em consonância com as posições tomadas pela Recorrida nos autos sobre as questões em análise.

6 - Contrariamente ao afirmado na douta sentença em crise, não foram os Recorrentes, mas sim o Meritíssimo Julgador “a quo”, que laborou em erro na interpretação dos relatórios periciais, donde decorria com meridiana clareza que as recomendações da OMS a respeito dos limites para as radiações electromagnéticas, são válidas apenas para as exposições de curta duração, uma vez que não existem recomendações, nem estudos que estabeleçam esses limites para exposições de longa duração, ou permanentes, como é a do caso dos Recorrentes, sendo certo que os valores apontados por aquela instituição para os denominados valores de exposição permanente, são apenas meras extrapolações das medições...

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