Acórdão nº 3499/12.9TBGMR-D.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 16 de Abril de 2015

Magistrado ResponsávelMANUEL BARGADO
Data da Resolução16 de Abril de 2015
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam nesta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I - RELATÓRIO Na sequência da respectiva declaração de insolvência, veio a devedora AA Lda. apresentar uma proposta de plano de insolvência, a qual foi submetida à respectiva Assembleia de Credores, realizada a 30.09.2014, tendo sido aprovada com o voto favorável do credor BB, que representa 68,27% do total dos votos, os votos desfavoráveis dos credores Banco CC, DD, EE Lda., FF, GG, HH, Lda., II e mulher JJ e KK, Lda., representativos de 31,73% dos votos, e a abstenção dos credores Fazenda Nacional e LL Banco, S.A..

O administrador da insolvência pronunciou-se no sentido de ser determinado o encerramento da actividade do estabelecimento, para se prosseguir com a liquidação, por entender que o plano apresentado pela devedora, «além de estar direccionado para o caminho da liquidação dos seus bens e não para a sua revitalização, não assegura devidamente os interesses de todos os credores da satisfação total dos créditos a verificar e graduar, nem permite a laboração em pleno desta empresa e nem salvaguarda os interesses comerciais dos clientes e credores».

Os credores EE e Outros requereram a não homologação do plano de insolvência, com fundamento na violação não negligenciável de normas procedimentais e substantivas e que a sua aprovação conduziria a uma situação menos favorável para os credores do que aquela que possa existir sem o plano aprovado.

Respondeu a devedora/insolvente refutando os argumentos invocados e pugnando pela homologação do plano.

Seguidamente foi proferida decisão com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, decide-se não homologar o Plano de Insolvência apresentado nos presentes autos pela Devedora, por se verificar violação não negligenciável de regras procedimentais e de normas aplicáveis ao seu conteúdo e por se verificar ser previsível que credores fiquem em situação menos favorável do que aquela que possa resultar da não execução do Plano.» Inconformada com esta decisão, dela interpôs recurso a devedora/insolvente que finalizou as suas alegações com as seguintes conclusões: «I - A Fazenda Pública na qualidade de credora não votou contra o plano apresentado nem veio requerer a sua não homologação.

II - Acresce que como decorre dos arts. 1 ° e 192° do CIRE, o pagamento dos créditos sobre a insolvência, a liquidação da massa insolvente e a sua repartição pelos titulares daqueles créditos e pelo devedor, bem como a responsabilidade do devedor depois de findo o processo de insolvência, podem ser regulados num plano de insolvência em derrogação das normas do Código.

III - Inclusive, a jurisprudência (francamente maioritária) do STJ veio a decidir em sentido, tendo-se considerado no Acórdão de 13/01/2009, processo 08A3763 Disponível em http:// www.dgsi.pt que "os arts. 30.º, n.º 2, e 36.°, n.º 3, da LGT, e art. 85.º do CPPT, têm o seu campo de aplicação na relação tributária, em sentido estrito, não encontrando apoio no contexto do processo especial como é o processo de insolvência, onde o Estado deve intervir também com o fito de contribuir para uma solução, diríamos, de olhos postos na insolvência, se essa for a vontade dos credores, numa perspetiva ampla de auto-regulação de que a desjudicialização do regime consagrado no CIRE é uma das essenciais características" e podendo ver-se em idêntico sentido os Acórdãos do STJ de 04/06/ 009 e 02/03/2010, nos processos 464/07.1TBSJM-L.S1 e 4S54/08.5TBLRA¬F.C1.S1, respetivamente, ambos disponíveis em http://www.dgsi.pt.

IV - Com reforço ao art. 36°, onde se dispõe que os elementos essenciais da relação jurídica tributária não podem ser alterados por vontade das partes, a mesma norma determina que, nos casos expressamente previstos na lei, a administração tributária pode conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias e, como decorre do art. 42º, pode autorizar o pagamento em prestações. Ou seja, a indisponibilidade do crédito tributário a que alude a norma em questão significa apenas que a administração tributária não pode dispor livremente desse crédito e, portanto, ao contrário do que sucede com qualquer outro credor, não pode, em qualquer caso, em qualquer circunstância e por sua livre iniciativa, perdoar, reduzir ou alterar os créditos tributários. Isso não significa, contudo, que esses créditos não possam ser objeto de perdão, redução, moratória ou qualquer alteração; significa apenas que estes atos estão sujeitos aos princípios da igualdade e da legalidade tributária, princípios estes que, aliás, dominam na legislação tributária (cfr. arts. , , 55º da LGT).

V - Estando em causa um sujeito passivo que se encontra em situação de insolvência é evidente que o mesmo não tem que receber tratamento idêntico àquele que, não se encontrando nessa situação, tem capacidade económica para cumprir pontualmente as suas obrigações. E a verdade é que o legislador consagrou um tratamento diferenciado para os insolventes através do regime que instituiu com o Código da Insolvência, impondo, designadamente, aos credores a sua vinculação a um plano de insolvência, ainda que os mesmos não tenham dado o seu acordo para o perdão ou redução dos respetivos créditos que conste desse plano.

VI - Por outro lado, não poderemos ignorar, o facto do, legislador estar prestes a alterar substancialmente o atual Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas, ainda no sentido de compromisso assumido com a Troika, em relação à proclamada intenção de flexibilizar a sua actuação quanto aos créditos fiscais e seu tratamento no contexto de insolvência, sendo que uma das suas traves mestras será justamente a de privilegiar a recuperação das empresas em detrimento da atual concepção, segundo o qual "O objetivo precípuo de qualquer processo de insolvência é a satisfação, pela forma mais eficiente possível, dos direitos dos credores.". Pelo que também por aqui, não poderá deixar de colher-se o entendimento segundo a panorâmica económica atual que, o legislador pretende fazer prevalecer a recuperação das empresas em claro detrimento da insolvência propriamente dita.

VII - Ademais e tendo em conta a relevância do tecido empresarial na estrutura económica da sociedade conjugado com o espírito do legislador, sempre se concluirá que perante o clima microeconómico existente e a crise económica que tem assolado transversalmente toda a economia Portuguesa, são por si factores bastantes para que se privilegie a recuperação das empresas, ainda que e no limite se perfilhe o entendimento de que a recusa da homologação se escorar em preceitos normativos imperativos. Na realidade, e se partirmos do entendimento diverso do ora defensado, sempre alcançaremos resultados ambíguos e manifestamente injustos, pese embora a conformidade com determinados preceitos legais, denominados e interpretados por alguns como sendo imperativos.

VIII - Aliás, do preâmbulo do atual CIRE, extrai-se que: "Quando na massa insolvente esteja compreendida uma empresa que não gerou os rendimentos necessários ao cumprimento das suas obrigações, a melhor satisfação dos credores pode passar tanto pelo encerramento da empresa, como pela sua manutenção em atividade. Mas é sempre da estimativa dos credores que deve depender, em última análise, a decisão de recuperar a empresa, e em que termos, nomeadamente quanto à sua manutenção na titularidade do devedor insolvente ou na de outrem. E, repise-se, essa estimativa será sempre a melhor forma de realização do interesse público de regulação do mercado, mantendo em funcionamento as empresas viáveis e expurgando dele as que o não sejam (ainda que, nesta última hipótese, a inviabilidade possa resultar apenas do facto de os credores não verem interesse na continuação).

IX - Pelo que, e independentemente da apreciação judicial do plano, mormente a sua conformação com a Lei, sempre estará na estrita dependência dos Credores a aprovação ou não do plano, sendo que a derrogação é operada pela própria lei da insolvência que estabelece um regime especial.

X - Também aqui defensamos, que a não homologação do plano por questões eventualmente menores - não é qualquer violação de regras procedimentais (como seja a definição de prazo de pagamento em prestações) que pode levar a recusa de homologação mas tão só aquelas que sejam não negligenciáveis - não pode ser encarada como uma porta fechada à vontade dos credores de recuperação da empresa. E considerando esta perspectiva, em derradeira instância deve ser dada a possibilidade de expurgar o eventual vício do plano aprovado, ainda que através da marcação ou convite à de uma nova assembleia, aí se renovando a vontade dos credores e a conformar o plano de insolvência com a Lei. Aliás, in casu, falamos de diferença de 36 para 39 prestações ... 3 prestações ... em valor diferencial de cerca de 100 € por cada uma das prestações.

XI - Para mais, e em tal caso, sempre em proporcionalidade se entenderia meramente como ineficaz o plano perante aquele credor, o que não traria consequências à sua execução, nem perante os demais credores.

XII - Por último, e a este preceito, atentamos ao recente Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 01-04-2014, processo 1285/12.5TBPMS-F.C1, e para cujos fundamentos nos remetemos, que em sumário, expressamente expõe: "I - Numa perspectiva de adequada ponderação de interesses, tendo em conta os fins que as leis falimentares visam, pode violar o princípio da proporcionalidade admitir que o processo de insolvência seja colocado em pé de igualdade com a execução fiscal, servindo apenas para a Fazenda Nacional actuar na mera posição de reclamante dos seus créditos, sem atender à particular condição dos demais credores do insolvente ou pré-insolvente, que contribuem para a recuperação da empresa, abdicando dos seus créditos e garantias, permanecendo o Estado alheio a esse esforço, escudado em leis que contrariam o seu Compromisso de contribuir para a recuperação das empresas, como resulta do Memorandum assinado com a troika e até das...

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