Acórdão nº 8575/11.2TBBRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 26 de Novembro de 2015

Magistrado ResponsávelFERNANDO FERNANDES FREITAS
Data da Resolução26 de Novembro de 2015
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

- ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES -

  1. RELATÓRIO I.- A.., viúva, por si e em representação do seu filho menor I.., intentou a presente acção declarativa contra a Companhia de Seguros.., S.A.”, pedindo que esta seja condenada a pagar todas as quantias que ela, Autora, já pagou e que venha a pagar ao “Banco... S. A.” (actualmente “Banco..), desde a data do óbito de seu marido J.., ocorrido em 06.01.2009, no âmbito dos dois contratos de mútuo que celebraram, até à prolação da sentença, acrescidas dos respectivos juros de mora, tudo a liquidar em execução de sentença e a efectuar àquele Banco o pagamento do restante capital que se achar em divida após a prolação da sentença.

    Para tanto, e em síntese, alega a Autora que juntamente com o seu marido adquiriram em 17.09.1997, uma fracção autónoma para habitação, tendo em 22.03.1999,contraído junto do “Banco.., S.A.” dois empréstimos, para cuja garantia do pagamento das quantias mutuadas constituíram a favor do mesmo Banco uma hipoteca sobre a fracção autónoma. Como complemento destes contratos de mútuo subscreveram um seguro do ramo vida junto da “Companhia de Seguros..”, com inicio em 08.04.1999.

    Nos termos da apólice em causa, o tomador do seguro era o “Banco.., S.A.”, actualmente integrado no grupo “..” e as pessoas seguras eram a aqui Autora e o seu falecido marido, sendo o capital seguro em caso de morte ou de invalidez de € 67.836,51.

    No dia 06.01.2009 faleceu J.., tendo o sinistro sido comunicado à ré com a finalidade de accionar a garantia constante da referida apólice de seguro, interpelando-a para liquidar a quantia em dívida ao “Banco.., S.A.”, vindo esta a informar que não iria proceder ao pagamento do montante em dívida ao Banco mutuante, devido a omissões ou declarações inexactas ou incompletas por parte da Autora e do seu falecido marido na proposta de seguro apresentada, que tornavam nulas as garantias do contrato.

    A Ré contestou e, admitindo a celebração do referido contrato, alega que ele é nulo ou, no mínimo, anulável já que, aquando da assinatura da declaração de adesão e do questionário clínico, o segurado J.., declarou expressamente que se encontrava em perfeito estado de saúde e que não era portador de qualquer doença ou deformidade física, o que manifestamente não correspondia à verdade, pois que nessa data já sofria de polineuropatia amiloidótica familiar – PAF -, vulgo paramiloidose, de que veio a falecer, doença da qual era conhecedor já que era seguido há mais de uma ano na Unidade Clínica de Paramiloidose.

    Assim, alega a Ré, a sua vontade de contratar encontrava-se viciada em consequência da situação de erro em que foi colocada dolosamente aquando da celebração do contrato de seguro, pois que se tivesse sabido que o segurado tinha tais antecedentes clínicos, não teria celebrado o contrato nos termos e condições em que o fez.

    Replicou a Autora e os autos prosseguiram os seus normais termos vindo a proceder-se ao julgamento que culminou com a prolação de douta sentença que julgou a acção absolutamente improcedente e, em consequência, absolveu a Ré do pedido.

    Inconformada, traz a Autora o presente recurso pretendendo ver alterada a decisão de facto nos pontos que impugna e substituída a sentença por acórdão que julgue procedente a acção, condenando a Ré no pagamento das quantias que lhe satisfez e ainda das quantias em dívida ao “Banco..”.

    Contra-alegou a Ré propugnando para que se mantenha o decidido.

    O recurso foi recebido como de apelação com efeito devolutivo.

    Foram colhidos os vistos legais.

    Cumpre apreciar e decidir.

    ** II.- A Autora/Apelante funda o recurso nas seguintes conclusões: 1ª- O Tribunal recorrido errou no julgamento da matéria de facto dos quesitos 8º (ponto 20. dos factos provados) e 9º (ponto 21. dos factos provados) da base instrutória; 2ª- O Tribunal “a quo” não podia ter dado como provado que a autora sabia, à data de subscrição do contrato de seguro, da doença de que o seu marido padecia pelo menos há dois anos e que a mesma era susceptível de influir na aceitação ou nas condições de aceitação do seguro por parte da ré; 3ª- Na fundamentação das respostas à matéria de facto, a sentença recorrida não afirma de forma categórica que à data da subscrição do contrato de seguro a mesma sabia da doença do seu marido, optando antes a sentença por referir que a Autora não poderia deixar de saber tal facto, o que é bem diferente; 4ª- O Tribunal “a quo”, não tendo a certeza de que a Autora era conhecedora da doença do seu marido e de que tal facto era susceptível de influir na aceitação do seguro, não poderia ter presumido que a mesma não poderia deixar de saber da doença do seu marido à data de 01.03.1999; 5ª- Ouvido o depoimento de parte da Autora e o depoimento das testemunhas A.., A.. e M.., infere-se que a Autora não sabia que o seu marido sofria da doença à data em que foi subscrito o boletim de adesão; 6ª- O boletim de adesão não tem os campos relativos ao local e à data preenchidos e não está sequer assinado pela Autora; 7ª- Tendo o J.. sido observado pela primeira vez apenas em 09.11.1998, data em que lhe foi pela primeira vez confirmado o diagnóstico da doença resultante do resultado positivo dos testes feitos em 05.11.1998, a sentença não podia ter dado como provado no ponto 20. dos factos provados que o mesmo era conhecedor da doença há “pelo menos dois anos”; 8ª- Conjugada toda a prova, o Tribunal “a quo” deveria ter dado como não provada a matéria dos pontos 18 e 19 dos factos provados; 9ª- Não foi feita prova em julgamento de que o J.., ao aderir e assinar o Contrato de Seguro em 1999, por 30 anos, era conhecedor da patologia pré-existente de que padecia e da qual resultaria em poucos anos a sua morte, mas omitiu tal facto no Boletim de Adesão ao Seguro, e que ao assinar o Boletim de Adesão, em 1.03.1999, declarou que se encontrava em perfeito estado de saúde e que não era portador de qualquer doença ou deformidade física; 10ª- Não ficou provado que foi o J.. quem preencheu o Boletim de Adesão, o qual não tem o local e a data preenchidos e apenas contém uma assinatura atribuída ao J..; 11ª- Comparada a letra da assinatura constante da parte inferior direita deste documento com a letra dos demais campos preenchidos facilmente se constata que são letras diferentes e que não foi a mesma pessoa a preencher o boletim de adesão e a assiná-lo;12ª- A testemunha da Ré M.. apenas se limitou a relatar o que analisou de todo o dossier ou documentação relativo a este contrato, não tendo pois qualquer conhecimento directo dos factos; 13ª- Esta testemunha não conheceu sequer a Autora e/ou o seu falecido marido, nunca contactou com eles, não esteve presente na data de preenchimento do boletim de adesão e da sua assinatura; 14ª- A douta sentença recorrida, ao ter dado como provado, no ponto 12, que à data da morte do referido J.., o contrato de seguro em causa encontrava-se em vigor e era validamente eficaz e ao ter julgado a acção totalmente improcedente, contém uma insanável contradição, conducente à sua nulidade; 15ª- Não tendo este facto sido impugnado pela Ré e tendo o mesmo sido levado à matéria de facto assente e não tendo o despacho saneador sido alvo de qualquer reclamação, o mesmo transitou em julgado; 16ª- Embora se pudesse entender que a matéria de facto dada como assente não formaria caso julgado formal (positivo), ou seja, mesmo que se admitisse que os factos dados como assentes em sede de selecção da matéria de facto poderiam ainda assim ser postos em causa em sede de julgamento e, depois, na sentença final, o que é certo é que este concreto facto do ponto 12 não foi alterado na sentença, tendo o tribunal mantido o que já antes estava assente, isto é, de que à data da morte do J.., ocorrida em 06.01.2009, o contrato de seguro em causa encontrava-se em vigor e era validamente eficaz; 17ª- Não tendo impugnado o facto do artigo 14º da petição inicial, a Ré acabou por confessa-lo, razão pela qual o mesmo foi desde logo dado como provado e inserido especificadamente como facto assente; 18ª- Verificando o Tribunal, no decurso da audiência, que tinham sido considerados assentes factos que afinal eram controvertidos, era-lhe lícito corrigir as falhas detectadas na selecção da matéria de facto, eliminando factos assentes e levando-os à base instrutória, mas tal não sucedeu no caso concreto dos autos e no que tange a este especifica Alínea M) da matéria de facto assente; 19ª- Se o Tribunal “a quo” deu como provado que à data da morte do J.., ocorrida em 06.01.2009, o contrato de seguro em causa encontrava-se em vigor e era validamente eficaz, não se percebe como veio depois a sentença considerar que o contrato é inválido ou nulo, contrariando a força plena daquele facto há muito dado como provado; 20ª- O Tribunal “a quo”, violando o preceituado no nº 4 do artigo 607º do C.P.Civil, não tomou em devida conta e consideração na sentença ora censurada os factos que já estavam admitidos por acordo, ou seja, de que à data da morte do J.. o contrato de seguro estava em vigor e era validamente eficaz; 21ª- Tendo este facto sido dado como provado, impunha-se que o Tribunal recorrido julgasse a acção totalmente procedente; 22ª- A Lei de Protecção de Dados Pessoais (D.L. nº 67/98, de 26.10), proíbe o tratamento de dados pessoais relativos à saúde de uma pessoa, a não ser que haja consentimento expresso para o efeito, o qual ainda assim deve ser obtido de forma inequívoca, o que não se verifica no caso sub judice; 23ª- Os dados relativos à saúde pessoal integram o âmbito da protecção legal e constitucional do direito à reserva da vida privada, tal como prescreve o artigo 80º do C. Civil e o artigo 26º da Constituição da República Portuguesa; 24ª- Tendo a sentença ora proferida, que absolveu a Ré do pedido, fundamentado a sua decisão nos relatórios médicos e nas informações clinicas juntas aos autos pela Ré e não tendo o J.. e/ou os seus herdeiros tornado públicas as informações clinicas constantes...

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