Acórdão nº 3990/14.2TBBRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 05 de Novembro de 2015

Magistrado ResponsávelMARIA DOLORES SOUSA
Data da Resolução05 de Novembro de 2015
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães 1ª secção cível.

I.-Relatório AA… intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra “BB…, S.A.”, pedindo se declare que tinha o direito de na assembleia geral da R., de 3 de Julho de 2014, exercer os seus direitos de accionista, designadamente, o de nela votar; se anule as deliberações tomadas nessa assembleia, por ter sido impedida de exercer os seus direitos.

Alega, para tanto, que é titular de 72.955 acções, pelo que esteve presente na assembleia geral da R., que se realizou em 3 de Julho de 2014, onde pretendia, enquanto titular daquelas acções, exercer os seus direitos de accionista, tendo sido impedida pelo accionista CC…, cabeça de casal no processo de inventário para partilha de bens subsequente a divórcio, que se arrogou único representante das acções em causa, bem comum do casal.

Citada a R. de forma válida e regular, apresentou contestação, em tempo, excepcionando a ilegitimidade da Autora, sustentando que o Presidente do Conselho de Administração da sociedade, o Eng.ºCC é o cabeça de casal nomeado no processo de inventário para partilha dos bens comuns onde estão incluídas as 72.955 acções, que por serem acções ao portador constituem bem comum do casal, competindo ao cabeça de casal nomeado a administração dos bens comuns e, por conseguinte, das referidas acções; pelo que não tem a requerente legitimidade, para instaurar o presente processo judicial, e não tendo a sua administração pode exercer os direitos correspondentes à titularidade das acções em causa, no qual se inclui o direito a requerer a anulação das deliberações sociais.

Respondeu a A., afirmando, em síntese, que, sendo accionista, tem legitimidade para instaurar a presente acção.

No despacho saneador foi julgada a questão da legitimidade da Autora concluindo-se que «a A. carece de legitimidade para intentar a presente acção dado estarmos perante uma situação em que apesar de accionista, se encontra privada do exercício dos direitos sociais inerentes às acções de que é portadora, cujo exercício compete ao cabeça de casal por se tratar de um acto de administração do património comum.» Em consequência foi a Ré absolvida da instância nos termos do artigo 278º, n.º 1, al. d), do CPC.

*Inconformada com a sentença, a Autora, interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: «I - A Autora, ora Recorrente, jamais alegou ser contitular das ações com o seu ex-marido. Nem de resto a Recorrida alega a contitularidade das mesmas. Daí que não se pode dar como provado, como se deu na douta sentença recorrida, a “contitularidade” referida em A) dos Factos Assentes.

II – Circunstância absolutamente central e essencial no enquadramento da questão de direito.

III – A Autora alegou, antes, que é titular de 72.295 ações sobre a Ré, IV – tendo, por mero lapso, inicialmente referido ser titular deste número de ações, o qual posteriormente corrigiu para 72.995 ações, conforme resulta da p.i. e da lista de presenças junta com esta, como Doc.2 então junto., não impugnado pela Ré/Recorrida.

V - Pelo que não se podia dar como provada a contitularidade das ações referida na al. A) dos Factos Assentes da decisão recorrida, devendo, em consequência, ser modificada essa decisão de facto em conformidade com o alegado.

VI - Na decisão recorrida concluiu-se que a Recorrente "carece de legitimidade para intentar a presente ação, dado estarmos perante uma situação em que apesar de acionista, se encontra privada do exercício dos direitos sociais inerentes às ações de que é portadora, cujo exercício compete ao cabeça de casal.

VII - Com esta decisão, o ex-cônjuge da Autora, que não é titular daquelas ações - nem representante comum - mas apenas porque é o cabeça de casal, passa a exercer direitos sociais, que não tem, com as ações da Autora, de que esta é a exclusiva titular.

VIII - Situação que se afigura, para além do mais, como absurda.

IX - Em consequência do divórcio, por força do regime matrimonial de bens(comunhão de adquiridos), aquelas ações são um bem comum e enquanto nãofor efectuada a partilha, continuam a ser tituladas pela Autora, competindo aesta, e só a esta, exercer os respetivos direitos a elas inerentes, designadamente ode votar.

X - Como se referiu, na p.i. e neste recurso, nas relações com a sociedade,como diz Pinto Furtado no comentário ao artº 8º do CSC "sendo umaquota, por força do regime matrimonial de bens, comum aos dois cônjuges,é havido como sócio nas relações comerciais com a sociedade aquele que asubscreveu. Se posteriormente, o casamento vier a ser dissolvido, enquantonão se provar que houve, pela partilha, alteração da titularidade dessa quota,àquele sócio continuará a pertencer o exercício dos direitos inerente" XI - Igualmente, como se referiu na p.i. e neste recurso, como diz Coutinhode Abreu: "O ex-cônjuge meeiro não é sócio, sócio é o outro ex -cônjuge quecelebrou o contrato de sociedade ou por quem a participação social adveioposteriormente ao casal. O ex-cônjuge sócio, à forciori, também não pode sero representante comum. O ex-cônjuge do sócio, é sim, contitular da vertentepatrimonial da participação social até, pelo menos, à partilha dos benscomuns, onde essa participação social se integra.

XII - Assim, nas relações com a sociedade, é o titular da quota ou das açõesquem exerce o direito a elas inerentes.

XIII - Deste modo, sendo a Autora titular de 72.955 acções, apesar dedivorciada, competia-lhe exclusivamente, como titular dessas ações, exerceros direitos a elas inerentes, e não ao cabeça de casal.

XIV - Tinha, pois, a Autora o direito de, na Assembleia Geral da Ré, de 03 deJulho de 2014, nela participar e votar (artº 379º do C.S.C.).

XV - Sendo assim, ao contrário do decidido na decisão recorrida, a Autora éparte legítima.

XVI – Pelo que a douta sentença recorrida violou o art. 8º n.º 2 do Código dasSociedades Comerciais decisão recorrida fez-se uma errada interpretação dosartºs. 303º nº 1, 223º nºs. 1 e 5, do artº 323º, 222º nº1 e 303º do mesmo diplomae, ainda, uma errada aplicação do artº 2079º, e uma errada interpretação dosartºs. 2080º, 2083º e 2084º do C. Civil, XVII - e uma errada aplicação do artº 278º nº 1, al. d) do CPC.

Termina pedindo que seja dado provimento ao presente recurso, revogando-se ou anulando-se adecisão recorrida, julgando-se que a Recorrente (Autora) é parte legítima naação, devendo esta prosseguir os seus termos.

A Ré ofereceu contra-alegações que terminou com as seguintes conclusões: «A- As 72.955 ações de que a Autora se arroga ser titular, são ações ao portador que ao abrigo do disposto no art.º 1724°, al. b) deste Código, constituem um bem comum do casal.

B- Não tem a Autora a sua administração, não podendo, assim, exercer os direitos correspondentes à titularidade de tais ações. No qual se inclui o direito a requerer a anulação das deliberações sociais.

C- Com o termo da relação conjugal, nomeadamente por divórcio, as relações dos co-sócios e ex-cônjuges com a sociedade passam a regular-se pelo regime da contitularidade das participações sociais, até que essa contitularidade se mantenha- máxime até que seja decretada a partilha nos termos da qual a participação social seja adjudicada apenas a um dos ex-cônjuges, embora ressalvando, em caso de inventário, as normas que atribuem ao cabeça-de-casal poderes de administração dos bens comuns.

D- Não se aplica o estipulado no art. 8° do Código das Sociedades Comerciais, pois é pressuposto da sua aplicação a existência da relação conjugal, que no caso concreto já não existe.

Termina pedindo que seja negado provimento ao recurso e a recorrente condenada como litigante de má-fé.

*Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

*II. Fundamentação.

  1. O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 CPC), salvo questões do conhecimento oficioso não transitadas (artigo 608.º, n.º 2, in fine, e 635.º, n.º 5, CPC), consubstancia-se nas seguintesquestões a decidir: - Modificação da al. A) dos factos assentes.

- Da Legitimidade da Autora.

*2. Fundamentos de facto exarados na decisão recorrida.

  1. A A. e CC são contitulares de 72.295 acções da R. “BB, S.A.” B) A A. encontra-se divorciada de CC, estando...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT