Acórdão nº 2007/12.6TJVNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 29 de Outubro de 2015
Magistrado Responsável | ANA CRISTINA DUARTE |
Data da Resolução | 29 de Outubro de 2015 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO M.., por si e na qualidade de representante legal do seu filho menor R.. e J.., deduziram ação declarativa contra “.. – Companhia de Seguros, SA” pedindo que a ré seja condenada na liquidação total do crédito hipotecário n.º 61002253517, pagando à C.. a totalidade do capital em dívida seguro através do contrato de seguro titulado pela apólice n.º 5031280/000044 CA Vida e que seja condenada a reembolsar à autora M.. todas as prestações mensais que esta pagou desde o falecimento do marido, as quais, na data, ascendiam a € 12.142,71, bem como todas as prestações que a autora M.. venha a pagar futuramente até que a ré liquide o capital seguro, sendo ainda condenada a entregar às autoras M.. e J.. e ao autor R.., o capital remanescente no valor de € 6078,94, tudo acrescido de juros à taxa legal supletiva de 4%, vencidos e vincendos até efetivo pagamento do valor do capital seguro, ascendendo os já vencidos a € 1873,08.
Alegaram, em síntese que a primeira Autora e o seu marido, A.., celebraram com a C.. um contrato de mútuo com hipoteca, tendo para o efeito contratado um seguro de vida junto da Ré, posteriormente alterado em 2007, a sugestão dessa instituição bancária, e contraído junto da Ré. Mais alegaram que, no dia 16 de Novembro de 2009, veio a falecer o marido da primeira Autora em consequência de um enfarte do miocárdio, após que a Autora accionou o referido seguro com vista à liquidação de tal mútuo, mas a Ré recusou o respectivo pagamento, tendo então a Autora continuado a pagar as prestações do aludido empréstimo.
Contestou a ré invocando a nulidade do contrato de seguro por o respetivo subscritor ter omitido deliberada e intencionalmente informações importantes relativas ao seu estado de saúde, tendo prestado falsas declarações que influíram na avaliação do risco efetuada pela ré, que não teria aceite celebrar o dito contrato se soubesse da real situação clínica do falecido.
Replicaram os autores para dizer que não houve qualquer má fé ou intenção de omitir qualquer doença que, para o falecido se reportava, apenas, a “azias e enfartamentos” que lhe pareceram irrelevantes (ao mesmo tempo que comunicou uma operação a uma hérnia), para além de que o enfarte do miocárdio de que veio a falecer, nenhuma conexão tem com a esofagite de que padecia. Finalmente, alegam que nenhuma informação foi prestada aos autores pela ré, relativamente ao contrato subscrito. Subsidiariamente, formulam pedido no sentido de, caso se venha a concluir pela nulidade do contrato, seja a ré condenada a restituir os prémios pagos pelo falecido, desde a celebração do contrato até à data em que ocorreu o óbito.
Treplicou a ré para dizer que o falecido agiu de má fé, pelo que a ré tem direito a ficar com o prémio pago.
Foi admitida a intervenção principal provocada da C.. que apresentou o seu articulado onde defende a inoponibilidade à chamada da nulidade invocada pela ré, pedindo a condenação desta no pagamento de € 54.398,00, conforme liquidação que efetua.
Contestou a ré, mantendo o já alegado.
Foi admitida a alteração do pedido e da causa de pedir a título subsidiário.
Foram definidos os factos assentes e a base instrutória.
Teve lugar a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença, cujo teor decisório é o seguinte: “Pelo exposto, decido: 1 - julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência: a). condenar a Ré .. – Companhia de Seguros, S.A. a proceder à liquidação do crédito hipotecário n.º 61002253517, pagando à Interveniente C.., CRL, o capital em dívida até ao limite máximo de € 65.000,00 (sessenta e cinco mil euros); b). condenar a Ré .. – Companhia de Seguros, S.A. a pagar à Autora a quantia de € 9.674,48 (nove mil, seiscentos e setenta e quatro euros e quarenta e oito cêntimos), acrescida do valor correspondente às prestações mensais por esta pagas à Interveniente C.., CRL, em cumprimento do contrato referido em I.6, desde 12 de Junho de 2012 e até integral liquidação do capital nos termos constantes na antecedente alínea a)., tudo acrescido de juros moratórios, vencidos e vincendos, calculados às taxas sucessivamente emergentes do disposto no artigo 559º do C. Civil, desde 16 de Novembro de 2009 e até integral pagamento; c). condenar a Ré .. – Companhia de Seguros, S.A. a pagar aos Autores o capital seguro remanescente, no valor máximo de € 6.078,94 (seis mil e setenta e oito euros e noventa e quatro cêntimos), acrescido de juros moratórios, vencidos e vincendos, calculados às taxas sucessivamente emergentes do disposto no artigo 559º do C. Civil, desde 16 de Novembro de 2009 e até integral pagamento; 2 – julgar improcedente o pedido formulado pela Interveniente C.., CRL e, em consequência, dele absolver a Ré.
Custas a cargo da Ré .. – Companhia de Seguros, S.A., suportando a Interveniente C.., CRL, as custas na parte em que decaiu no pedido por si deduzido (ou seja, em € 5.073,75)”.
Discordando da sentença, dela interpôs recurso a ré, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes Conclusões: I. O contrato de seguro em causa nos presentes autos é nulo nos termos do art.º 429.º do Código Comercial, por terem sido prestadas falsas declarações pelo Segurado no momento da respetiva celebração, pelo que deveria a ora Recorrente ter sido absolvida do pedido.
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Deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto respeitante aos itens II.6 e II.7 dos factos não provados, dando-se, pelo contrário, como provado que “Aquando do preenchimento da declaração de adesão e do questionário anexo, A.. foi informado pela R. do significado da expressão “omissões e declarações inexactas ou incompletas” referidas em I.16” e que o mesmo “foi informado que a verificação de eventuais “omissões e declarações inexactas ou incompletas” referidas em I.16 a I.18. poderiam gerar a anulação do contrato de seguro”.
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Tais factos resultam, expressa e inequivocamente, não só das declarações prestadas por escrito pelo próprio A.. na Declaração Individual de Adesão, que, na parte final, contém uma Declaração de Saúde, e no Questionário Clínico [cfr. factos provados n.º 13., 14. e 15.] subscritos pelo mesmo para efeitos de contratação do seguro em causa nos presentes autos, como resultam também do depoimento do funcionário da 2.ª Ré P.. (registado e disponível no sistema Habilus Media Studio e em ficheiro informático com a designação 20150120094149_334903_2870527), que estava presente nesse momento, e que acompanhou todo o preenchimento da documentação necessária para o efeito preenchendo a documentação de acordo com as instruções dadas pelo referido A.. e cujo depoimento foi convicto, seguro, espontâneo, credível, imparcial, desinteressado e pormenorizado.
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A anulabilidade do contrato, prevista no art.º 429.º do Código Comercial, não comporta a exigência da verificação de nexo causal entre os factos a que respeitam as falsas declarações e o sinistro, in casu a causa da morte do segurado (cfr. Acórdãos do STJ de 08.05.2013, proferido no proc. n.º 1147/09.3TBBJAM.S1, de 25.02.2014, proferido no proc. n.º 1107/08.1TBMGR.C2.S1, e de 27.03.2014, proferido no proc. n.º 2971/12.5TBBRG.G1.S) V. Considerando que a Recorrente apenas veio a ter conhecimento da nulidade do contrato de seguro quando recebeu a informação clínica de 26.12.2009, e que enviou a carta aos herdeiros do mesmo invocando tal nulidade a 09.02.2010 (menos de um ano depois), e que, bem assim, se defendeu por exceção nos presentes autos invocando – precisamente – a nulidade do contrato, deve considerar-se que a anulabilidade foi correta e atempadamente arguida, designadamente para os efeitos do art.º 287.º, n.º 2, do Código Civil.
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Um negócio não se pode considerar cumprido enquanto subsistirem incumpridas a obrigação ou obrigações dele emergentes – ou incumprida, pelo menos, a obrigação do contraente interessado na anulabilidade (cfr. acórdão do STJ de 27.11.2002 proferido no processo n.º 03B1475).
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Num contrato de seguro, enquanto a seguradora não proceder ao pagamento das prestações a que se vinculou, não se pode considerar o contrato cumprido, (cfr., designadamente, acórdão do STJ de 24.04.2007, proferido no processo n.º 07S851 e acórdão do STJ de 21.04.2009, proferido no processo 639/09, da 6.ª Secção e Acórdão desse douto Tribunal da Relação de Guimarães de 19.10.2010, proferido no processo n.º 715/06.6TBVLN.G1, onde se conclui que “Enquanto o contrato de seguro anulável não se mostrar cumprido, a anulabilidade pode ser oposta a todo o tempo por via de exceção, nos termos gerais do direito processual, de harmonia com o preceituado no artigo 287º, nº2 do Código Civil ”).
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Não tendo os Recorridos, em momento algum, invocado a caducidade do direito da Recorrente à anulação do...
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