Acórdão nº 498/12.4TTVCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 26 de Fevereiro de 2015

Magistrado ResponsávelMOIS
Data da Resolução26 de Fevereiro de 2015
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães I – RELATÓRIO Apelantes: A… e L… (autor).

Apelados: E…, SA, J… e E… (sgps), SA (ré).

Tribunal Judicial da comarca de Viana do Castelo, Secção Trabalho, J2.

  1. Os AA. vieram intentar ação de processo comum contra os RR., pedindo a sua condenação: O A. A…: - a reintegrá-lo ou a pagar a indemnização no valor de € 1.354,06; - a pagar-lhe a quantia de € 1.326,42 de proporcionais de férias e subsídio de férias; - a pagar-lhe a quantia de € 663,21 de proporcionais do subsídio de Natal; - a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da presente sentença; - a pagar-lhe a quantia de € 129.990,00 a título de retribuições que deixou de auferir nos três anos de duração do contrato; - a pagar-lhe a quantia de € 100.000,00 de indemnização por danos de natureza não patrimonial; - a pagar-lhe a quantia de € 28.035,00 a título de lucros cessantes; O A. L…: - a reintegrá-lo ou a pagar a indemnização no valor de € 4.286,85; - a pagar-lhe a quantia de € 4.241,78 de proporcionais de férias e subsídio de férias; - a pagar-lhe a quantia de € 2.120,89 de proporcionais do subsídio de Natal; - a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da presente sentença; - a pagar-lhe a quantia de € 371,771,04 a título de retribuições que deixou de auferir nos três anos de duração do contrato; - a pagar-lhe a quantia de € 100.000,00 de indemnização por danos de natureza não patrimonial; - a pagar-lhe a quantia de € 65.700,00 a título de lucros cessantes; Ambos os AA. pedem ainda a condenação dos RR. no pagamento de juros de mora, à taxa legal.

    Procedeu-se à realização de audiência de discussão e julgamento e de seguida foi proferido despacho de decisão da matéria de facto, o qual não sofreu reclamações.

    Foi proferida sentença que decidiu julgar totalmente improcedente a ação e absolver os RR. do pedido.

  2. Inconformados, vieram os AA. interpor recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: 1.ª A tese consagrada na sentença da 1.ª instância no sentido de que o empregador, durante o período experimental, pode despedir o trabalhador livremente, ou seja, por qualquer outro motivo que não o seu desempenho profissional, desde que tal motivo não seja direta e absolutamente proibido por lei, é por completo errónea. Com efeito, 2.ª O período experimental consagrado no art.º 111.º do Código do Trabalho é um instituto que coloca o trabalhador numa posição de extrema vulnerabilidade e em verdadeira "rota de colisão" com a garantia da segurança no emprego, consagrada no art.º 53.º da CRP.

    1. Por isso, ainda que admitindo um período de tempo para o empregador verificar qual é o desempenho profissional do trabalhador e como se insere ele na comunidade organizativa, a Ordem Jurídica portuguesa não pode tolerar que o mesmo período experimental possa servir, não para esta finalidade, 4.ª Mas para permitir, por exemplo, verdadeiros despedimentos coletivos ou por extinção de postos de trabalho mas sem obrigação de fundamentação dos mesmos despedimentos, da demonstração da veracidade dos respetivos fundamentos, de adoção dos adequados procedimentos formais e do pagamento da competente indemnização.

    2. A liberdade do uso pelo empregador do direito de denúncia do contrato de trabalho durante o referido período experimental não é total nem absoluta, nem pode ser isenta de apreciação e julgamento jurisdicional, 6.ª Razão por que se se demonstrar - como sucede inquestionavelmente no caso dos autos - que a denúncia teve por base razões (que até podem ser formalmente lícitas e assentes em factos alegadamente verdadeiros) que são inteiramente estranhas à verificação da aptidão e qualidade do trabalho, verifica-se ou um inquestionável abuso de direito ou a interpretação e aplicação do citado art.º 111.º do CT numa vertente normativa em que o mesmo padece de óbvia inconstitucionalidade material, por violação do preceito e princípio da segurança no emprego, consagrado no art.º 53.º da CRP, 7.ª Pelo que o ato em causa - praticado ou em completa oposição ao fim económico e social para que a Ordem Jurídica concede o direito à sua prática ou em aplicação de norma materialmente inconstitucional - é nulo e de nenhum efeito, com a consequente ilicitude do despedimento dos trabalhadores. Por outro lado, 8.ª Mesmo a factualidade dada pela sentença recorrida como demonstrada nos autos demonstra que a conduta das RR. violou o basilar princípio da boa fé, consagrado nos art.ºs 227° e 762.º do CC, contrariando de forma por completo ilícita as legítimas expetativas que com a sua conduta haviam fundadamente criado nos AA ..

    3. Não é nem pode ser considerado risco obrigatoriamente a ter em conta por uma das partes de um contrato de trabalho que a outra parte seja, por determinação do seu acionista único, obrigada a pôr abruptamente termo ao contrato de trabalho, apenas e tão só porque o novo Governo decide extinguir e liquidar e Empresa empregadora.

    4. Mas mesmo que assim fosse, então é óbvio que as consequências para que seria suposto, à luz da conduta exigível ao homem médio colocado na posição dos AA., que estes devessem estar prevenidos seriam as próprias do processo de extinção e liquidação da empresa, com o pagamento de todas as remunerações até ao momento da cessação dos contratos de trabalho e o pagamento das respetivas indemnizações (ou compensações de antiguidade).

    5. E a teoria da "contenção de custos", sobre não ter sido minimamente demonstrada nos autos, bem antes pelo contrário (dadas as despesas que, com a nova administração e nesta nova fase não só não diminuíram como até aumentaram) teria, quando muito, virtualidade para justificar um despedimento por justas causas objetivas, 12.ª Mas nunca por nunca um totalmente inesperado e injustificado despedimento "ad nutum" dos aqui AA..

    6. Deste modo, forçoso se torna concluir que a sentença recorrida procedeu a uma errada interpretação e aplicação da lei, consagrando uma vertente normativa do art.º 111.º do Código do Trabalho frontal, desnecessária, desproporcionada e inaceitavelmente violadora do preceito e princípio constitucional constante do art.º 53.º da CRP, 14.ª Padecendo assim de incontornável inconstitucionalidade material, a qual fica ora e aqui desde já arguida para todos os devidos e legais efeitos.

    7. Bem como consagrando a aceitabilidade do abuso do direito bem como da violação do basilar princípio da boa fé, consagrado nos art.ºs 227.º e 762.º do Cód. Civil.

    Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, deve a decisão ora recorrida ser revogada, declarando-se a ação procedente com todas as consequências legais.

  3. Os RR.. responderam e concluíram que deve ser confirmada a sentença recorrida, a qual fez uma boa aplicação do direito aos factos provados, realçando que só estes podem ser tomados em conta e não outros alegados pelos AA. na apelação.

  4. O Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

  5. Colhidos os vistos, em conferência, cumpre decidir.

  6. Objeto do recurso O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso.

    As questões a decidir neste recurso consistem em apurar se: 1 – A denúncia dos contratos constitui abuso de direito e viola os princípios da boa fé ínsitos nos art.ºs 227.º e 762.º do Código Civil.

    2 – É inconstitucional a interpretação do art.º 111.º do CT, no sentido de que a denúncia dos contratos de comissão de serviço durante o período experimental pode ocorrer por razões estranhas à verificação da aptidão e qualidade do trabalho.

    II - FUNDAMENTAÇÃO

    A) Factos provados: 1 – A R. “E…” é uma sociedade que se dedica à construção e reparação navais, bem como ao exercício de todas as atividades comerciais e industriais com ela conexas, bem como às atividades de indústria e comércio de tecnologias militares; pode ainda desenvolver atividades de fabricação, construção e montagem de estruturas metálicas.

    2 – A R. “Em…” é a holding das indústrias portuguesas de defesa, cuja atividade consiste na gestão de participações sociais detidas pelo Estado em sociedades ligadas direta ou indiretamente às atividades de defesa.

    3 – O capital social da R. “E…” é detido a 100% pela R. “Em…”.

    4 – Por deliberação da “Em…” de 16/8/2011, o R. J… foi indigitado Presidente do Conselho de Administração da R. “E…”, exercendo as referidas funções desde então, juntamente com os restantes membros nomeados para a administração da R. “E…”.

    5 – Nos últimos anos, a R. “E…” tem vindo a sofrer uma acentuada quebra da sua atividade e, consequentemente, das suas receitas, evolução essa que colocou a empresa numa situação economicamente difícil.

    6 – Em 2009, a R. “E…” tinha uma situação liquida negativa de 25 milhões de euros; em 2011, essa situação liquida negativa era de 125 milhões.

    7 – Perante esta situação, foi encomendado e elaborado no início de 2011, por um consultor internacional (A…), um projeto de viabilização da R. “E…”, o qual, entre outras coisas, passava pela diminuição dos custos fixos (diminuição do número de trabalhadores) e a introdução de uma nova estrutura diretiva (com a admissão de novos colaboradores para essa estrutura).

    8 – Em todo o caso, ao longo de todo este tempo, os cenários em discussão para o futuro da R. “E…” foram sendo os mais variados, indo desde o encerramento da empresa à sua manutenção nos mesmos exatos moldes.

    9 – Os responsáveis da R. “E…” tinham esperança no sucesso da implementação do projeto referido em 7), embora estivessem cientes das dificuldades e dos riscos de fracasso.

    10 – O referido plano de viabilização veio a ser aprovado pelo então Secretário de Estado do Tesouro e Finanças em 3 de junho de 2011.

    11 – Aquando da tomada de posse do novo governo (21 de junho de 2011), o Ministro da Defesa suspendeu a aplicação...

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