Acórdão nº 880/15.5T8VNF-B.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 24 de Setembro de 2015

Magistrado ResponsávelJORGE TEIXEIRA
Data da Resolução24 de Setembro de 2015
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

Recorrente: AAA e BBB.

Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, Instância Central – Secção de Comércio.

Nos presentes autos de insolvência de pessoa singular, viram os Insolventes AAA e BBB, no requerimento inicial, declarar pretenderem a exoneração do passivo restante, nos termos do disposto no artigo 235.º e segs. do CIRE.

Por decisão proferida nos autos, o tribunal “a quo”, ao abrigo do disposto no referido art. 238.º, nºs 1, al. d), do CIRE, indeferiu o pedido de exoneração do passivo.

Inconformada com tal decisão, dela interpuseram recurso os Insolventes, de cujas alegações extraíram, em suma, as seguintes conclusões: “1º- A exoneração do passivo restante é um regime particular de insolvência que redunda em benefício das pessoas singulares, com vista à obtenção do perdão da quase totalidade das suas dívidas remanescentes, mas que não tem por objectivo específico as dívidas da massa insolvente, representando um desvio enorme na finalidade, última do processo de insolvência, da satisfação dos interesses dos credores.

  1. - No caso em concreto dúvidas não se colocam de sob o aqui insolvente não recair o ónus de apresentação à insolvência nos termos do artigo 18º n. º 2 do CIRE.

  2. - O deferimento do pedido de exoneração do Passivo restante depende da não verificação cumulativa dos requisitos taxativos previstos no n. º 1 do artigo 238º do CIRE.

  3. A alínea d) do n. º 1 do artigo 238º do ClRE exige para o indeferimento com fundamento na mesma o preenchimento de três requisitos cumulativos.

    I) O devedor ter incumprido o dever de apresentação à insolvência i. Com prejuízo para os credores ii. E sabendo ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da situação económica.

    Ou II) Não estando obrigado a se apresentar, se tiver abstido dessa apresentação nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência i. Com prejuízo para os credores ii. E sabendo ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da situação económica.

  4. - Os requisitos previstos na alínea d) do artigo 238º do CIRE constituem factos impeditivos do direito à exoneração dos aqui Apelantes.

  5. - Porquanto, não se verificam, no caso em concreto, cumulativamente, desde logo padece de insuficiências ao nível da concretização efectiva dos prejuízos, considerando como tais, única e exclusivamente os juros de mora.

  6. - Sendo conditio "sine quo non" do vencimento de qualquer obrigação pecuniária a existência de juros então o indeferimento do pedido de exoneração do passivo restante, seria como que uma consequência inultrapassável.

  7. - Desde logo o aqui insolvente não tomou real consciência da verificação da situação de insolvência no momento em que foi declarada a insolvência da "Barbosa e Lopes Construções Lda. - Obras Públicas", isto porque, apenas era gerente de direito e porque entre a declaração da insolvência e a liquidação dos bens da empresa mediou ainda um lapso de tempo considerável.

    Consequentemente compete aos credores a alegação e prova da verificação dos prejuízos, mormente, a comprovação efectiva do prejuízo sério causado aos credores.

    Os credores dos recorrentes tendo alegado tal prejuízo, não provaram, quaisquer factos concretos que permitissem demonstrar encontrar-se preenchido algum dos requisitos exigidos no n. º 1 do artigo 238º do CIRE.

  8. - Não se encontrando por isso preenchido o conceito normativo de “prejuízo” pressuposto da al. d) do n. º 1 do artigo 238º do CIRE.

  9. - Tal prejuízo não se presume nem decorre automaticamente do atraso na apresentação à insolvência.

  10. - Os juros moratórios não integram o conceito de prejuízo pressuposto da al. d) do n. º 1 do artigo 238º do CIRE.

  11. - O prejuízo a que se refere o artigo 238º n. º 1 al. d) do CIRE, deve ser irreversível e grave, como acontece com aquele que resulta da contracção de dívidas, estando já o devedor em estado de insolvência, da ocultação do seu património ou de actos de dissipação dolosa, constituindo um patente agravamento da situação dos credores, de modo a onerá-los pela atitude culposa do devedor insolvente, evidenciando que este não merece o benefício da segunda oportunidade ("fresh start").

  12. - Não pode deixar de considerar-se face à idade dos ora aqui recorrentes, ainda em início de vida e com um filho com 3 anos de idade, que os mesmos têm ainda na presente data perspectivas sérias da melhoria da sua situação económica.

  13. - Nem tão pouco os respectivos credores alegaram, sequer provaram, factos que contrariassem tais perspectivas dos Recorrentes, a não ser os juros moratórios que como vimos não integram o conceito de prejuízo na acepção do artigo 238Q n. º 1 al. d).

  14. - A decisão de indeferimento liminar da exoneração do passivo restante viola assim o disposto no n.º 1 do artigo 238º do CIRE.

  15. - Porquanto, não se verificam cumulativamente os pressupostos da al. d) do n.º 1 do artigo 238º do CIRE.

  16. - Ora não ocorrendo qualquer uma destas circunstâncias, de natureza cumulativa, e basta a não verificação de uma delas para que tal aconteça, deve o pedido ser, liminarmente, admitido”.

    * Não foram apresentadas contra alegações.

    * Colhidos os vistos, cumpre decidir.

    * II- Do objecto do recurso.

    Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, a questão decidenda é, no caso, a seguinte: - Apurar se se verificam ou não os pressupostos legais para o indeferimento liminar o pedido de exoneração do passivo restante formulado pela Insolvente Apelante, nos termos do artigo 238º, nº 1, al. d), do C.I.R.E..

    * III- FUNDAMENTAÇÃO.

    Fundamentação de facto.

    Além dos factos que constam do relatório que antecede, e com relevância para a decisão do recurso, consta da fundamentação de direito da decisão recorrida o que a seguir se transcreve: (…) Os requerentes AAA e BBB, vieram apresentar-se à insolvência, requerendo a exoneração do passivo restante.

    * Por sentença de 3.02.2015, foram declarados insolventes.

    * Pelo senhor administrador da insolvência foi elaborado o relatório a que alude o artigo 155.º do CIRE, dando parecer no sentido desfavorável à exoneração do passivo restante.

    * Na assembleia para apresentação do relatório, o credor CCC, pronunciou -se contra o deferimento do pedido de exoneração do passivo restante, aderindo, em suma, aos fundamentos apresentados pelo AI constantes do relatório apresentado.

    O Ministério Público requereu fossem verificados os pressupostos a que alude o disposto no Art. 245º, al. d) do CIRE.

    * Face aos elementos que agora constam dos autos, cumpre decidir.

    * Nos termos do disposto no art. 235.º do CIRE (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 200/2004, de 18 de Agosto, Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, Decreto-Lei n.º 282/2007, de 07 de Agosto e Decreto-Lei n.º116/2008, de 04 de Julho), “se o devedor for uma pessoa singular, pode ser-lhe concedida a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste”.

    Resulta do Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 53/2004 de 18 de Março que se está na presença do “princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a possibilidade de os devedores singulares se libertarem de algumas das suas dívidas e assim lhes permitir a sua reabilitação económica”, o chamado fresh start, concedendo-lhe a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não foram integralmente pagos no processo ou nos 5 anos posteriores ao encerramento deste, restando-lhe uma nova oportunidade de vida – cfr. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09-01-2006, proferido no processo n.º 0556158, na base de dados da DGSI.

    Tal exoneração traduz-se “na liberação definitiva do devedor quanto ao passivo que não seja integralmente pago no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao seu encerramento nas condições fixadas no incidente. Daí falar-se de «passivo restante»” – vide L.A. Carvalho Fernandes e João Labareda, in “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, Quid Juris, Lisboa, 2008, p. 778.

    Como consta dos artigos 236.º a 239.º do CIRE, a aceitação do pedido de exoneração do passivo restante depende da verificação de requisitos procedimentais e substantivos. Nos termos do disposto no n.º 3 do art. 236.º do CIRE, do requerimento do devedor referido no n.º 1 tem de constar expressamente “a declaração de que o devedor preenche os requisitos e se dispõe a observar todas as condições exigidas nos artigos seguintes”. Considera Assunção Cristas, in “Novo Direito da Insolvência”, Revista da Faculdade de Direito da UNL, 2005, que, para ser proferido despacho inicial, é necessário que o devedor preencha determinados requisitos e desde logo que tenha tido um comportamento anterior ou actual pautado pela licitude, honestidade, transparência e boa-fé no que respeita à sua situação económica e aos deveres associados ao processo de insolvência, aferindo-se da sua boa conduta, dando-se aqui especial cuidado na apreciação, com ponderação de dados objectivos “passíveis de revelarem se a pessoa se afigura ou não merecedora de uma nova oportunidade e apta para observar a conduta que lhe será imposta”.

    Se o pedido de exoneração não for liminarmente indeferido, o juiz profere um despacho inicial que determine que o devedor fica obrigado à cessão do seu rendimento disponível ao fiduciário durante o período da cessão, ou seja, durante os cinco anos posteriores ao encerramento do processo – artigo 239.º n.º 1 e n.º 2 do CIRE.O art.º 237.º do mesmo diploma, referindo-se aos pressupostos para a concessão efectivada exoneração do passivo restante, menciona, sob a al. a), como primeiro pressuposto, que “não exista motivo para o indeferimento...

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