Acórdão nº 636/14.2T8VVD-F.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 27 de Abril de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA DE F
Data da Resolução27 de Abril de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I- Relatório V,melhor ids. a fls. 6, instauraram a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra Massa Insolvente de F, igualmente melhor id. a fls. 6, por apenso ao respetivo processo de insolvência.

Pela procedência da ação peticionaram os AA.que seja declarada nula e ineficaz a declaração de resolução efetuada extrajudicialmente pela Administradora da Insolvência em benefício da massa insolvente e aos mesmosnotificada por carta datada de 30/01/2015 e recebida a 03/02/2015 relativamente ao contrato de compra e venda da fração autónoma identificada em 5º do requerimento inicial (r.i.), cuja escritura pública foi celebrada a 23/01/2014 entre o insolvente e a autora sua mãe.

Para tanto e em suma alegaram: - Inexistir prejuízo para a massa insolvente no negócio celebrado, no qual atuou de boa-fé, motivo por que contra si não pode operar a resolução comunicada por não verificados os requisitos do artigo 120º do CIRE, mormente a prejudicialidade e a má-fé; - Não tendo a carta resolutiva especificado os motivos da resolução, não cumpre os requisitos do artigo 121º do CIRE sendo por tal nula e ineficaz; - Tendo pelo negócio celebrado o insolvente se desonerado de um passivo de valor superior ao ativo que vendeu, inexiste qualquer desproporção ou excesso manifesto nas obrigações assumidas; - A resolução operada, mesmo que seja válida, é inoponível aos atuais “adquirentes” do imóvel enquanto transmissários ou adquirentes posteriores de boa-fé – Jorge Carvalho de Sousa e Andreia Vieira de Sousa - por via do contrato de arrendamento com os mesmos celebrados em 17/02/2014, nos termos do artigo 124º n.º 1 do CIRE.

* Devidamente citada a R., contestou a fls. 101 e segs., onde e em suma alegou: -terem os AA. atuado de má-fé a fim de prejudicarem os credores da massa insolvente, bem sabendo a situação ruinosa de seu filho pelo menos desde meados de 2012; - ter a carta de resolução a motivação exigida, em respeito pelo artigo 123º do CIRE.

No mais, impugnando a factualidade alegada, concluiu pela total improcedência da ação e pela validade e eficácia da resolução em benefício da massa insolvente comunicada, declarando-se nulo e sem efeito o contrato de compra e venda da fração autónoma de 23/01/2014.

* Foi proferido despacho saneador; identificado o objeto do litígio e elencados os temas da prova.

* Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou “a açãoimprocedente, mantendo a declarada resolução em benefício da massa insolvente”.

Do assim decidido apelaram os AA., oferecendo alegações e formulando as seguintes “Conclusões: 1. Vem o presente Recurso interposto da douta Sentença proferida no âmbito dos presentes autos, a qual declarou válida a resolução operada pela Senhora Administradora de Insolvência cessante, do negócio jurídico realizado entre a Recorrente mulher e o Insolvente, porquanto a mesma constitui uma errada interpretação dos factos e aplicação do Direito, conforme se pretende demonstrar.

  1. Na Sentença recorrida, entendeu o Tribunal a quo que a carta resolutiva enviada pela Administradora de Insolvência à Recorrente mulher cumpriu todos os requisitos legais para a sua efetivação e, além disso, em causa está um ato enquadrável numa das previsões do n.º 1, do artigo 121.º, do CIRE, concretamente a prevista na al. h), pelo que é de aplicar ao negócio celebrado entre aquela e o Insolvente o regime da resolução incondicional.

  2. O objeto do presente Recurso centra-se, assim, na douta Sentença recorrida, na parte em que: a) Entendeu que a predita resolução operada pela Sra. Administradora de Insolvência, através de carta registada com aviso de receção enviada para a Recorrente mulher, datada de 30.01.2015, obedeceu aos requisitos formais de conteúdo exigíveis para a sua efetivação, por conter a fundamentação mínima que, em seu entender, justifica a resolução do referido negócio; b) Considerou prejudicial à massa insolvente o negócio celebrado entre a Recorrente mulher e o Insolvente, por entender existir a presunção de prejudicialidade, inilidível, prevista no n.º 3, do artigo 120.º, do CIRE, por o predito negócio preencher a previsão da al. h), do n.º 1, do artigo 121.º, do CIRE; e c) Entendeu existir a presunção de má-fé na celebração do mencionado negócio, cujo ónus da prova para inverter tal presunção os ora Recorrentes não lograram cumprir.

  3. Os Recorrentes não se conformam com a douta Sentença recorrida, pois entendem que a mesma assenta numa errónea avaliação dos factos e de toda a prova produzida nos presentes autos, designadamente documental e testemunhal, e numa errónea interpretação de Direito, considerando, assim, que o pedido formulado deveria ter sido totalmente procedente, por provado, uma vez que, no desenrolar deste autos, foi obtida prova suficiente que lhe permita concluir pela declaração de nulidade da resolução operada pela Senhora Administradora de Insolvência, bem como pela inexistência de prejudicialidade e de má-fé do referido negócio.

  4. Atenta a matéria provada, entendeu a Meritíssima Juiz a quo que a carta em apreço e objeto dos presentes autos “cumpre, no que toca ao seu conteúdo, os requisitos mínimos de fundamentação que, em seu entender, justificam a resolução do negócio. Cumpriu-se a lei para além dos mínimos exigíveis (…) ”, o que, sempre salvo o devido respeito por melhor opinião, os Recorrentes não se pode, conceber.

  5. Da declaração resolutiva resulta claro que na mesma a Senhora Administradora de Insolvência limitou-se a comunicar a resolução, a identificar o ato jurídico afetado, o seu objeto e a data da sua celebração, nela se incluindo, para além da matéria factual, a invocação de diversos preceitos legais - totalmente desconhecidos para o cidadão comum - não fazendo qualquer ligação entre estes e a resolução que pretendia operar, não explicitando ou tornando claro qual o motivo daquela resolução, designadamente a prejudicialidade do referido ato para a massa insolvente e a eventual má-fé de terceiro.

  6. A declaração resolutiva efetuada pela Senhora Administradora de Insolvência mostra-se, assim, completamente omissa, entre outros, quanto ao preço do referido negócio e/ou ao valor do mercado do imóvel e/ou a quaisquer outras circunstâncias factuais que permitissem aos Recorrentes concluir pelo preenchimento do requisito da prejudicialidade, essencial à resolução do negócio.

  7. Como é consabido, apesar de o CIRE não especificar qual o grau de fundamentação necessário que deve constar na carta resolutiva ou até mesmo se ela deve existir, pois tal não resulta do disposto no artigo 123.º, do referido diploma legal, a doutrina e a jurisprudência dominante têm entendido que “a carta resolutiva deverá conter, ainda que sistematicamente, a motivação fáctica específica que origina a resolução do ato em benefício da massa insolvente, pois, tendo o terceiro o direito de impugnar o ato, através da ação prevista no artigo 125.º, este tem de conhecer previamente os concretos factos ou fundamentos que contra ele são invocados. – vide neste sentido Gravato Morais, in ob. cit., pág. 164. E Acs. Rel. Porto de 10.5.2011 e de 24.11.2011, disponíveis in www.dgsi.pt”, vide o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 04.06.2013, Proc. 354/12.6TBFND.K.C1, disponível em www.dgsi.pt.

  8. Assim, ainda que, tal como a Meritíssima Juiz a quo, se opte pela orientação mais moderada no que toca à fundamentação da declaração de resolução, não se pode olvidar que “sem pretendermos ser demasiado rigorosos no que concerne às exigências substanciais da carta resolutiva, pois a lei não impõe que mesma seja exaustiva quanto à explicação dos fundamentos que levam à resolução, tem, no entanto, de entender-se que tal carta carece de conter «factualidade suficiente» para fazer nascer o direito de resolução, a apreciar casuisticamente, pois a deficiência de fundamentação da declaração de resolução não pode ser suprida na contestação da ação de impugnação daquela resolução”, vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20.03.2014, Proc. 251/09.2TYVNG-L.P1.

  9. Com efeito, incumbia à Senhora Administradora de Insolvência indicar os factos concretos que fundamentam a resolução do contrato de compra e venda celebrado entre a Recorrente mulher e o Insolvente, bem como a prejudicialidade do mesmo, pois só dessa forma os Recorrentes ficavam em condições de poder impugnar a resolução, o que, conforme já supra mencionado, não se verificou.

  10. Na senda do invocado no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, já supra citado, “concordando, embora, que não é necessário que na carta resolutiva o AI transcreva o preceito legal em que fundamenta a resolução do negócio em benefício da massa – que para o efeito indica -, já não poderemos conceber que a mera indicação de tal preceito legal se mostre suficiente para permitir ao terceiro o direito de impugnar essa resolução, pois, sem conhecimento prévio dos pressupostos que fundamentam essa resolução, ainda que indicados de forma genérica e sintética, da qual se depreenda o porquê da decisão tomada, aquele não está habilitado a deduzir contra a mesma qualquer impugnação”.

  11. A missiva resolutiva apenas refere que “como deveria saber a alienação dos bens que constituem o património do Insolvente, ainda que através de uma escritura, constitui um ato prejudicial à Massa Insolvente”, “tal ato diminui, frusta, dificulta, impossibilita ou põe em perigo a satisfação dos credores do Insolvente” e “a nebulosidade invade a transação do edifício da posse dos V/ (s) familiar (s) para V. Ex.ª ”.

  12. Trata-se, aquela, de uma carta-tipo, da qual não resultam quaisquer factos concretos e específicos ao negócio que se pretende resolver.

  13. Assim, salvo melhor entendimento, a carta enviada pela Senhora Administradora de Insolvência à Recorrente mulher não chega a concretizar em que factos é que fundamentou a sua decisão de resolução, ou mesmo em que é que se...

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