Acórdão nº 1393/13.5TAVNF. G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 03 de Abril de 2017

Magistrado ResponsávelF
Data da Resolução03 de Abril de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

  1. RELATÓRIO No processo comum singular nº 1393/13.5TAVNF, da instância local de Vila Nova de Famalicão, secção criminal, juiz 1, da comarca de Braga, foi submetido a julgamento o arguido A. L., com os demais sinais dos autos.

A sentença, proferida a 11 de novembro de 2016 e depositada no mesmo dia, tem o seguinte dispositivo: «Parte Crime i) Absolver o arguido A. L. da prática dos crimes de burla qualificada e de falsificação de documento que lhe estavam imputados na acusação pública; ii) Absolver o arguido da prática do crime de ofensa a pessoa colectiva que lhe estava imputado na acusação particular.

Custas a cargo do assistente ... SA, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal – artigo 515.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal.

*Parte Cível Julgar totalmente improcedente o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante ... SA, absolvendo-se do mesmo o demandado A. L..

Custas a cargo da demandante – artigo 527.º, n.º s 1 e 2, do Código de Processo Civil.

*Notifique e deposite.»*Inconformada, a assistente … S.A., identificada nos autos, interpôs recurso, apresentando a competente motivação, que remata com as seguintes conclusões: «1. Na decisão proferida pelo tribunal “a quo”, cometeram-se graves erros na valoração da prova e na aplicação da matéria de direito.

  1. O tribunal não teve em consideração a data cronológica em que foram praticados os crimes, bem como, as circunstâncias subjacentes à celebração da transação, as quais foram explicadas na audiência de julgamento de forma espontânea e com absoluta razão de ciência pelo Administrador Único da recorrente e pela testemunha R. V..

  2. Foi explicado e ficou provado que a mencionada transação judicial celebrada em 2016 foi realizada com o propósito de evitar e reduzir os constrangimentos que a ... SA vinha sofrendo junto de clientes, fornecedores e instituições bancárias, quanto à concessão de crédito, bem como, para evitar que fosse indeferido o pedido de incentivo que a recorrente tinha em marcha no âmbito da QREN.

  3. A conclusão feita pelo Tribunal de que a relação laboral existente entre as partes não tinha qualquer relevância para apreciação dos factos em discussão nos autos, impediu que a ora recorrente produzisse mais prova demonstrativa da inexistência de contrato de trabalho, e é contrária à posterior decisão de absolver o arguido com fundamento na relação de trabalho alegadamente existente entre este e a sociedade assistente, por entender que, não existiu interesse e enriquecimento ilegítimo.

  4. Atenta a decisão do Senhor Juiz “a quo” no início da audiência de julgamento, sobre a matéria da conclusão anterior, impediu a assistente de produzir mais prova quanto ao referido facto, bem como, face às declarações da assistente e da testemunha R. V., não poderia o tribunal “a quo” ter considerado provado que entre a ... SA e o arguido tinha sido celebrado um contrato de trabalho, e absolver o mesmo dos crimes de que vinha acusado, pois, ficaram plenamente demonstradas as razões que estiveram subjacentes à celebração da transação.

  5. Relativamente a tal facto, deveria o tribunal ter considerado que entre o arguido e a assistente não existiu verdadeiramente uma relação de trabalho, uma vez que, ficou demonstrado, de forma clara e sem margem para quaisquer dúvidas, que a transação celebrada em 2016, no âmbito da já referida ação laboral, teve como fundamento terminar com os constrangimentos que a assistente vinha sofrendo junto de clientes, fornecedores e instituições bancárias, sendo ainda certo que, teve também como causa justificativa o facto da recorrente ter receio que tal incidente negativo pudesse comprometer a decisão de deferimento do pedido de incentivo que tinha apresentado no âmbito do QREN.

  6. Atenta a matéria factual dada como provada, não podia o tribunal “a quo” ter decidido pela absolvição do arguido da prática dos crimes de que vinha acusado, e ter julgado improcedente o pedido de indemnização civil formulado.

  7. Quanto ao crime de burla qualificada, não pode merecer qualquer acolhimento o entendimento do tribunal, segundo o qual, a conduta do arguido não preenche os elementos típicos do crime, pois, além de ser manifesto que o mesmo pretendeu obter um enriquecimento ilegítimo, a verdade é que, a disposição normativa em análise nem sequer exige que efetivamente se verifique tal enriquecimento, sendo suficiente a mera intenção de o obter.

  8. Mesmo que se entendesse que entre o arguido e a assistente tinha sido celebrado um contrato de trabalho, a verdade é que, nunca se poderia concluir que o mesmo não pretendeu obter um enriquecimento ilegítimo, e que os seus comportamentos não determinaram ninguém à prática de atos causadores de prejuízo, pois, o arguido só efetuou as referidas comunicações e declarações à Segurança Social, no dia 13 de dezembro de 2013, após o legal representante da assistente, lhe ter solicitado que abandonasse as instalações da empresa, ou seja, após ter cessado o alegado vínculo laboral, por força do também alegado despedimento.

  9. O arguido depois de ter deixado a empresa ora assistente na manhã do dia 13 de dezembro de 2013, fez-se constar na base de dados dos serviços da Segurança Social como funcionário da assistente, prolongando, assim, o seu vínculo laboral, com o intuito de beneficiar dos direitos inerentes a tal qualidade, com o correspondente prejuízo patrimonial da assistente e da Segurança Social, pois, conforme é consabido, quando mais tempo estivesse inscrito como trabalhador da assistente, mais benefícios teria, nomeadamente, no caso de futura reforma e subsídios, pois, registava mais dias de desconto do que aqueles que efetivamente tinha direito.

  10. Para além da intenção de obter um enriquecimento ilegítimo, através dos factos expostos, é também manifesto o prejuízo patrimonial da assistente, uma vez que, constando como seu trabalhador após ter abandonado as instalações da assistente, mais comparticipações à segurança social e impostos teve suportar.

  11. Verifica-se ainda a existência de prejuízo patrimonial da assistente quando teve de suportar o pagamento da quantia de € 592,33 referente às cotizações do mês de dezembro de 2013, quando tal valor não é proporcional aos dias em que o arguido alegadamente trabalhou na empresa assistente.

  12. O comportamento do arguido, além de configurar a prática do crime de burla, também consubstancia um crime de falsificação de documento, na medida em que, contrariamente ao que entendeu o tribunal “a quo” encontra-se preenchido o elemento subjetivo do referido tipo legal, porquanto o mesmo teve a intenção de obter um benefício ilegítimo.

  13. Também não pode colher o fundamento do tribunal “a quo”, para a sua decisão ao defender que o comportamento o arguido se baseou na obtenção de provas da existência da relação laboral, para no futuro, em caso de cessação do contrato de trabalho, ser mais fácil reclamar os seus créditos laborais e indemnizações alegadamente devidas em virtude da cessação do contrato de trabalho, pois, tal entendimento do tribunal, contraria frontalmente a ideia de justiça e os princípios e regras de direito, e é impulsionadora da justiça privada, sendo por isso de rejeitar em absoluto, sob pena de premiar o criminoso que leva a cabo uma atuação claramente violadora da lei penal.

  14. A decisão do tribunal “a quo” conduziu o processo a resultados totalmente irrazoáveis, na medida em que, deixou de censurar o comportamento de uma pessoa que imita a assinatura de outrem, para obter provas dos seus direitos, ao invés de recorrer aos meios legais e legítimos de obtenção de provas, nomeadamente através de uma ação de reconhecimento de existência de contrato de trabalho, prevista no artigo 186-K e seguintes do Código de Processo de Trabalho.

  15. A mesma decisão contraria igualmente os limites e as regras de meios de obtenção de provas previstas no Código de Processo Penal, pois, assim sendo, seriam admissíveis todos e quaisquer comportamentos, mesmo que criminosos, desde que tivesse como fundamento a obtenção de prova, o que não é de aceitar, por inadmissível.

  16. O arguido praticou o crime de burla qualificada e falsificação de documentos, pelo que, além de dever ter sido condenado pela prática de tais ilícitos criminais, é manifesto que devia ter sido julgado procedente o pedido de indemnização civil, pois, encontram-se verificados os elementos da responsabilidade civil pela prática de factos ilícitos, apreciados à luz do artigo 483.º do Código Civil, e, por essa razão, deveria o demandado ter sido condenado a pagar à demandante uma indemnização pelos danos que com a sua conduta lhe causou.

  17. A atuação do arguido é ilícita, por violação de diretos de personalidade, e é culposa pois era-lhe imposto que recorre-se aos meios legais para obtenção de prova.

  18. A atuação ilícita e culposa do arguido causou vários danos à recorrente, pois, como ficou demonstrado, a ação intentada pelo mesmo contra a ora assistente elevou o risco comercial da empresa, condicionando o acesso desta a créditos junto de instituições bancárias.

  19. Ficou provado, através do depoimento da testemunha R. V. e das declarações da assistente, que a partir do momento em que foi intentada a referida ação os fornecedores começaram a exigir garantias de pagamento dos bens fornecidos e reduziram as facilidades de pagamento em vigor, e por isso, a atuação do arguido causou um desequilíbrio financeiro na sociedade e afetou o crédito e a confiança que as entidades e instituições tinham nela, e por isso, encontram-se preenchidos os requisitos da responsabilidade civil por facto ilícito, e, assim sendo deve o demandado ser condenado a indemnizar a aqui recorrente.

  20. Pelo exposto, deverá a douta sentença recorrida ser substituída por outra, que faça bom uso daquelas normas e das demais, cujo douto e indispensável suprimento desde já se requer a V. Exas., condenando o Arguido pelo aludido crime e pelo pedido cível, visto os...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT