Acórdão nº 103/15.7T8ALJ-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 23 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelALCIDES RODRIGUES
Data da Resolução23 de Novembro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório 1.1.

No Juízo de Competência Genérica de Alijó do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, por apenso aos autos em que foi declarada a insolvência de MM, Lda, por sentença de 31/05/2017, proferida no apenso de reclamação de créditos, o Mmº Juiz a quo decidiu (cfr. fls. 477 a 483): - Que a credora/reclamante, Empresa A – Investimentos Imobiliários, SA, face à recusa pelo administrador da insolvência do cumprimento do contrato promessa meramente obrigacional celebrado com a insolvente, tem apenas direito a haver o valor do sinal prestado (110.000,00€), e não o sinal em dobro, nos termos do disposto nos arts. 104º, n.º 5 e art. 102º, nº 3, als. c) e d) do CIRE, igualmente não tendo direito à cláusula penal de 200€/dia fixada no contrato promessa.

- Que a indicada credora/reclamante não goza do direito de retenção sobre o imóvel a que se reporta o contrato promessa, sendo o seu crédito comum e não privilegiado.

- Graduar os créditos reconhecidos sobre o produto dos bens apreendidos (na parte que releva para o presente recurso) da seguinte forma: a) Pelo produto da venda do prédio urbano composto por prédio sem andares nem divisões suspeitáveis de utilização independente – armazém e atividade industrial, sito no …, Murça inscrito na respetiva matriz sob o art. … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Murça sob o n.º … 1) Os créditos reclamados pelos trabalhadores da insolvente, entre si em pé de igualdade (e proporcionalmente se disso for caso).

2) O crédito reclamado pelo Ministério Público, em representação da Fazenda Nacional, a título de IMI.

3) Os créditos hipotecários do Banco A, até ao limite do crédito garantido 4) O crédito reclamado Instituto de Segurança Social, IP, 5) Os créditos comuns, entre si em pé de igualdade (e proporcionalmente se disso for caso).

*1.2.

Inconformada com esta sentença, dela recorre a credora/reclamante, Empresa A – Investimentos Imobiliários, SA, pedindo que se revogue a decisão recorrida e que se declare que ocorreu incumprimento definitivo do contrato promessa por parte da insolvente, que tal incumprimento se verificou antes da declaração da insolvência e, consequentemente, devendo fixar-se o crédito da recorrente no dobro do sinal prestado (220.000,00 €), acrescido de 60.000,00€ a título de sanção pecuniária compulsória, mais se devendo reconhecer à mesma o direito de retenção por si invocado, tudo nos termos dos arts. 405º, 442º, nº 2 e 755º, nº 1, al. f) do Código Civil, assim se graduando o seu crédito, no valor global de € 280.000,00, como garantido e privilegiado (cfr. fls. 541 a 557).

A terminar as respectivas alegações formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem Todas as transcrições efetuadas respeitam o respetivo original, salvo gralhas evidentes e a ortografia utilizada.

): «1. Entende o tribunal a quo que não há incumprimento definitivo por parte da promitente devedora, ocorrendo, assim errada decisão da matéria de facto.

  1. Atento o teor do documento que ora se junta – doc. 1 – assim como o teor das declarações da testemunha J. S. e do gerente da insolvente nos excertos assinalados no corpo das presentes alegações, deve passar a dar-se como provados os seguintes factos: - Que a Apelante comunicou à devedora a data e hora e local de realização da escritura pública do contrato definitivo de trespasse.

    - Que a devedora não compareceu ao referido acto notarial.

    - Que foi feito um celebrado um aditamento ao contrato promessa, fixando um termo definitivo e resolutivo expresso por força do qual a celebração da escritura deveria ser realizada em, impreterivelmente, até 29/12/14.

    - Que, face ao exposto, a falta à escritura da promitente vendedora em 29/12/14 consubstanciou o incumprimento definitivo do contrato promessa, face à intimação para cumprir, como flui da Cláusula Quinta do aditamento ao referido contrato; 3. Face a esse incumprimento definitivo, a ora Apelante/promitente compradora tem direito à restituição do sinal prestado em dobro, nos termos do Art.º 442º n.º 2 CPC, bem como ao direito de retenção do imóvel que lhe foi entregue e que está na sua posse desde 03/12/04, data da celebração do supra referido Aditamento.

  2. Por todo o disposto, a aqui recorrente, tal como expressou na sua reclamação de créditos, no seu artigo 9º, perdeu o interesse que tinha na prestação, que não foi realizada dentro do prazo fixado, verificando-se, também por aí, o incumprimento definitivo, nos termos do disposto no artigo 808º, nº1 do Código Civil.

  3. A Sociedade MM foi declarada insolvente em 07 de Outubro de 2015, quase um ano depois da promitente devedora ter faltado à escritura, não sendo admissível considerar-se que uma situação de simples mora se prolongue assim no tempo, apenas sendo de considerar o incumprimento definitivo do contrato.

  4. De acordo com o instituto do direito de retenção e considerando que o beneficiário de promessa de transmissão ou constituição de direito real obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, goza de direito de retenção de acordo com a alínea f) do n.º 1 do art.º 755º do Código Civil.

  5. In casu, ficou dado como matéria de facto provada que houve tradição do imóvel para o promitente-comprador, em 03 de Dezembro de 2014, pela entrega das chaves, utilizando-o para uso privado, aí pagando os consumos de luz e electricidade.

  6. Para a constituição do direito de retenção não se exige sequer a declaração de incumprimento: é suficiente a tradição da coisa prometida vender, conjugada com a titularidade pelo promitente adquirente de um direito de crédito relativamente à contraparte.

  7. Havendo concurso de direito de retenção com outros créditos privilegiados, designadamente com a hipoteca, prefere o credor titular do direito de retenção sobre o imóvel, devendo o seu crédito ficar graduado antes do crédito hipotecário – Art.º 759º n.º 1 e 2 do Código Civil.

  8. De acordo com a orientação jurisprudencial do Tribunal da Relação de Coimbra assim como do Tribunal da Relação de Lisboa, é reconhecida a retenção ao beneficiário da promessa em que tenha havido transmissão ou constituição da promessa de direito real para quem a coisa objecto do contrato definitivo prometido tenha sido traditada, no tocante ao crédito resultante do não cumprimento dele pelo outro promitente. Deste modo, os pressupostos do direito de retenção do promitente adquirente são apenas estes: a traditio da coisa ou coisas, objecto mediato do contrato definitivo prometido; o incumprimento definitivo do contrato promessa pelo promitente alienante; a titularidade pelo promitente adquirente, por virtude desse incumprimento, de um direito de crédito.

  9. No que diz respeito à aplicabilidade dos artigos 102º e 106º do CIRE, o Administrador de Insolvência apenas pode optar pelo cumprimento ou não cumprimento do contrato promessa em mérito se o promitente-devedor estiver em mora no cumprimento. Havendo incumprimento do contrato anterior à declaração de insolvência, ao mesmo não deverá assistir a faculdade prevista no artigo 102º.

  10. In casu, uma vez que o incumprimento definitivo ocorreu anteriormente à declaração da insolvência, a recorrente tem direito ao dobro do sinal prestado e goza do direito de retenção como lhe é reconhecido pelos art.º 442º, nº 2 e 755º, nº 1 al f) do Código Civil, não tendo aplicação legal o disposto nos artigos 102º e 106º do CIRE.

  11. Assiste ainda à recorrente o direito a receber 60.000,00€ a título de sanção pecuniária compulsória, já que ficou dado como provado no ponto 5 que”… em caso de incumprimento, deste contrato promessa por causa imputável a qualquer uma das partes, ficará sujeito o faltoso à multa de 200,00€ (duzentos euros) por dia, ficando os não faltosos com direito a essa multa, até sanear os pagamentos e condições contratadas.

  12. Para além da restituição do sinal em dobro, dado que as partes expressamente consagraram, independentemente e para além daquele, uma cláusula penal (no referido ponto 5 do acordo) assiste à recorrente o direito de receber a aludida quantia de € 200,00/dia, verba que, como se refere na reclamação de créditos apresentada, ascendia à data da insolvência a € 60.000,00».

    *1.3.

    O Banco A, S.A. apresentou contra-alegações, fazendo constar no final as seguintes conclusões (cfr. fls. 523 a 527): «1. Vêm as presentes contra-alegações do recurso interposto pela sociedade EMPRESA A – Investimentos Imobiliários, S.A..

  13. Sucede, porém, que à credora não assiste qualquer razão, designadamente pelo facto de inexistir incumprimento definitivo anterior à data da declaração de insolvência do contrato-promessa de compra e venda por si celebrado.

    Vejamos: 3. A recorrente, em ordem a tentar demonstrar que o contrato-promessa celebrado se acha definitivamente incumprido, “dá uma no cravo e outra na ferradura” e ora argumenta que interpelou a insolvente para que esta cumprisse a sua prestação, ora alega ter perdido o interesse no cumprimento do contrato.

  14. No que respeita à (suposta) perda de interesse, a recorrente limita-se a alegá-lo, não oferecendo explicação concreta desse seu estado de alma, imprescindível à apreciação objectiva de uma tal perda de interesse.

  15. Pelo contrário, do por si trazido aos autos pode-se até retirar o oposto, pois que a recorrente/promitente-compradora afirma ter dado de arrendamento (se bem que à insolvente/promitente vendedora!) o imóvel prometido e, nessa sua versão, estará a colher as suas rendas.

  16. Por outro lado, não demonstra ter devida e formalmente interpelado a sociedade insolvente/promitente-vendedora.

  17. A recorrente, naquilo que cremos ser uma tentativa desesperada de obviar a essa total ausência de prova, vem com as suas alegações de recurso juntar um certificado emitido por Notária, datado de Junho de 2017 – ou seja, após prolação da decisão recorrida -, em que, entre o mais, se atesta que, em Dezembro de 2014, fora agendada uma escritura que não se celebrou por não ter comparecido a...

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