Acórdão nº 206/17.3T8VRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 23 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelRAQUEL BAPTISTA TAVARES
Data da Resolução23 de Novembro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I. Relatório Inconformado com a sentença que homologou o plano de recuperação o BANCO A SA interpôs o presente recurso, concluindo a sua alegação nos seguintes termos: “1. O regime jurídico do Processo Especial de Revitalização previstos nos arts. 17.º-A a 17.º-I do CIRE foi alterado pelo Decreto-Lei n.º 79/2017, de 30 de junho, o qual limitou a aplicação deste instituto a empresas, proibindo a sua aplicação a pessoas singulares.

  1. O referido diploma entrou em vigor em 01-07-2017 e aplica-se aos processos pendentes, conforme expressamente previsto no art. 6º “norma transitória”.

  2. Como tal, a sentença proferida em 04-07-2017, ao abrigo da legislação em vigor, não deveria ter homologado o plano, mas declarado a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.

  3. Neste sentido o Supremo Tribunal de Justiça teve já oportunidade de se pronunciar – doc.1.

  4. Em 29-06-2017, o aqui Recorrente requereu a não homologação do plano.

  5. Em 04-07-2017 foi proferida a sentença homologatória do plano, fundamentada unicamente na aprovação pela maioria dos créditos, não se pronunciando e não fundamentando as razões de facto e de direito quanto à procedência ou improcedência do requerimento de recusa de homologação do plano.

  6. Nos termos do art. 615.º n.º 1 al. b) e d) do CPC, ex vi art. 17.º do CIRE , é nula a sentença que “não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão” e que “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…)”.

  7. O processo especial de revitalização deu entrada em 10-02-2017; o prazo para negociações decorreu até 29-06-2017.

  8. O aqui Recorrente enviou carta aos Devedores a manifestar intenção de participar nas negociações, carta que os Devedores se recusaram a receber – vide requerimento de 30-03-2017.

  9. O aqui Recorrente apenas foi notificado, pela primeira vez, pelo mandatário dos Devedores, em 26-06-2017, pelas 23:14 horas, na qual lhe era dado conhecimento do plano já totalmente redigido sobre o qual apenas poderia limitar-se a imitir voto a favor ou contra, “impreterivelmente até às 18 horas do dia 28”.

  10. Por um lado, quanto ao aqui Recorrente, foi-lhe vedada a participação nas negociações, jamais foi consultado, jamais ocorreu um verdadeiro processo de negociação, ao contrário do pressuposto e que é corolário do processo especial de revitalização.

  11. Por outro lado, o plano apresentado, estrategicamente, prevê o pagamento das dívidas aos Credores cujo voto teria influencia na votação (Autoridade Tributária, protegida por normas imperativas e Credor Garantido com 72,13 % dos votos), enquanto aos demais credores, cujo voto não teria influência prática na aprovação ou rejeição do plano, foi proposto/imposto plano com perdão da quase totalidade da quantia em dívida – manietando, nestes moldes, o processo de revitalização! 13. Os Devedores, nem encetaram negociações com todos os Credores como seria suposto, nem atuaram de boa-fé na busca de uma solução construtiva que satisfizesse todos os credores. 14. Em clara violação do Primeiro e Segundo Princípios Orientadores da Resolução do Conselho de Ministros nº 43/2011, que, nos termos do art. 17.º n.º 10 do CIRE, regem as negociações no âmbito do Processo Especial de Revitalização. 15. Termos pelos quais deveria ser recusada a homologação do plano por violação não negligenciável das regras procedimentais, nos termos dos arts. 17.º-F n.º 5 e 215.º do CIRE.

  12. O plano proposto, prevê a seguinte diferenciação nos pagamentos: a) Quanto ao Credor Autoridade Tributária (salvaguardado por normas imperativas quanto ao conteúdo do plano): pagamento da totalidade da dívida, em 36 prestações mensais, início imediato após a aprovação (sem perdão de quaisquer valores, como custas, coimas ou juros); b) Quanto ao Credor Garantido, Banco B S.A. (com 72,13% dos votos): pagamento de 100% do capital, dos juros vincendos e das despesas associadas à dívida de “€ 2.441,52, a que acresce aquelas que forem devidas até à data do transito em julgado”, em 444 prestações mensais, com início em um ano; c) Quanto aos Credores Comuns: pagamento de 20% do capital, em 10 prestações anuais (não mensais) e com período de carência de 3 anos – com “perdão incondicional de 80% do capital”, com perdão dos juros de mora vencidos e vincendos e com o perdão de todas as despesas associadas às dívidas.

  13. Votaram a favor os Credores Autoridade Tributária e Banco B, votaram contra o plano os Credores Banco A, S.A. e Banco C, respetivamente, os credores que viram o pagamento da sua dívida garantia e os credores a quem se está a tentar impor o perdão da quase totalidade da dívida – vide requerimento de 07-07-2017.

  14. Ora, o princípio da igualdade é orientado pela máxima “tratar igual o que é igual, e tratar diferente o que é diferente”.

  15. Contudo, as diferenciações não são admitidas a qualquer preço, pois que o princípio da proporcionalidade e o princípio da proibição do livre arbítrio baliza, limita, estas diferenciações.

  16. E é desproporcional o plano que prevê o pagamento integral e mensal dos dois credores que reunião condições para, com a sua votação, influírem na aprovação ou rejeição do plano; enquanto aos Credores cujo voto não poderia ter qualquer influência na votação foi imposto – repete-se imposto – que se considerem liquidados mediante o pegamento de apenas 20% do capital, em prestações anuais e período de carência de 3 anos, “perdoando” 80% do capital, da totalidade dos juros e das despesas.

  17. Mormente é desproporcional quando tal plano é ditado exclusivamente pelo voto favorável dos Credores que não são afetados nas suas dívidas! 22. Configurando uma manifesta violação do princípio da proporcionalidade, o plano é inadmissível e deverá ser recusada a homologação do mesmo, nos termos dos arts. 17.º-F e 215.º do CIRE.

  18. Quanto à sua situação concreta, o aqui Recorrente foi-lhe reconhecido um crédito no valor de € 29.686,75, crédito esse garantido pela reserva de propriedade sobre o veículo automóvel da marca Volkswagen Passat e com matrícula CP.

  19. Por seu turno o plano prevê: - o pagamento de € 3.911,21 (20% do capital); - em 10 prestações anuais de 391,12; - vencendo-se a primeira no ano de 2020; - os Devedores continuam na posse do veículo e adquirirão a propriedade plena do mesmo nas condições apresentadas.

  20. Os mesmos Devedores que, apesar de se encontrarem economicamente debilitados, pretendem continuar a usufruir de um veículo automóvel manifestamente acima das suas possibilidades, nunca equacionaram entregar o veículo para reduzir a dívida e pretendem impor um plano de revitalização sem estares dispostos a abicar dos luxos a que se foram habituando – aliás, o que já vinha a acontecer na ação executiva a correr desde 2012, onde os Devedores têm vindo a obstaculizar a recuperação do veículo que usufruem sem procederem a qualquer pagamento! 26. Ou seja, nos termos do plano, o aqui Recorrente teria de esperar 13 anos para se ver ressarcido em €3.911,21, enquanto, não sendo aprovado o plano, é-lhe possível recuperar o veículo cuja propriedade reservou.

  21. A situação do plano é menos favorável ao aqui Recorrente, pelo que, jamais poderia ser homologado o plano, nos termos dos arts. 17.º-F n.º 5 e 216.º n.º 1 al. a) do CIRE.

  22. Finalmente, o aqui Credor não consentiu, opôs-se e não aceita o plano que importa que o seu crédito de €29.686,75 seja reduzido para €3.911,21, a pagar em 10 prestações anuais de €391,12 e período de carência de 3 anos! 29. Não pode aceitar ou consentir que Credores que não vêm sacrificadas as dívidas que lhes correspondem, ditem a aprovação de um plano que, contra a vontade expressamente manifestada pelo Recorrente, reduz o seu crédito a 20% do capital, implica um perdão – IMPOSTO - quase total do seu crédito! 30. Não pode um Credor ou Assembleia de Credores dispor do crédito do credor que não anuiu em reduzir o seu crédito, pelo que, ainda que não se revogue a sentença que homologou o plano de revitalização, o plano não deve ser oponível ao aqui Recorrente, por força do regime da ineficácia jurídica”.

Pugna o Recorrente pela integral procedência do recurso, com a consequente revogação da decisão recorrida.

Os Devedores contra alegaram pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção da decisão recorrida.

Foram colhidos os vistos legais.

Cumpre apreciar e decidir.

***II. FUNDAMENTAÇÃO 1.

Delimitação do objecto do recurso O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do Código de Processo Civil).

As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pela Recorrente e pela Credora quanto à ampliação do objecto do recurso, são as seguintes: 1.

Saber se a entrada em vigor do Decreto-lei n.º 79/2017 de 30 de Junho determina a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide; 2.

Saber se a sentença é nula nos termos do disposto no artigo 615º nº 1 alínea b) e d) do Código de Processo Civil, ex-vi do artigo 17º do CIRE; 3.

Saber se ocorre violação dos Princípios orientadores das Negociações; 4.

Saber se ocorre violação do Principio da Proporcionalidade; 5.

Saber se a homologação do plano deve ser recusada por o plano ser menos favorável ao Recorrente do que a ausência de qualquer plano; 6.

Saber se sendo de manter a homologação do plano este não deve ser oponível ao Recorrente por força do regime da ineficácia jurídica.

***III. FUNDAMENTAÇÃO A primeira questão que importa decidir no presente recurso consiste em saber se a entrada em vigor do Decreto-lei n.º 79/2017 de 30 de Junho tem por efeito determinar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.

A Recorrente...

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