Acórdão nº 908/09.8TBVVD.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 23 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelFERNANDO FERNANDES FREITAS
Data da Resolução23 de Novembro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

  1. RELATÓRIO I.- M. G. e M. C. intentaram a presente acção ordinária contra M. S. e M. P., pedindo, em síntese, que se declare que a favor dos prédios de que os AA. são usufrutuários e sobre o prédio dos RR. se encontram constituídos, por destinação de pai de família ou, caso assim se não considere, por usucapião, direitos de servidão de passagem carral, de pé posto e com alfaias agrícolas, destinadas a passagem a pé e de carro, com gados, alfaias agrícolas, carros ou tractores agrícolas ou com qualquer sorte de veículos de duas, quatro ou mais rodas, ligeiros ou pesados, todas as vezes que se necessite, de dia ou de noite, a qualquer hora e sem qualquer limitação temporal ou outra, quer para neles ingressar ou para deles sair para a via pública; que sejam os RR. condenados a retirarem tudo quanto obste ao exercício dessas servidões e a pagarem aos AA. uma indemnização pelos prejuízos que se vierem a liquidar em incidente próprio e ainda na quantia de dois mil e quinhentos euros, a título de danos não patrimoniais sofridos, acrescidos de juros moratórios, sendo que, para a eventualidade de os RR. não cumprirem a obrigação de prestação de facto infungível requerida em D) do pedido dos AA., deverá ser fixada uma sanção pecuniária compulsória por cada acto ou dia de incumprimento da decisão que vier a ser proferida e cujo montante não deverá ser fixado em valor inferior a € 100,00.

Os Réus contestaram, alegando que estão dispostos a custear as obras necessárias a que os acessos aos prédios dos AA. passem a realizar-se directamente através da via pública, sendo que, de qualquer forma, apenas existe uma servidão de passagem a onerar o seu prédio, a favor do prédio denominado “leiras A”, a qual é apenas pedonal e não igualmente carral, concluindo, em face do por si alegado, pela parcial procedência da acção, no sentido de que seja declarado que o prédio urbano pertença dos RR. se encontra apenas onerado por uma servidão de passagem pedonal para fins meramente agrícolas, para afrutar e desafrutar, semear e colher, sendo que o encrave dos prédios dos AA. apenas se mantém porque estes se negam a que os RR. construam, à sua custa, uma rampa para acesso à via pública.

F. G. foi, por decisão transitada em julgado, habilitado para prosseguir nos autos principais na qualidade de adquirente do prédio melhor identificado no artigo 1º, alínea a), da petição inicial, juntamente com os AA., que se mantêm usufrutuários do prédio melhor identificado no artigo 1º, alínea b), daquele articulado.

Os autos prosseguiram os seus termos vindo a proceder-se ao julgamento que culminou com a prolação de douta sentença que julgando a acção parcialmente procedente: - considerou “constituída, a favor do prédio aludido em 1. dos factos provados, uma servidão de passagem, a onerar o prédio dos RR. aludido no ponto 3. dos factos provados, a qual permite a passagem de pessoas a pé, com gados, alfaias agrícolas e tractores agrícolas, desde a via pública até esse prédio, através de um caminho, com cerca de dois metros de largura, de trilho calcado e, actualmente, cimentado, que, partindo do caminho público do lugar do …, penetra através de uma entrada com um portão em ferro que faz parte do prédio aludido em 3., sendo que o acesso ao prédio aludido em 1. se faz através do dito caminho, que apresenta uma bifurcação em direcção a tal prédio, numa extensão de cerca de 34 metros, através de uma rampa com trilho calcado e cimentado, com cerca de três metros de largura, encontrando-se o dito prédio separado do prédio dos RR. por duas cancelas em ferro e rede, com cerca de três metros de largura, todas as vezes que se necessite, sem limitação temporal”; - considerou “constituída, a favor do prédio aludido em 2. dos factos provados, uma servidão legal de passagem, a onerar o prédio dos RR. aludido no ponto 3. dos factos provados, a qual permite a passagem de pessoas a pé, com gados, alfaias agrícolas, tractores agrícolas e veículos automóveis de passageiros, desde a via pública até esse prédio, através de um caminho, com cerca de dois metros de largura, de trilho calcado e, actualmente, cimentado, que, partindo do caminho público do lugar do …, penetra através de uma entrada com um portão em ferro que faz parte do prédio aludido em 3., sendo que tal caminho atravessa, de nascente para poente, o prédio dos RR., pelo seu logradouro, em direcção ao prédio aludido em 2., numa extensão de cerca de 17 metros, até entrar neste prédio através de uma entrada (com dois pilares em cimento) com cerca de dois metros de largura, integrada num muro com cerca de meio metro de altura, aí edificado, todas as vezes que se necessite, sem limitação temporal”; - condenou os RR. a removerem o cadeado que colocaram numa das cancelas aludidas em 13., impedindo a entrada no prédio mencionado em 1.

- julgou improcedentes os demais pedidos formulados pelos AA. contra os RR.

Inconformados, trazem os Réus o presente recurso pedindo a anulação da decisão acima transcrita e das decisões interlocutórias que igualmente impugnam – a que convidou os Autores a corrigirem o pedido e a que deferiu o requerimento de rectificação -, determinando-se a baixa dos autos à 1.ª Instância para se averiguar da possibilidade do estabelecimento da ligação do caminho público aos prédios dos AA., ou então seja julgada parcialmente improcedente a acção, por falta de prova dos pressupostos essenciais à constituição da servidão ou servidões de passagem em causa, se não a de pé que foi reconhecida pela defesa na contestação.

Contra-alegaram os Autores propugnando para que se mantenha o decidido.

O recurso foi recebido como de apelação com efeito meramente devolutivo.

Colhidos que foram os vistos legais, cumpre decidir.

**II.- Os Apelantes/Réus fundam o recurso nas seguintes conclusões: 1ª.- Tem a apelação por objecto a sentença proferida no Tribunal a quo, tanto sobre a matéria de facto como a de direito, nos termos do disposto nos arts. 637º segs. NCPC; 2ª.- Mas tem também o recurso ora interposto por seu objecto a impugnação dos despachos interlocutórios que decidiram, um, o primeiro, pelo convite à autoria da acção a fazer uma invocada correcção ao pedido originário da acção, e o segundo, na sequência do primeiro e como seu corolário lógico, a aceitar e/ou determinar a aludida correcção, no sentido propugnado pelo próprio julgador da causa; 3ª.- E diga-se aqui desde já, no correr do ensejo, que tal actividade do julgador, por ter dado azo ou oportunidade a constituir-se uma autêntica modificação do resultado da acção sob a forma dispositiva do condenatório a final respectivo, com directa violação do disposto no art. 607º/1 NCPC, entre os demais princípios processuais que se acham consagrados na lei e são referidos no texto – v. contraditório, igualdade e auto-vinculação das partes, para além da estabilidade da instância, quanto ao pedido da causa - constitui uma nulidade que tem de vir a ser declarada e/ou suprida na acção mediante a sindicância que ora vai deferida ao tribunal superior, nos termos oficiosos respectivos e/ou por vinculação ao disposto nos arts. 195º ss. NCPC; 4ª.- Quanto à impugnação factual da causa, vão impugnados os factos dos itens 11º-19º da fundamentação factual positiva da acção, ou dos seus factos provados, com fundamento nos depoimentos de todas as testemunhas que depuseram em julgamento da causa, e consoante as passagens a que se deu o devido relevo no texto quanto à duração dessas gravações contidas nos autos da acção, nos termos ou segundo as exigências legais – v. art. 640º NCPC; 5ª.- Mediante essa impugnação propugna-se aqui que tais factos sejam julgados como parcialmente provados, na forma constante do texto, e/ou como não provados, respectivamente para os factos dos itens 11º-12º e/ou 13º-19º, em conformidade com aquelas respostas restritivas aos itens 11º e 12º determinantes ao resultado da causa; 6ª.- Já quanto aos factos, também impugnados, dados como não provados sob as alíneas d) e e) da fundamentação respectiva, propugnamos que os autos, ao abrigo do disposto nos poderes emergentes para o Tribunal ad quem pelo dispositivo do art. 662º/2 NCPC, devem baixar à comarca e Tribunal a quo para completamento da perícia que aí foi deixada incompleta e imperfeita, incompletudes essas que determinaram uma espécie de non liquet probatório acerca de aspectos de natureza técnica a que o Tribunal não há-de furtar-se e a cujo ónus as partes implicadas não têm como cumprir doutro modo, dada essa natureza técnica, pelo que impende sob o próprio Tribunal fazer uso dos poderes oficiosos a tanto, ao abrigo do disposto nos arts. 6º, 467º/1 e 547º NCPC, inter alia -, ao contrário do que é mesmo admitido nos fundamentos expressos, a propósito, na sentença e que se acham já citados no texto; 7ª.- Para além disso, que tem a ver com o eventual encravamento ou não dum dos prédios dominantes ou do seu conjunto uno e contíguo, e que é uma questão fulcral a decidir nos autos e deles foi arredada na sentença com tal fundamentação, a fixação do conteúdo do direito de servidão e das condições do seu exercício, deve ser dominada por um critério que atende sempre às exigências objectivas do proveito dele emergente para o prédio dominante; 8ª.- Na servidão de passagem por destinação do pai de família trata-se, no fundo, de estabelecer a relevância jurídica de actos de afectação de utilidades dum prédio em benefício doutro prédio, praticados pelo mesmo proprietário de ambos, e tudo isso não se acha devidamente investigado nem provado pela factualidade estabelecida na acção, importando ainda e sempre o uso dos poderes oficiosos do tribunal superior com vista ao aprofundamento das matérias excepcionais alegadas pela defesa na acção, e tudo ao abrigo do disposto no cit. art. 662º, como se requer e espera; 9ª.- É que um prédio encravante só pode ser um prédio rústico, nunca o prédio urbano que era a casa-mãe do fundiário ou imobiliário...

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