Acórdão nº 330/13.1TBCHV.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 16 de Novembro de 2017
Magistrado Responsável | JOS |
Data da Resolução | 16 de Novembro de 2017 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO A autora E. S.
instaurou, em 13-04-2013, no Tribunal de Chaves, acção declarativa de condenação sob a forma de processo sumário contra os réus J. P.
e M. P.
.
Pediu que: -Seja declarado nulo, ou, caso assim não se entenda, anulado, o testamento de Maria, feito em 09-11-2012, cuja cópia juntou; -Ou, ainda, caso assim não se entenda, subsidiariamente, declarar-se o mesmo falso; -Em qualquer dos casos, se ordene o cancelamento dos registos promovidos e a promover na Conservatória do Registo Predial a favor dos réus com base em tal testamento, e ainda, de qualquer outro registo que, posteriormente já tenha sido efectuado ou venha a sê-lo a favor de terceiro, com base nos registos promovidos pelos réus a seu favor, relativamente aos prédios urbanos referidos na petição que fazem parte da herança da falecida; -Condenar-se os réus a devolver à autora e restantes herdeiros desta todos os bens pertencentes à herança, com todas as consequências legais.
Alegou, parta tanto, em síntese, na petição, que, em 17-11-2012, faleceu a testadora, sua irmã Maria, no estado de viúva, sem ascendentes nem descendentes. Os réus arrogaram-se seus únicos e universais herdeiros, em função de testamento datado de 09-11-2012, cuja fotocópia certificada (datada desse mesmo dia), só após muita insistência e resistência, lhe entregaram e no qual assim foram instituídos.
Tal testamento é nulo, por não conter os requisitos essenciais, exigidos no Código do Notariado, à sua validade.
Com efeito: -O documento “não se encontra assinado pela testadora”; -Ele “não contém qualquer impressão digital” (itens 10 e 11); -Apesar de constar que não sabia assinar, ela “não apôs na margem do mesmo a sua impressão digital do indicador da mão direita, ou qualquer outra” (item 8), nem foi mencionada impossibilidade de proceder a tal aposição e respectiva causa, como é obrigatório por lei (item 9), pelo que “não pode traduzir, nem validar, qualquer declaração de vontade da testadora” (item 10); -estranhamente, não está assinado pelas testemunhas e abonadoras da identidade, nem consta por que motivo (item 11).
Acresce que a falecida Maria, apesar de há muito tempo saber que estava gravemente doente, nunca tinha manifestado o propósito de instituir os réus seus herdeiros. O testamento “não traduz a vontade” da testadora que não tinha ao tempo capacidade para entender e querer o sentido e alcance “do acto” (item 17), nem capacidade para se exprimir de forma clara, pois encontrava-se na Unidade de Cuidados Paliativos em estado terminal (sofrendo de neoplasia maligna, alterações de consciência, estados confusionais, não falando de forma clara e lúcida), “não tendo ditado os termos” dele constantes (item 18), “não tendo existido qualquer expressão de vontade da sua parte de forma cumprida e clara” (item 19). Daí a nulidade ou anulabilidade do testamento (artºs 2180º e 2199º, do CC).
Ainda nessa linha, subsidiariamente, e no alegado pressuposto de que há quem entenda, face aos factos anteriormente alegados, que o testamento, devido à força probatória plena do documento respectivo, não pode ser declarado nulo ou anulado, impugnou, “por falso”, o respectivo “conteúdo”.
Da herança fazem parte bens móveis, dinheiro existente em contas bancárias, títulos e obrigações nos Correios, um prédio urbano e outro rústico.
Juntou uma fotocópia de certidão (por fotocópia) do testamento (datada do próprio dia da sua outorga, ou seja, 09-11-2012) onde nenhuma impressão digital se vê.
Os réus contestaram, alegando que o testamento corresponde à vontade expressa da falecida já que eles foram as pessoas que em vida lhe prestaram todo o apoio de que necessitou. Ela não sabia assinar. Por isso, contém, no final, a impressão digital do indicador da sua mão direita, o que é perfeitamente visível no original depositado no Cartório e também, ainda que com menos nitidez, na cópia em posse do réus que juntam (datada de 22-11-2012). Foi “essa cópia” que entregaram à autora a quando da Missa de 7º Dia. Estranham que da cópia junta pela autora não seja visível a impressão digital, impugnando-a, por inexactidão mecânica e que ela, depois de sugerida para tal verificar junto do Cartório, nada tenha feito.
É certo que do testamento não constam as assinaturas das testemunhas, tal se devendo a lapso da Notária, mas elas estiveram presentes e assistido ao acto. Em 04-12-2012 as testemunhas em causa compareceram no Cartório onde confirmaram e ratificaram a sua presença no acto, do que a autora foi informada, assim o revalidando (al. d), do n.º1, do art. 70º, e al. e), do art. 73º, ambos do Cód. do Notariado).
Impugnam os factos relativos ao alegado estado de incapacidade da testadora, pois, durante o período em que esteve internada na Unidade de Cuidados Continuados (de 02 a 17-11-2012), nunca ela manifestou indícios de perturbações intelectuais, conforme atestado médico. Ela conhecia as pessoas, pronunciava-se de forma clara e lúcida, conversava fluentemente com as visitas. O testamento, assim, exprime e cumpre claramente a vontade da testadora que o ditou de forma lúcida e clara, entendendo perfeitamente o alcance e sentido da sua declaração.
Juntaram, além de outros documentos, cópia do Procedimento Simplificado de Habilitação de Herdeiros; fotocópia de certidão (por fotocópia) do testamento (datada de 22-11-2012), na qual nenhuma impressão se vê; e outra fotocópia de certidão (por fotocópia) do mesmo (datada de 04-12-2012) na qual se vê reproduzida uma imagem, ainda que ténue, do que aparenta ser a figura de uma impressão dactilar; A autora apresentou resposta à contestação.
Nesse articulado (inserto nos autos a fls. 69-74), além de refutar a defesa dos réus e de impugnar todos os documentos junto, alegou que a testadora “não apôs a sua impressão digital no testamento em causa nos autos” (item 12) e “impugna-se, por falso, o testamento […], uma vez que, além do mais, a impressão digital que consta do mesmo não foi aposta por Maria”.
A pretexto da “simplicidade da causa”, dispensou-se a audiência preliminar.
Em despacho subsequente (fls. 76), entendeu-se que na contestação “não foi alegada matéria de excepção, dela apenas constando uma impugnação motivada dos factos alegados na petição, tudo o que consta do articulado de resposta à contestação será considerado não escrito, salvo a impugnação do[s] documentos juntos com a contestação”.
Seguiu-se, sem mais, o saneador tabelar, dispensando-se a selecção da matéria de facto relevante também por “manifesta simplicidade”. Fixou-se em 5.000,01€ o valor da causa.
As partes arrolaram testemunhas, tendo a autora requerido a realização de exame pericial no LPC-PJ, com o fim de averiguar se a impressão digital constante do testamento original é a mesma do BI da testadora e se foi efectuada por esta e, ainda, se a fotocópia onde nenhuma impressão consta foi adulterada, com o que disse pretender “fazer prova de que a impressão digital em causa não constava do testamento original cuja cópia lhe foi entregue, não tendo, portanto, sido aposta pela sua irmã”.
A Perícia foi deferida, mas não pelo LPC-PJ, e fixado como seu objecto o indicado pela Autora Efectuou-se, então, a perícia no “Centro Médico-Legal, Ldª”, nos termos e com os resultados que os autos evidenciam (com exame complementar e sucessivos esclarecimentos), ficando sem efeito a realização da segunda, pedida pela mesma e ordenada ao “Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária”, devido à falta de pagamento (por qualquer das partes) do preparo para a despesa respectiva.
Realizou-se, em três sessões, a audiência de discussão e julgamento, nos termos e com as formalidades narradas nas actas, no seu decurso tendo sido inquiridas dez testemunhas.
No fim, com data de 21-03-2017, foi proferida a sentença que culminou em decisão que julgou improcedente, por não provada, a acção e absolveu os réus dos pedidos.
A autora não se conformou e apelou, apresentando-nos, para fundamentar o pedido de revogação da sentença, argumentos que sintetizou nas seguintes conclusões: “I - O presente recurso destina-se a impugnar, além do mais, a Douta Decisão proferida sobre a matéria de facto.
II - Salvo o devido respeito, existe um claro e notório erro de apreciação da prova produzida e junta aos autos, uma vez que da análise da mesma resulta claramente provado que: A testadora não apôs na margem do documento (testamento) a sua impressão digital do indicador da mão direita e não provados os pontos os pontos ns. 3., 9., 10., 14 dos factos dados como provados.
Na verdade, III – Analisada a Prova Pericial resulta evidente que a impressão digital aposta no testamento não é da testadora, sendo o resultado de “Pouco Provável”.
IV- Tal evidência é corroborada pelos depoimentos das testemunhas da Autora I. S. e C. A., que não seriam beneficiários da herança, que atestam que o testamento não continha qualquer impressão digital após o óbito da testadora.
V – E pelos depoimentos de M. S. e Dr.ª S. C., dos Réus, visto serem completamente contraditórios entre si e não serem credíveis dado violarem a lógica e normalidade.
VI - A testemunha M. S. (testemunha que estará estado presente) não tem dúvidas em afirmar que a testadora procedeu à aposição da impressão digital sentada num cadeirão, situa o testamento em Fevereiro quando o memso foi em Novembro.
VII - A testemunha Dra. S. C. (Notária) não tem dúvidas em afirmar que a testadora procedeu à aposição da impressão digital deitada numa cama.
VIII – Ficando assim evidente que pelo menos uma das testemunhas não esteve presente, sendo o testamento necessariamente nulo.
IX - A testemunha Dr.ª S. C. não teve qualquer dúvida em afirmar que verificou a identificação da testadora pelo Bilhete de Identidade, tentando justificar tal facto com uma suposta caducidade do Bilhete de Identidade.
X – Como se prova pelo Bilhete de Identidade da testadora junto a fls….dos autos o mesmo estava válido e conforme.
...Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO