Acórdão nº 1468/16/9.T8BGC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 16 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelANTERO VEIGA
Data da Resolução16 de Novembro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.

O MºPº, ao abrigo do disposto no art.º 15º-A da Lei nº 17/2009 de 14 de setembro e art.º 186º-K do C.P.T., na redação introduzida pela Lei 63/2013 de 27 de agosto, intentou Ação de Reconhecimento de Existência de Contrato de Trabalho contra “B”, pedindo que esta seja condenada a reconhecer a existência de contratos de trabalho com efeitos a 01/09/2011 celebrados com os seguintes trabalhadores: - “C”, “D”, “E” e “F”.

No essencial, alegou que na sequência de ação inspetiva realizada pela ACT nas instalações da Ré, foi constada a existência de indícios reveladores da prestação de atividade de enfermagem por parte dos referidos prestadores em condições caraterísticas de contrato trabalho, não obstante a forma aparentemente autónoma de tal prestação, já que os mesmos foram admitidos ao serviço mediante a celebração de com a Ré de contratos de prestação de serviços.

A Ré veio apresentar contestação, impugnando parcialmente os factos alegados e sustentando que o serviço de enfermagem é prestado pelos enfermeiros mediante pagamento à hora, de acordo com a disponibilidade destes, sem controlo de assiduidade, sem obediência a ordens da Ré, sendo que os enfermeiros “E” e “F” trabalham em hospital público e que todos estão conscientes de que celebraram com a Ré contratos de prestação de serviços, o que assim quiseram, nunca tendo reclamado da sua situação. Mais alega que razões de natureza financeira ditaram a opção pela celebração de contrato de prestação de serviços, dado que este tipo contratual gera menos encargos para a Ré.

Apenas o trabalhador “D” interveio nos autos, constituindo mandatário e apresentando articulado próprio, defendendo a qualificação como contrato de trabalho da relação laboral que manteve com a Ré.

Realizado o julgamento foi proferida decisão julgando totalmente improcedente a ação.

O interveniente inconformado interpôs recurso apresentando as seguintes conclusões: 1 – O Tribunal a quo considerou totalmente improcedente, por não provada, a presente ação, por entender que a recorrida logrou ilidir a presunção de laboralidade decorrente do facto de os enfermeiros prestarem a sua atividade em local a esta pertencente e com recurso a instrumentos de trabalho fornecidos pela mesma.

… 3 – Desde logo, deveria ter sido dado como provado que o recorrente foi contratado, pela recorrida, para desenvolver a atividade de enfermagem, estando afeto, primordialmente, ao lar “H”.

4 – Bem como que, o horário praticado pelo recorrente ao serviço da recorrida, foi por esta previamente determinado, quer no que diz respeito à hora de inicio e termo da atividade, quer aos dias em decorriam quer ao número de horas mensais.

5 – E ainda que, as trocas de dias de trabalho feita entre o recorrente e a sua colega estava previamente autorizada pela recorrida, através da diretora técnica do Lar “H”, que lhes indicou que deveriam trocar os dias de serviço desde que ficasse assegurado o serviço.

… 12 – Dando a mesa administrativa da recorrida instruções para o horário ser de manhã e distribuído equitativamente o número de horas de cada enfermeiro.

… 14 – Outrossim, o Tribunal a quo devia ter dado como provado que os enfermeiros auferem uma retribuição relativa a um número fixo de horas por dia previamente fixado pela recorrida, variando ao fim do mês mediante o número de dias em que trabalham.

… 16 – Acabando a esta última testemunha por admitir, no seu depoimento, que no que diz respeito ao lar que dirige o recorrente recebia sempre 20 horas, independentemente de trabalhar menos ou mais tempo.

17 – Por onde se deve concluir que o recorrente entrega, à recorrida, o exercício de uma atividade e não o resultado da mesma.

… 19 – Como também, não conseguiu demostrar a recorrida que os enfermeiros não estavam sujeitos ao seu regime disciplinar.

… 24 – … como resulta claro dos depoimentos, quer do recorrente, quer do representante legal da recorrida, aquele ainda tentou dar formação no IEFP, mas apenas durante um mês, por ser incompatível com os horários que a recorrida lhe impunha.

… 26 – Por outro lado, não se percebe que o Tribunal a quo tenha considerado provado que três dos quatro enfermeiros (excluindo o recorrente) nunca reclamaram terem um contrato de trabalho, mas não dá como provado que o recorrente o fez, e em diversas situações como resulta claro das suas declarações de parte e do depoimento da testemunha “M”.

27 – Bem como, não se concede, que o Tribunal a quo tenha dado como não provado que as diretoras técnicas dos estabelecimentos efetuam o registo de tempos de trabalho dos enfermeiros, quando o contrário resulta evidente dos documentos denominados “folhas de presenças de enfermagem” juntos aos autos pela recorrida.

28 – Com isto, o Tribunal tentou fazer uma adequação da matéria de facto à decisão final, ao invés de tomar uma decisão consonante com a prova produzida.

29 – Concluindo, mal em nossa opinião, que a recorrida logrou ilidir a presunção de laboralidade decorrente dos indícios verificados.

30 – Ademais, a decisão de primeira instância encontra-se em óbvia contradição com a seleção da matéria de facto dada, como não provada.

31 – Isto porque, faz assentar a sua decisão, principalmente, na falta de estipulação de horário por parte da recorrida, mas considera não provado o alegado pela recorrida em sede de contestação, relativamente a que os horários eram praticados pelos enfermeiros mediante a disponibilidade destes e não observavam horas de inicio e termo da prestação determinados pela recorrida.

32 – Ignorando o que ficou demonstrado, nomeadamente que o número de horas praticado, as horas de inicio e termo e o período do dia em que ocorria, foi determinado pela recorrida, única e exclusivamente na prossecução dos seus interesses e necessidades.

33 – E sem qualquer autonomia por parte do recorrente, nem sequer sendo levada em consideração a sua disponibilidade.

… 35 – Ainda assim, sem prescindir, dada a seleção da matéria de facto quer a considerada assente, quer a não provada, o Tribunal a quo deveria ter decidido em sentido contrário, reconhecendo a existência do contrato de trabalho entre a recorrida e a recorrente.

34 – Mesmo considerando que os enfermeiros organizavam trocas de serviço para poderem gozar férias, que emitiam recibos verdes, que não recebiam subsídio de férias nem de Natal e não lhes eram marcadas faltas, a decisão devia ser diferente.

35 – Porquanto, o facto de a recorrida determinar o número de horas de enfermagem, o período do dia em que eram prestadas, a ordem dos lares (propriedade da recorrida) pela qual se realizava, a propriedade dos instrumentos utilizados, tudo no seu interesse e com base nas suas necessidades, são indícios bastantes da laboralidade do contrato, devendo a mesma ser reconhecida.

36 – Neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 13/01/2016, disponível em www.dgsi.pt...

Em contra-alegações sustenta-se o julgado.

Colhidos os vistos dos Ex.mos Srs. Adjuntos há que conhecer do recurso.

***Factualidade: 1- A Ré tem por objeto social o apoio social para pessoas idosas com alojamento (CAE 87301).

2- E desenvolve tal atividade nos seguintes estabelecimentos da sua propriedade: Lar “S”…, Lar S.A. … Lar “H” (sito na Rua… , Lar S. S….

Lar “P” … “Centro… 3- Nos referidos estabelecimentos, por conta da Ré, prestam atividade de enfermagem, de forma ininterrupta, formando, em regra, equipas de dois, que se revezam mutuamente, os seguintes colaboradores: No Lar “H”, no Lar SS e no Centro; -Ana…, residente na …, desde 1/09/2011; - “D”, com o NIF … e residente na … desde 1/9/2011; No Lar “S” e no Lar SA, - “E”, com o NIF … e residente na Rua …, desde 2009; e - “F”, com o NIF … e residente na …, desde 2009.

No Lar S. P., a enf. Ana… 4- Os referidos enfermeiros prestam a sua atividade, utilizando os equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes à Ré e disponibilizados por esta.

5- Recebendo os mesmos uma remuneração variável em função do número de horas prestadas como contrapartida da atividade prestada, paga com periodicidade mensal, habitualmente por transferência bancária e anteriormente por cheque.

6- As suas funções consistem em prestar cuidados de enfermagem aos utentes, em várias circunstâncias, nos estabelecimentos da ré, administrar os medicamentos e tratamentos prescritos pelo médico, de acordo com técnicas reconhecidas na profissão, colaborar com os médicos e outros técnicos de saúde no exercício da sua profissão.

7- Quando os mencionados trabalhadores não podem comparecer para exercer a sua atividade de cuidados de enfermagem, avisam a Ré e fazem-se substituir pelo colega com quem trabalham em equipa.

8- Os referidos trabalhadores não têm férias marcadas, mas, quando pretendem ausentar-se do trabalho, coordenam-se com o colega com quem fazem equipa, organizando o trabalho entre eles de modo a assegurar a continuidade dos serviços de enfermagem.

9- Aquando da sua admissão ao serviço os enfermeiros “E” e “F” subscreveram um documento denominado contrato de prestação de serviços.

10- Os enfermeiros Ana e “D” foram admitidos ao serviço da R. após a realização de um estágio profissional e por mero ajuste verbal.

11- Em setembro de 2016, com vista à formalização dos contratos celebrados com os Enf.ºs Ana e “D”, a R. propôs-lhes que assinassem um documento denominado contrato de prestação de serviços, com data e efeitos a partir de 1/9/2011.

12- A Enf.ª Ana subscreveu o dito contrato, cuja cópia consta de fls. 31 e 32 e cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido.

13- O Enf.ª “D” não aceitou subscrever tal contrato, alegando que tinha direito a um contrato de trabalho.

14- As diretoras técnicas dos estabelecimentos nos quais prestam funções os referidos enfermeiros anotam o número de horas prestados por cada um em mapas mensais, assinados pelo respetivo trabalhador e respetiva diretora técnica e remetem tais mapas, acompanhados do recibo verde, aos serviços de...

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