Acórdão nº 495/14.5TJVNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 16 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução16 de Novembro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO A autora Maria, menor, representada por seus pais F. G.

e A. C.

, intentou, em 06-03-2014, no Tribunal de VN de Famalicão, a presente acção declarativa, com processo comum, contra “A Hipermercados, SA” e “Empresa A – Electrodomésticos, Lda.”.

Pediram a condenação destas a pagar àquela:

  1. A quantia de 25.000€, a título de indemnização por danos não patrimoniais (dores físicas e psicológicas); b) A quantia de 15.000€, a título de danos não patrimoniais (dano estético); c) A quantia, a liquidar em incidente de execução de sentença, que vier a ter de despender com futuras intervenções cirúrgicas e tratamentos subsequentes.

    Alegaram, para o efeito, em síntese, que, no dia 12-03-2011, aquela sua filha introduziu a mão esquerda, através da grade de protecção, no interior do aquecedor a gás (que haviam comprado no estabelecimento da 1ª ré e utilizavam na sua habitação), junto da chama, a qual ficou queimada e derreteu. Sofreu, além do mais, perda dos 3º e 4º dedos. Tal se deveu a culpa de ambas as rés, uma como vendedora outra como produtora, por o aparelho não cumprir as regras de segurança legalmente exigidas, designadamente quanto a crianças e no que concerne às temperaturas de superfície das suas partes exteriores.

    Ambas as rés contestaram, impugnando e imputando a culpa do evento exclusivamente aos pais por incumprimento do dever de vigilância, percutindo que o aparelho cumpria todas as normas de segurança e estava certificado. Invocou ainda a R. “Empresa A” a caducidade do direito, pois o alegado defeito não foi denunciado no prazo legal.

    A R. “Hipermercados A” suscitou ainda a intervenção, a título acessório, da seguradora “Companhia de Seguros A, SA”, que como tal foi admitida.

    Foi proferido despacho saneador, com indicação do objecto do processo e dos temas da prova.

    Procedeu-se a julgamento, nos termos e com as formalidades descritas na respectiva acta, designadamente com inspecção judicial do aquecedor, do qual foram colhidas fotos e medidas, tendo-se dado conhecimento às partes que estas e demais características poderiam ser consideradas, nos termos do artº 5º, nº 2, alínea b), do CPC, como factos concretizadores dos alegados nos pontos 17 e 18 da petição.

    Com data de 19-07-2016, foi proferida a sentença (fls. 206 a 220), que culminou na seguinte decisão: “Pelo exposto, julgo parcialmente procedente a presente acção e, em consequência, condeno a R. “Empresa A, Lda.” a pagar à A. Maria a quantia de 21 000 (vinte e um mil) €, acrescida de juros, à taxa legal, a contar da presente data e até integral pagamento.

    Mais absolvo a R. “Hipermercados A, SA” do pedido contra si formulado.

    As custas da acção ficam a cargo da A. e da R. “Empresa A, Lda.” na proporção dos respectivos decaimentos (art. 527, nºs. 1 e 2, do CPC).

    Registe e notifique. ”.

    A ré “Empresa A” não se conformou e apelou, apresentando-nos, para fundamentar o pedido de revogação da sentença, argumentos que sintetizou nas seguintes conclusões: “1ª Estava vedado ao Meritíssimo Juiz 'a quo' a introdução na causa dos factos constantes dos itens 53 a 55 dos Factos Provados, pois que tais factos não foram alegados pelas partes (nem nos articulados normais, nem em articulado superveniente) nem estas se manifestaram no sentido do seu aproveitamento; 2ª Por outro lado, tais factos não são factos complementares ou de concretização dos factos alegados pela autora/recorrida nos itens 17 e 18 da sua petição inicial (itens que não consubstanciam alegações de factos concretos e principais, mas conceitos vagos, abstractos ou conclusivos); 3ª O regime da responsabilidade civil por factos ilícitos (artigo 483.º do C.C.) não se aplica ao caso em apreço, tendo em conta que não se verificam preenchidos cumulativamente os seus requisitos, mormente no que à culpa da recorrente diz respeito, sendo certo que o ónus da prova recairia sobre o consumidor; 4ª O aparelho em discussão nos autos não possui qualquer tipo de defeito na acepção do DL n.º383/89, de 6 de Novembro, relativo à responsabilidade do produtor decorrente de produtos defeituosos, defeito esse que se consubstanciaria na falta de segurança que o mesmo comportaria para os seus consumidores; 5ª A segurança exigida pelo artigo 4.º, n.º1 do Diploma supra identificado não exige que o produto ofereça uma segurança absoluta, mas tão só a segurança com que se possa legitimamente contar, sendo certo que o sujeito das expectativas de segurança não é o consumidor concreto, mas o público em geral, isto é, a segurança esperada e tida por normas nas concepções do tráfico do respectivo ramos de consumo; 6ª Atendendo à natureza do produto, à sua utilidade e à probabilidade do dano, verifica-se que o aparelho não possui qualquer defeito; 7ª Trata-se de um aparelho de aquecimento a gás e com regulamentação própria para a sua produção comercialização e segurança, utilizado para produzir calor de modo a aquecer o meio ambiente circundante, o que pressupõe que para produzir o efeito pretendido tenha de atingir temperaturas elevadas, sendo certo que a grelha que possui não pode fechar a fonte de calor sob pena de ser ela própria fonte de calor (conforme se retira dos Factos Provados devidamente transcritos nas Alegações, pelo que por brevidade para lá se remete); 8ª Para o público em geral (que é o sujeito das expectativas e não o consumidor concreto!) e atendendo ao critério do conhecimento do Homem médio (diligente, fiel ao direito, bom chefe de família) é de senso comum que tais aparelhos, principalmente na sua fonte de calor, constituem perigo para os seus utilizadores, mormente para as faixas etárias consideradas de risco (como no caso das crianças); 9ª Devido ao perigo que acarreta a utilização destes aparelhos (perigo do conhecimento dos pais da menor) é essencial a existência de um manual de instruções (derivado do dever de informação que pende sobre o produtor de aparelhos perigosos), em língua portuguesa, que advirta os seus utilizadores destes perigos, o que no caso existia e era do conhecimento dos pais da menor, que em audiência de julgamento confessaram a existência do mesmo bem como o conhecimento do seu conteúdo (conforme se retira nomeadamente dos Factos Provados transcritos nas Alegações, pelo que por brevidade para lá se remete); 10ª O aparelho encontra-se em harmonia com o DL n.º 25/2011, de 14 de Fevereiro, resultado da transposição da Directiva n.º 2009/142/CE referente aos requisitos essenciais de segurança dos aparelhos a gás (conforme consta da douta sentença recorrida); 11ª Um entendimento como o sufragado pelo Tribunal ‘a quo’ levaria a uma situação de ridículo jurídico ao responsabilizar-se os produtores de lareiras, varandas e janelas por danos que ocorressem em menores quando os mesmos se encontrassem sozinhos nos locais em que estes elementos também estejam presentes, o que seria desproporcional e irrazoável, levando a uma decisão injusta, como a dos presentes autos; 12ª Pelo exposto, nunca poderá ser a ora recorrente responsabilizada à luz do estatuído no DL n.º 383/89, de 6 de Novembro; 13ª Atendendo ao DL n.º 311/95, os produtores só podem colocar no mercado produtos seguros, dever complementado pela obrigação de prestar as informações relevantes que permitam aos consumidores avaliar os riscos inerentes a um produto (como a existência do manual de instruções com as advertências devidas) e pela obrigação de adoptar medidas apropriadas, em função das características do produto fornecido, que lhe (a ele, produtor) permitam manter-se informado sobre os riscos que o produto possa apresentar; 14ª Quanto à obrigação de adoptar medidas apropriadas em relação ao produto fornecido, bem como à necessidade do produtor se manter informado sobre os riscos que o mesmo pode apresentar, além do próprio cuidado em explicitar os riscos no dito manual de instruções, a recorrente "tem acompanhado, nomeadamente no mercado internacional, todos os desenvolvimentos tecnológicos nesta matéria e o aparecimento de novos modelos, no sentido de dotar aqueles que comercializava de novas tecnologias, mas até ao momento ainda não logrou obter uma solução para os aquecedores a gás no que tange às temperaturas que o mesmo tem forçosamente que atingir." (Facto Provado 42); 15ª O regime da Segurança Geral dos Produtos resulta do DL n.º 69/2005, de 17 de Março, resultado da transposição para o ordenamento jurídico português da Directiva n.º 2001/95/CE, sendo certo que as medidas essenciais de segurança relativas aos aparelhos a gás encontram-se previstas no DL n.º 25/2011, de 14 de Fevereiro, decorrente da transposição da Directiva 2009/142/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 30 de Novembro de 2009; 16ª O aparelho a gás em discussão nos autos encontra-se devidamente identificado com a Marcação "CE" e em conformidade com os Diplomas acima descritos; 17ª Assim, o parelho em causa é um aparelho seguro, o que resultaria da aplicação do artigo 4.º, n.º 2 e 3 do DL n.º 69/2005, sob a epígrafe “Obrigação geral de segurança”; 18ª O Tribunal não pode deixar de ter presente na sua decisão o facto do aparelho em causa ter sido objecto de repetidas inspecções por técnicos de segurança – dos mais especializados técnicos ingleses – e de estes repetidamente (não só em relação aos aparelhos da marca "Empresa A", mas também em relação a idênticos aparelhos de outras dezenas/centenas de marcas espalhadas pelo mundo inteiro) terem certificado a segurança do mesmo; 19ª Não pode o Meritíssimo Juiz, condoído pelo sofrimento da menor e até dos pais desta, que estiveram na origem no seu sofrimento, munir-se de uma fita métrica e passar a medir células para daí concluir que as mesmas são ineficazes para o fim a que se destinam, sem curar de saber se a alteração numa "malha" permitiria que o aparelho (que é a gás e não a halogénio!) funcionasse normalmente, tanto mais que tal conclusão não foi auxiliada por qualquer técnico especializado na área; 20ª O Meritíssimo...

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