Acórdão nº 3760/14.8T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelMARGARIDA SOUSA
Data da Resolução09 de Novembro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO: R. R. intentou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra J. F. pedindo que: a) seja reconhecida e declarada a propriedade, em comunhão, sua e do Réu, dos bens móveis enunciados no artigo 17º; b) seja reconhecida e declarada a propriedade, em comunhão, sua e do Réu, nos ter-mos do nº 1 do artigo 1726º do Código Civil, da casa de morada de família erigida pelo casal no prédio rústico, adquirido pelo Réu ainda em solteiro, composto por uma sorte de mato com carvalhos, denominado de “Outeiro”, situado no lugar de …, freguesia de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o nº 14… e inscrito na respetiva matriz sob o artigo 4…, descrita nos artigos 9º a 14º.

Para o caso de assim não se entender, pediu o reconhecimento e declaração de que as obras de construção levadas a cabo na constância do matrimónio por si e pelo Réu, por dinheiro comum do casal, que ascenderam a € 80.000, são benfeitorias realizadas no prédio próprio do Réu, nos termos do nº 2 do artigo 1726º do Código Civil e que, como tal são um bem comum do agora ex-casal.

Alegou, em síntese, que casou com o Réu a 14 de Setembro de 1985, sem convenção antenupcial, casamento que foi dissolvido por divórcio por sentença transitada em julgado em Maio de 2011; instaurado inventário, foi proferido despacho remetendo para os meios comuns a discussão sobre o prédio urbano e os objetos móveis que discrimina.

Referiu que o Réu adquiriu em solteiro o já identificado prédio rústico, ali tendo dado os primeiros passos para construção de uma casa, que os dois prosseguiram, após celebrarem matrimónio, concluindo-a a 15 de Outubro de 1995, em comunhão de esforços, despendendo € 80.000.

Na sequência do despacho de convite ao aperfeiçoamento, alegou que, aquando da aquisição, o prédio tinha um valor de mercado de Esc. 200.000$00, a construção existente à data do casamento valia Esc. 5.000.000$00 e o casal despendeu € 80.000 na construção com produto do seu trabalho.

O Réu contestou, contrapondo que, não obstante a celebração da escritura em 1984, em 1980 iniciou a construção de uma casa de habitação no aludido prédio urbano, sem estar dotado de licença de construção, a qual requereu em 1982 e foi indeferida em 4 de Junho desse ano; após ter feito as diligências necessárias à legalização, em 29 de Novembro de 1984 tal licença foi-lhe concedida por despacho que legalizava um prédio de cave e rés-do-chão destinado a habitação, ficando concluída e pronta a habitar antes da celebração do casamento; refere que desde cedo foi o único a contribuir para as despesas e necessidades do agregado.

Após saneamento do processo, procedeu-se a audiência de discussão e julgamento e, seguidamente, foi proferida sentença a julgar a ação parcialmente procedente, reconhecendo e declarando, no que para agora interessa, que as obras especificadas no ponto 17) da fundamentação de facto correspondem a despesas suportadas pelo património comum do dissolvido casal e realizadas em bem próprio do Réu, ascendendo a valor a liquidar em incidente próprio.

Inconformado, o Réu interpôs o presente recurso, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões: 1- Vem o presente recurso interposto da douta sentença na parte em que reconhece e declara que as obras especificadas no ponto 17 da fundamentação de facto correspondem a despesas suportadas pelo património comum do dissolvido casal e realizadas em bem próprio do Réu, ascendendo a valor a liquidar em incidente próprio.

2- Antes de mais, dir-se-á que a sentença está ferida com a nulidade prevista no art. 615.º, n.º1, al. d) do CPC, pois, ao contrário do decidido pelo tribunal “a quo”, a apelada não alega um único facto que tenha qualquer tradução com o que, a final, veio a ser dado por provado pelo tribunal “a quo” sob o ponto 17 dos factos provados; 3- E, o certo é que, cumpre a quem invoca o direito a ser indemnizado por benfeitorias o ónus de alegar e provar factos que permitam considerar preenchidos os requisitos de uma benfeitoria! 4- Assim, a sentença apelada é nula e como tal deve ser revogada e substituída por outra que expurgue da sentença apelada a factualidade dada por provada sob o ponto 17, com as legais consequências.

5- Todavia, e sem prescindir, o presente recurso é de direito, considerando o apelante que a sentença apelada violou, entre outos, o disposto nos arts.º 342.º, n.º1, 349.º, 351.º, 1273.º, 1275.º e 1722.º, n.º 2 do CC e nos arts. 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 412.º e 413.º do CPC.

6- Na verdade, dizer-se que “As obras anteriormente elencadas, bem como a construção dos muros, do anexo que acolheu a cozinha de lenha e o espaço destinado a guardar os objetos restaurados pelo Réu, a casa de banho edificada sob as escadas, têm de ser classificadas de benfeitorias úteis porquanto se trata de despesas que não se relacionam com a conservação, decorrendo da experiência comum que se traduzem em melhoramentos que aumentam o respetivo valor pelo acréscimo de cómodos e de possibilidades de fruição do imóvel do ponto de vista habitacional e de privacidade no caso dos muros” é ir muito além dos poderes inquisitórios que são conferidos ao julgador.

7- Com efeito, para além do R. não conseguir descortinar o que a Mm.ª Juiz quis dizer com a expressão “As obras anteriormente elencadas, bem como a construção dos muros (…)”, também fica por saber a que muros é que se reporta a sentença apelada (serão os muros divisórios, os de suporte, ou ambos), os metros, o material em que foram construídos; qual o estado do anexo que acolheu a cozinha de lenha e o espaço destinado a guardar os objetos restaurados pelo R., mormente, se estava totalmente concluído, quais os materiais que foram aplicados, etc; o mesmo se dizendo relativamente à casa de banho edificada sob as escadas.

8- Ora, apesar de o tribunal ter concluído que no caso em análise a indemnização a atribuir à A. não seria pelo instituto do enriquecimento sem causa, mas pelo valor que o património comum despendeu com tais benfeitorias – 1722.º, n.º2 do CC -, o certo é que, para que tal sucedesse, tornava-se pois indispensável determinar se as obras comprovadamente realizadas correspondem a benfeitorias úteis.

9- O Supremo Tribunal de Justiça, já por diversas vezes, se pronunciou nesse sentido, ou seja, de que cumpre a quem invoca o direito a ser indemnizado por benfeitorias o ónus de alegar e provar factos que permitam considerar preenchidos os requisitos de umas e outras – cfr. acórdãos de 6 de Fevereiro de 2007, disponível em www.dgsi.pt, proc. nº 06A4036; de 22 de Janeiro de 2004, www.dgsi.pt, proc. nº 04B2064; de 22 de Janeiro de 2008, www.dgsi.pt, proc. nº 07A4154 ou de 6 de Maio de 2008, www.dgsi.pt, proc. nº 08A1389.

10- Destarte, tratando-se de factos essenciais, integradores da causa de pedir da reconvenção, era à A. que incumbia a respectiva alegação (artigo 5.º, nº 1 do CPC), não sendo possível ao tribunal suprir a falta de alegação (nºs 2 e 3 do mesmo preceito); nem, naturalmente, dispensar a respectiva prova.

10- As presunções judiciais, de que se socorreu o tribunal “a quo” para dar por provado que as obras constantes do ponto 17 dos factos provados deveriam ser consideradas como benfeitorias úteis, não têm a virtualidade de inverter o ónus da prova, como as presunções legais (artigo 350º do Código Civil); nem podem ultrapassar o incumprimento do ónus da alegação de factos essenciais – neste sentido cfr. acórdão de 20 de Janeiro de 2010, do STJ, disponível em www.dgsi.pt, proc. nº 642/04.5TBSXL-B.L1.S1.

11- Aliás, decidir da forma como decidiu o tribunal “a quo” seria premiar a postura da A. que, estrategicamente, delineou a causa de pedir da ação com base no instituto da acessão industrial imobiliária, que, como resultou devidamente provado, bem sabia não ter direito, e que, calculadamente, nada alegou em termos factuais relativamente às benfeitorias (necessárias, úteis ou voluptuárias), impedindo, assim, a parte contrária de exercer o direito ao contraditório, tudo com o intuito de passe expressão popular, de “atirar o barro à parede” para ver se lhe era reconhecida uma situação de comunhão sobre a totalidade do imóvel em questão.

12- Face ao exposto, salvo o devido respeito, nunca a ação poderia ser julgada procedente quanto às benfeitorias, por ser inviável determinar se, de entre as obras provadas, algumas (ou todas) poderiam ser havidas como benfeitorias necessárias, úteis ou voluptuárias.

Concluiu pedindo seja alterada a sentença apelada por outra que julgue a ação totalmente improcedente.

A Recorrida apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.

A Sr.ª Juíza a quo pronunciou-se pela inexistência da arguida nulidade da sentença, na medida em que, no seu entender, “os factos provados constituem uma concretização restritiva das obras realizadas na pendência do casamento em função da prova produzida em audiência final, como decorre da motivação da convicção, em particular das considerações que constam a partir do penúltimo parágrafo de fls. 191 vº”.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

* II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO: O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635º, n.º 4, e 639º, n.º 1 do CPC).

No caso vertente, as questões a decidir que ressaltam das conclusões recursórias são as seguintes: - Saber se a decisão relativa à matéria de facto é nula (ou parcialmente nula) por consideração de factos essenciais para a integração da causa de pedir não alegados ou de factos concretizadores fora das condições de admissibilidade previstas no art. 5º, nº 2, al. b), do CPC; - Saber qual a alegação de factos imprescindível à aplicação do particular regime das benfeitorias na partilha dos bens do ex-casal.

* III. FUNDAMENTOS: Os factos.

  1. Na primeira instância foi dada como provada a seguinte factualidade: 1. Em 14 de Setembro de 1985, Autora...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT