Acórdão nº 3536/16.8T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Novembro de 2017
Magistrado Responsável | RAQUEL BAPTISTA TAVARES |
Data da Resolução | 09 de Novembro de 2017 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I. Relatório J. P.
intentou a presente acção de investigação de paternidade contra J. A.
, alegando, em síntese, que foi registado na Conservatória do Registo Civil de Ponde de Lima como filho de B. P., sem que nada ficasse a constar quanto à paternidade. Mais alega que nunca a mãe lhe revelou a identidade de seu pai biológico e que só há 4 meses, regressado da Venezuela, onde estava emigrado, é que a mãe lhe contou que o pai era o Réu, com quem tinha namorado e de quem veio a engravidar.
Com estes fundamentos veio pedir que se declare que o Réu é seu pai, ordenando-se o averbamento de tal paternidade no seu assento de nascimento.
O Réu contestou invocando a caducidade da acção, pois o Autor atingiu 18 anos em Abril de 1983, pelo que nos termos do artigo 1817º do Código Civil, o prazo para propor a acção esgotou-se em Abril de 1993.
O Réu impugnou também a matéria de facto alegada pelo Autor, alegando ainda que a mãe do Autor sempre propalou que este era filho do Réu e que também o Autor o afirma desde que frequentou o ensino primário até à presente data.
O Autor replicou pugnando pela improcedência da excepção.
Foi dispensada a realização de audiência prévia, proferido despacho saneador que relegou para final o conhecimento da excepção de caducidade, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.
Veio a efectivar-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva, que se transcreve: “Pelo exposto, decido julgar procedente a excepção de caducidade invocada pelo autor e, em consequência, absolver o réu J. A. do pedido.
Custas pelo autor.
Registe e notifique.” Inconformado, apelou o Autor da sentença, concluindo as suas alegações da seguinte forma: “Conclusões: 1. O tribunal a quo olvidou um facto que é deveras essencial para a decisão da causa: a perícia feita e que determinou a probabilidade acima dos 99% do recorrido ser pai do recorrente.
-
O recorrente não pode ver-lhe ser negada a filiação com base numa norma que, pese embora a controvérsia existente, viola claramente os princípios constitucionais.
-
Os prazos especiais descritos no artigo 1817 do c.c. não podem de forma alguma prejudicar o que porventura resulte do prazo geral, sob pena de grave atropelo de lógica.
-
A lei ordinária terá de respeitar sempre o princípio constitucional da igualdade, para não descriminar os filhos nascidos fora do casamento.
-
As normas previstas nos n.º 1 e 3 do artigo 1817 do C.C. violam o artigo 26 da CRP que consagra o direito à identidade pessoal, conjugado com o artigo 25, n.º 1 da CRP referente à garantia da integridade moral.
-
O direito do recorrente (filho) ao apuramento da paternidade biológica é uma dimensão do direito fundamental à identidade pessoal.
-
As acções de investigação da paternidade instauradas pelo filho, não estão, nem podem estar, sujeitas a prazos de caducidade.
-
O que interessa para o caso é que o filho não tem um pai juridicamente reconhecido.
-
A paternidade biológica já não pode, hoje em dia, ser abafada e transformada numa espécie de paternidade clandestina, sem a tutela pela do direito.
-
A identidade genética é dada pela ascendência biológica.
-
Os direitos fundamentais da pessoa ligados à verdade biológica devem prevalecer sobre o estabelecimento de prazos de caducidade para as acções de filiação.
-
O estabelecimento de filiação é um direito constitucional - artigo 26 da CRP 13. O Tribunal Constitucional já declarou com força obrigatória geral a inconstitucionalidade do artigo 1817 n.º 1 do C.C. para a propositura da acção de investigação da paternidade com base na investigação biológica pura, referindo que a acção pode ser proposta a qualquer momento, independentemente do prazo.
-
Na mesma linha de raciocínio, devem considerar-se inconstitucionais os demais números do mesmo artigo, uma vez que no seu núcleo está precisamente o mesmo direito à identidade e dignidade pessoal, ao bom nome, reputação e identidade genética, consagrados no artigo 26 da CRP cuja natureza é inalienável e imprescritível.
-
Os tribunais estão obrigados a recusar a aplicação de normas inconstitucionais, daí a necessidade do presente recurso, pois, em nosso humilde entendimento, o tribunal a quo procedeu dessa forma.
-
A Lei n.º 14/2009 de 01/04, com o óbvio propósito de ultrapassar a declarada inconstitucionalidade, veio alterar a redacção do referido artigo 1817 n.º 1 do C.C., todavia, prosseguiu a dissensão jurisprudencial, e com razão. ~ 17. A acção de investigação de paternidade assenta no direito à identidade pessoal, no qual se insere o direito ao conhecimento da ascendência biológica., enquanto direito fundamental, tratando-se de um direito de personalidade imprescritível.
-
O direito à identidade pessoal incluiu não apenas o interesse na identificação pessoal e na constituição daquela identidade, como também enquanto pressuposto desta auto definição, o direito ao conhecimento das próprias raízes.
-
Não custa reconhecer que saber quem se é remete logo para saber quais são os antecedentes, onde estão as raízes familiares, geográficas e culturais, e também genéticas.
-
Como se justificou no Acórdão da Relação de Coimbra de 23/06/2009, a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral da norma do n.º 1 do artigo 1817 do C.C. foi generalizadamente interpretada como significando a imprescritibilidade do direito de investigar a paternidade, ou seja, com o fim da sujeição a qualquer prazo.
-
A valorização dos direitos fundamentais da pessoa, como o de saber quem é e de onde vem, na vertente de ascendência genética, e a inerente força redutora da verdade biológica fazem-na prevalecer sobre os prazos de caducidade para as acções de estabelecimento da filiação.
-
Já depois das alterações introduzidas pelas Lei n.º 14/2009 de 01/04, a jurisprudência continuou a manter a mesma orientação, argumentando-se que os prazos de caducidade, sejam eles quais forem, traduzem uma restrição desproporcionada ao direito fundamental à identidade pessoal, mais precisamente ao direito à historicidade pessoal, pelo que também são inconstitucionais as demais normas do artigo 1817, com o alargamento dos prazos. ( Ac do STJ de 25/03/2010; Ac STJ de 08/06T2010; Ac Relação de Lisboa de 09/02/2010 e Ac. Relação do Porto de 15/03/2010) 23. As razões justificativas do estabelecimento de prazos de caducidade para as referidas acções assumem hoje menos peso no confronto com a nova dimensão do direito à identidade pessoal e ao direito à integridade pessoal, sobretudo devido aos desenvolvimentos da genética e ao movimento científico e social em direcção ao conhecimento das origens.
-
É clara a inconstitucionalidade material das normas dos artigos 1817, n-.º 1 e 4 do C.C. que estabelecem prazos de caducidade para a acção de investigação da paternidade, por violação do artigo 26, n.ª 1 da CRP.
-
Não se verifica a caducidade da acção intentada pelo recorrente, o que implica a revogação da decisão proferida pelo tribunal a quo, que tendo em conta o resultado do exame biológico, deverá ser substituída por outra que declare o recorrido pai do recorrente, ordenando -se o averbamento de tal paternidade no seu assento de nascimento”.
Pugna o Recorrente pela integral procedência do recurso, com a consequente revogação da sentença recorrida por se ter fundado numa norma cuja inconstitucionalidade é indiscutível, e a substituição da mesma por outra que...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO