Acórdão nº 4786/14.7T8VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 11 de Julho de 2017

Magistrado ResponsávelJO
Data da Resolução11 de Julho de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no tribunal da Relação de Guimarães: I- Relatório 1- A. Gonçalves, intentou a presente ação declarativa de condenação, sob forma de processo comum, contra, Companhia de Seguros, S.A.

, B. - Aluguer de Máquinas e Equipamentos, Ldª e José G.

, alegando, em breve resumo, que, no dia 19/03/2014, pelas 10h, quando o seu veículo automóvel, de matrícula UZ, se encontrava estacionado na Rua da I., Vila Nova de Famalicão, foi embatido por uma máquina industrial, pertencente à Ré, B. - Aluguer de Máquinas e Equipamentos, Ldª, e, na altura, conduzido pelo sócio maioritário desta sociedade, José G..

Em resultado desse embate, sofreu na sua esfera jurídica diversos danos que descreve e pelos quais quer ser ressarcido, imputando a responsabilidade pela indemnização às referidas Rés, seja em virtude do contrato de seguro celebrado com a primeira, seja, subsidiariamente, em virtude da propriedade da segunda e relação de comissão que a mesma estabeleceu com o terceiro R.

Por isso, pede que:

  1. Se condene a Ré, Companhia de Seguros, S.A., a pagar-lhe a quantia de 5.778,29€, acrescida de juros moratórios contados desde a data da citação até ao integral pagamento; b) Ou, subsidiariamente, se condenem a sociedade, B. - Aluguer de Máquinas e Equipamentos, Ldª e José G., a pagar-lhe os valores não cobertos pela apólice de seguro e quanto a eles os respetivos juros à taxa legal e na forma antes peticionada.

    2- Contestou a Ré, Companhia de Seguros, SA, aceitando a existência do contrato de seguro invocado pelo A., mas não a sua obrigação de reparação dos danos provocados pelo sinistro, em virtude das características deste e do âmbito do referido contrato.

    Caso assim não se entenda, deverá ser deduzida a franquia contratualmente estabelecida.

    3- Também os RR., José G. e a sociedade, B. - Aluguer de Máquinas e Equipamentos, Ldª, contestaram, refutando a pretensão do A., para além do mais, por o embate se ter dado por aquele manter o seu veículo indevidamente estacionado no local.

    4- Requerida e admitida a intervenção do Fundo de Garantia Automóvel, contestou o mesmo refutando também a sua responsabilidade pela reparação deste sinistro, em virtude de inexistir, neste caso, a obrigação de segurar a máquina industrial que nesse sinistro interveio.

    5- Terminados os articulados, foi, além do mais, conferida e assegurada a regularidade da instância.

    6- Entretanto, conhecida a insolvência da Ré, B. - Aluguer de Máquinas e Equipamentos, Ldª, passou a mesma a estar representada nestes autos pelo administrador dessa insolvência.

    7- Completada a instrução e a audiência final, foi proferida sentença que:

  2. Absolveu o Fundo de Garantia Automóvel do pedido; b) Condenou a Ré, Companhia de Seguros, S.A., a pagar ao A., A. Gonçalves, a quantia de 4.278,29€, acrescida de juros moratórios, à taxa de 4%, contados desde a data da citação até efetivo e integral pagamento; c) Condenou, solidariamente, os RR., José G. e B. - Aluguer de Máquinas e Equipamentos, Ldª, representada pelo seu administrador judicial, a pagar ao A., A. Gonçalves, a quantia de 750.00,00€, acrescida de juros moratórios, à taxa de 4%, contados desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.

    8- Inconformada com esta sentença, dela recorre a Ré seguradora, terminando as suas alegações recursivas concluindo o seguinte: “1. A Recorrente entende que o Tribunal a quo não decidiu bem, fazendo uma incorrecta aplicação do direito e da jurisprudência sobre a questão em apreço, ao entender que “o evento dos autos não poderá qualificar-se como um acidente decorrente da circulação de veículo, uma vez que a máquina em questão nem tem esta função habitual, como, ademais, os danos provocados ao autor ocorreram no exercício de actos que ainda devem ser qualificados como funções meramente industriais, motivo pelo qual a ré B. - Aluguer de Máquinas e Equipamentos, Ldª não estava obrigada a dar cumprimento ao disposto no artº 4.º nº l do DL 291/2007, de 21 de Agosto”.

    1. Desde logo, ao arrepio da fundamentação da sentença recorrida, não resulta da factualidade provada nos autos que a máquina segura na Recorrente estivesse a ser manobrada na via pública com o intuito de: -a) ser deslocada para um determinado ponto onde seria utilizada para elevar carga ou pessoas (acto preparatório da sua função); b) no decurso de uma deslocação entre dois pontos situados em locais distintos de uma fachada onde estivesse a ser usada para elevar carga ou pessoas (acto intercalar da sua actividade) ou que c) estivesse a ser descarregada para ser recolhida no armazém depois de utilizada numa actividade de elevação de carga ou pessoas (acto póstumo à sua laboração).

    2. Pelo contrário, apenas está provado que o veículo do Autor/Recorrido foi danificado pela máquina segura na Recorrente quando esta, já na faixa de rodagem da Rua da I., circulava por esta via pública, manobrada pelo seu operador que a pretendia fazer deslocar pelos seus próprios meios de locomoção de um ponto (via pública) para outro (armazém da sua proprietária) - cfr. nºs. 6 e 7 dos factos Provados, doravante FP - sem que tal condução fosse desenvolvida para dar início, no decurso ou depois de ter executado trabalhos de elevação de carga ou pessoas.

    3. Assim, da matéria de facto provada, a máquina industrial segura na Recorrente, quando embateu e danificou o veículo do Autor/Recorrido, não se encontrava na sua função específica, de elevação de carga ou pessoas, antes transitava pela via pública, enquanto veículo circulante, com os riscos de circulação inerentes a qualquer veículo terrestre a motor.

    4. Estamos perante uma máquina industrial - uma plataforma elevatória articulada - que não sendo um veículo que, pela sua função industrial específica esteja vocacionado para circular na via pública, no entanto, atentas as suas características e pelo modo como estava a ser utilizada aquando dos factos em discussão, comportava um risco decorrente da sua circulação equiparada a qualquer veículo terrestre com motor.

    5. Ao ser manobrada na via pública, com o único fim de se fazer deslocar de um ponto de partida para outro de chegada, estava a ser utilizada de acordo com o fim que esteve na génese da legislação europeia e nacional em matéria de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, 7. especialmente a partir da Directiva 2008/103/CE quando se pode afirmar que a garantia do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel e, por inerência, a amplitude dos eventos susceptíveis de encontrar guarida em tal regime, é delimitada pelos casos em que algum veículo circula, ou é usado na sua função de “locomoção-transporte”.

    6. Tem sido este o entendimento da jurisprudência e da doutrina, quando são chamados a delimitar os campos específicos de abrangência dos riscos de “laboração” e de “circulação” de máquinas industriais, cujo fim específico, embora não seja a sua utilização como veículo circulante, o mesmo resulta, no entanto, possível atentas as suas características técnicas e vasto leque de possibilidades de utilização - vide transcrições de acórdão supra identificados, como Ac. do STJ, de 17-12-2015, proferido no âmbito do Proc. 312/11.8TBRGR.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt;Ac. do STJ, de 17-06-2010, Proc. 3174/03.5TBGDM.P1.S1 (sobre acidente ocorrido durante a circulação de uma máquina empilhadora) e Ac. da Relação de Coimbra, de 10-03-2015, proferido no âmbito do Proc.1533/12.lTBGRD.C1, disponível in www.dgsi.pt.

    7. Não se encontra razão para descaracterizar como sendo de viação, o acidente resultante do embate da plataforma elevatória, segura na Recorrente, contra o veículo automóvel estacionado na via pública, pertença do Autor/Recorrido, quando aquela máquina era conduzida pelo seu manobrador em plena faixa de rodagem da Rua da I., sem estar a executar qualquer tarefa (preparatória, contemporânea ou póstuma) de elevação de carga ou pessoas.

    8. O acidente em discussão caracteriza-se assim como de “viação”, sendo um acidente causado por veículo, utilizado na circulação terrestre, como decorre do artº 503º, nº l do C. Civil, e deve ser considerado abrangido pelo seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, por referência à obrigação de segurar prevista no artigo 4º, nº 1 do DL 291/2007, de 21 de Agosto.

    9. Estando provado que, entre a seguradora Recorrente e a 2ª Ré/Recorrida foi celebrado o contrato de seguro facultativo de “responsabilidade civil laboração”, pelo qual a Recorrente assumiu a “responsabilidade civil legalmente imputável ao locador e/ou locatário por danos patrimoniais e não patrimoniais directamente decorrentes de lesões corporais ou materiais, involuntariamente causados a terceiros, em resultado da laboração e durante as operações de manutenção, revisão, limpeza e beneficiação das máquinas, equipamentos e outros bens identificados nas condições particulares.” – nº.26 FP, 12. e não se encontrando nenhuma menção expressa no texto do clausulado das Condições Gerais, Especiais e Particulares à abrangência de qualquer risco decorrente da circulação, ou ocorrido durante o transporte e locomoção das máquinas e/ou equipamentos seguros, 13. apesar de específica e expressamente se ter previsto outros riscos além dos decorrentes da laboração dos objectos seguros, como aqueles relacionados com operações de manutenção, limpeza e beneficiação, 14. em obediência ao preceituado no artº 238º do C. Civil, terá de se considerar excluído da cobertura do contrato qualquer dano, causado a terceiro, que não se enquadre no risco de laboração, manutenção, limpeza e beneficiação do equipamento seguro, assim se excluindo, pela sua total falta de correspondência com o elemento literal do contrato, o risco inerente ao transporte e circulação (nomeadamente na via pública) dos objectos seguros, como a máquina que danificou o veículo do Autor/Recorrido.

    10. Além de tal risco ser excluído pela omissão da sua expressa previsão no elemento literal: o risco emergente do transporte e circulação da plataforma elevatória na via pública...

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