Acórdão nº 376/11.4TACHV.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 11 de Julho de 2017
Magistrado Responsável | AUSENDA GON |
Data da Resolução | 11 de Julho de 2017 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam, em conferência, na Secção Penal, do Tribunal da Relação de Guimarães: No processo comum singular nº 376/11.4TACHV da Instância Local, Secção Criminal de Chaves, da Comarca de Vila Real, foi julgada a arguida S. C.
, tendo sido proferida decisão a 09/02/2017 com o seguinte teor (transcrição): «
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Condenar a arguida pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de difamação, com publicidade, p. e p. pelos arts. 180.º, n.º 1 e 183.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 do Código Penal, na pena de 220 (duzentos e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz a multa final de € 1320,00 (mil trezentos e vinte euros).
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Condenar, ainda, a arguida no pagamento das custas, fixando-se em 2 (três) UCs a taxa de justiça, (artigos 513.º do CPP e 8.º, n.º 9, do RCP e Tabela III anexa ao mesmo) e nos demais encargos do processo.
Quanto à parte cível c) Julgar parcialmente procedente, por parcialmente provado, o pedido de indemnização civil formulado pelo demandante M. F. e, em consequência, condenar a demandada S. C. a pagar-lhe a quantia de 3 500,00€ (três mil e quinhentos euros) a título de danos de natureza não patrimonial, quantia acrescida de juros de mora, à taxa legal sobre a referida quantia desde a presente decisão e até efectivo e integral pagamento, (cfr. artºs. 804º, 805º nº 3 e 806º do Cód. Civil e 78º do Código de Processo Penal), absolvendo-a do demais peticionado pelo demandante.
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Custas relativamente ao pedido de indemnização civil por demandante e demandada, na proporção do respectivo decaimento (art.º 527.º, n.º 1 do Código de Processo Civil e art.º 4.º, al. n do Regulamento das Custas Processuais, a contrario).».
*Inconformada com a referida decisão, a arguida interpôs recurso, formulando na sua motivação as seguintes conclusões: «A.
Com todo o respeito que é devido se entende que os factos constantes dos pontos 7, 9, 10, 11, 12, 19, 20, 21, 23 a 29, deveriam ter sido valorados como “não provados”; B.
A arguida nunca disse que o arguido se prostituía, mas apenas que se havia registado num site de prostituição - depoimento, prestado a 13.01.2016 (mn. 05:28 – 05:31); C.
Ao conceder a entrevista objeto dos presentes autos, a Arguida teve como único intuito e propósito “denunciar situações de violência doméstica, contando a sua experiência” - pág. 16, último parágrafo da sentença recorrida; depoimentos da arguida, prestados a 17.12.2015 (mn. 04:51 – 05:20; mn. 10:05 – 10.51; mn. 11:57 – 12:44), a 13.01.2016 (mn. 00:14 – 00:23) e a 03.02.2016 (mn. 18:00 – 19:24; 20:25 – 20:46; 24:14 – 25:25) e depoimento de F. F., mãe da arguida, prestado a 03.02.2016 (mn. 09:28 – 10:17); D.
A arguida desconhecia que toda a sua conduta era proibida e punida por lei - depoimento prestado a 03.02.2016 (mn. 18:00 – 19:00); E.
A arguida não tinha consciência de que o programa “P…” seria visualizado (se é que o foi) por “milhões de pessoas” em todo o “mundo” - depoimento prestado no dia 03.02.2016 (mn. 19:24 – 19:52); F.
Na entrevista, a arguida nunca referiu o nome do assistente; G.
A arguida nunca teve o propósito de atingir o assistente na sua honra e consideração ou sob qualquer forma; H.
O assistente não se sentiu envergonhado, com a entrevista dada pela arguida e objeto dos presentes autos – depoimento do assistente prestado no dia 06.01.2016 (mn. 10:02 – 11:12; mn. 26:02 – 27:12); I.
A factualidade dada como provada, no que aos pontos supra mencionados diz respeito, carece de fundamentação, tanto mais que, por requerimento apresentado a 27.11.2015, o assistente prescindiu de todas as suas testemunhas; J.
A condenação da arguida consubstancia uma violação ao seu direito constitucionalmente reconhecido, e fundamental para uma sociedade que se quer democrática, à liberdade de expressão – artigo 37.º da Constituição da República Portuguesa; K.
A arguida sempre esteve convicta que estava a exercer um direito legítimo e próprio, em prol da comunidade, assim, “convertido” em direito social, de elevada importância; L.
Não foi dado como provado que os factos imputados pela arguida ao assistente na entrevista sejam falsos e não tivessem correspondência com a verdade (Factos não provados da douta sentença recorrida); M.
O interesse público e social visado com a concessão da entrevista, no sentido de combater a violência doméstica, levando a que as suas vítimas tenham a coragem de falar e denunciar as situações de maus tratos, justificou as declarações da arguida; Sem prescindir, N.
O artigo 31.º, do Código Penal prevê as causas “gerais” de exclusão da ilicitude, devendo aplicar-se, in casu, a causa constante da alínea b), do n.º 2, do artigo 31.º do Código Penal; O.
Ao conceder a entrevista alvo do presente processo criminal, a arguida fê-lo no uso de um direito legítimo e perfeitamente válido, de liberdade de expressão; P.
Não houve qualquer tipo de dolo por parte da arguida - artigo 14.º do Código Penal; Q.
Faltando ao mesmo o elemento subjetivo (volitivo ou intencional), pois nunca teve intenção do ofender o assistente ou atingi-lo na sua honra e consideração pessoais; Sem prescindir, ainda, R.
A arguida não tinha consciência de que o seu comportamento poderia ser penalmente condenado, agindo sem culpa - n.º 1, do artigo 17.º do Código Penal e depoimento prestado no dia 03.02.3016 (minutos 18:00 – 19:24); S.
Razão pela qual se entende que, in casu, e sem prescindir de tudo o que se alegou supra, se verificou um erro sobre a ilicitude do comportamento da arguida, excluindo-se uma eventual culpa que lhe poderia ser imputada; T.
Por tudo o que supra fica dito se entende, salvo melhor opinião em sentido contrário e sempre com todo o respeito que é devido, que condenando a arguida, a douta sentença recorrida não fez uma correta interpretação dos artigos 13.º, 14.º, 31.º, 180.º do Código Penal, artigo 37.ª da Constituição da República Portuguesa e artigo 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Nos termos supra mencionados e nos melhores de direito, deverá a douta sentença proferida ser revogada, devendo ser substituída por outra que absolva a arguida.».
O Ministério Público, em 1ª instância, apresentou uma minuciosa resposta ao recurso, dizendo que a simples leitura da sentença e, em particular, da motivação da matéria de facto e do teor das conclusões do recurso é suficiente para se concluir pela manifesta improcedência do recurso, pois a recorrente não aponta, de forma convincente, a falta de qualquer elemento que pudesse impedir o juízo de condenação feito pelo tribunal, limitando-se apenas a apresentar a sua versão sobre os factos, não rebatendo cabalmente os fundamentos da decisão, que assentou numa apreciação racional e objectiva da prova, em conformidade com os critérios legais.
Também a resposta do assistente M. C. foi no mesmo sentido, dizendo que a sentença proferida fez uma correcta apreciação de todos os meios de prova produzidos em audiência, nomeadamente, do teor da entrevista concedida pela arguida aos meios de comunicação social, limitando-se esta, a reproduzir a sua versão sobre os factos, sem expor de forma objectiva em que constituiu essa errada apreciação dos factos.
E, neste Tribunal, a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, aduzindo não se patentear que a análise dos pequenos excertos e elementos probatórios invocados pela recorrente imponha uma decisão diferente daquela que foi tomada, concluindo que a formação da convicção do tribunal recorrido mostra-se devidamente objectivada no texto da decisão recorrida, claramente despida de qualquer arbitrariedade, devendo manter-se. Por fim, remata, sustentando que a manter-se intocável a matéria de facto fixada pela primeira instância, as demais questões suscitadas pela recorrente e que se prendem com as causas de exclusão da sua ilicitude deverão improceder.
Foi cumprido o art. 417º, nº 2, do CPP.
Após exame preliminar e colhidos os vistos, realizou-se a conferência.
*Na medida em que o âmbito do recurso se delimita pelas respectivas conclusões (art. 412º, nº 1, do CPP), sem prejuízo das questões que importe conhecer oficiosamente, por obstarem à apreciação do seu mérito, suscitam-se, no presente recurso as questões de saber se: 1ª- Foi incorrectamente julgada a matéria de facto constante dos pontos 7, 9, 10, 11, 12, 19, 20, 21, 23 a 29, que deveria ter sido considerada como não provada; 2ª- A recorrente agiu sem consciência da ilicitude e sem intenção de ofender a honra e consideração pessoais do assistente; 3ª- A actuação da recorrente correspondeu ao exercício legítimo de um direito.
Importa apreciar tais questões e decidir. Para tanto, deve considerar-se como pertinentes ao conhecimento do objecto do recurso os factos considerados provados na decisão recorrida e respectiva motivação (transcrição): «1) No dia 12-01-2011 a Arguida foi entrevistada no programa P… emitido pela Rádio e Televisão Portuguesa.
2) A arguida disse ter sido sistematicamente agredida e até violada pelo seu então marido, ora assistente, inclusivamente na presença da segunda filha do então casal.
3) A Arguida imputou ao Assistente maus tratos físicos e psicológicos constantes às suas três filhas.
4) A arguida diz que o queixoso tinha e tem perturbações psicológicas, padecendo inclusivamente de dupla personalidade.
5) Referiu que o ora assistente proferia palavras grosseiras dirigidas à denunciada e às filhas do então casal.
6) A arguida referiu que o queixoso destruía o recheio da sua casa quando se encontrava com alterações de humor, 7) Disse que o Assistente angariava clientes com vista a prostituir-se por dinheiro.
8) Tais factos foram imputados ao queixoso pela denunciada e repetidos sistematicamente na referida entrevista.
9) A Arguida agiu livre, voluntária e consciente e intencionalmente no manifesto propósito de Difamar e Caluniar o assistente imputando-lhe uma mescla de factos, publicitando os mesmos através dos meios televisivos, ciente de que toda a sua conduta era proibida e punida por lei.
10)...
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