Acórdão nº 831/14.4T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 11 de Julho de 2017
Magistrado Responsável | PEDRO DAMI |
Data da Resolução | 11 de Julho de 2017 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.
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RELATÓRIO.
Recorrente: Companhia de seguros A, S. A. ; Recorrida: Maria; *Maria intentou a presente acção declarativa comum contra “Companhia de Seguros A, S.A.”, pedindo a condenação da ré no pagamento da quantia de € 99.770,00, sendo € 770,00 relativo ao reembolso de despesas efectuadas, € 70.000,00 relativo a danos patrimoniais futuros e € 29.000,00 a título de danos não patrimoniais, tudo acrescido de juros de mora contados da citação até integral pagamento.
Para tanto, e em suma, alegou ter sido vítima de atropelamento por um veículo que, à data, tinha o seguro de responsabilidade civil relativo à sua circulação transferido para a ré, imputando a ocorrência do mesmo a culpa exclusiva do condutor do veículo seguro.
A ré contestou, aceitando a celebração do contrato de seguro e a dinâmica do acidente, impugnando todavia os danos.
Foi proferido o despacho a que alude o art. 596º do CPC.
Realizou-se o julgamento com observância das formalidades legais.
*De seguida, foi proferida a sentença que constitui o objecto do presente Recurso, onde o Tribunal de 1ª Instância conclui com a seguinte decisão: “…Dispositivo: Pelo exposto, vai a presente acção julgada totalmente procedente e, consequentemente, condenada a ré “Companhia de Seguros A, S.A.” a pagar à Autora Maria uma indemnização no valor de € 99.770,00 (noventa e nove mil, setecentos e setenta euros), acrescida de juros contados à taxa de 4%, sendo sobre a quantia de € 29.000,00 (vinte e nove mil euros) a partir da notificação da sentença e sobre a quantia de € 70.770 (setenta mil, setecentos e setenta euros) a partir da citação-… “.
*É justamente desta decisão que a Ré/Recorrente veio interpor o presente Recurso, concluindo as suas alegações pela forma seguinte: “CONCLUSÕES 1. No que respeita aos danos não patrimoniais, decidiu o Tribunal a quo que “no caso em apreço, são particularmente de relevar as dores que a autora sentiu e continuará a sentir; o medo sentido na altura do sinistro e nos momentos que se seguiram e o prejuízo de afirmação pessoal determinado pelas limitações de que passou a padecer para a prática do ballet (6 a 7 horas semanais, a que acresciam os espectáculos, numa actividade que manteve desde os 4 anos até aos 19, altura em que sofreu o acidente ” 2. Resulta da matéria de facto dada como provada que a autora, por causa das lesões, deixou de praticar ballet ou dança.
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Essa matéria foi objecto de prova pericial e de posteriores esclarecimentos dos peritos que nela intervieram, de onde se concluiu que a autora não ficou impedida da prática dessa actividade, antes sim deixou de se sentir capaz de a continuar a realizar.
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A circunstância acabada de assinalar pode ser ultrapassada, não sendo garantido que se mantenha, sequer, por um longo período de tempo.
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Não resulta da matéria provada que à autora tenha deixado de ser possível retirar prazer pessoal da dança, ainda que com as reconhecidas limitações (obviamente indemnizáveis), o que terá forçosamente que se reflectir na compensação a atribuir a título de dano não patrimonial.
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A longevidade da carreira de bailarina não é a de um atleta “normal”, tal que, via de regra, os atletas abandonam a actividade em idade mais jovem, pelo que o dano não patrimonial tem um alcance num futuro próximo.
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Sendo certo que, no caso em apreço, o ballet era praticado não a título profissional, nem sequer principal, mas sim secundário ou, no máximo, paralelo aos estudos de arquitectura da autora.
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A autora ficou a padecer de um défice funcional permanente da actividade físico-psíquica de 6 pontos, que não reveste especial gravidade nas suas actividades diárias o que, de resto, não foi alegado e, naturalmente, também não foi provado.
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Conjugados todos estes critérios, entende a Recorrente que o valor arbitrado (a título de danos não patrimoniais) peca por algum excesso, peticionando-se, no presente recurso, a sua redução.
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O montante arbitrado para compensação do dano patrimonial futuro é, no entender da Apelante, exagerado.
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Reconhecendo-se o “rebate profissional” e, por isso mesmo, o dano que, de per si, é indemnizável por causa desse rebate, a verdade é que não se demonstrou que haja qualquer perda de rendimento concreta e expectável, que venha a surgir em virtude das sequelas identificadas na sentença originadas pelo acidente.
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Não se demonstrou, sequer, que a autora vá, no futuro, e por causa do acidente, ter mais dificuldade em conseguir um emprego em qualquer das profissões em cuja formação se encontrava a apostar.
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Acresce não existir uma relação proporcional entre a incapacidade funcional e o vencimento auferido pelo exercício de uma profissão em termos de se poder afirmar que ocorre sempre uma diminuição dos proventos na medida exactamente proporcional à da incapacidade funcional em causa.
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Não tendo ficado demonstrado que a Autora vai sofrer, efectivamente, ou sequer expectavelmente, qualquer diminuição dos seus proventos, a indemnização a arbitrar a este título terá que ser drasticamente reduzida.
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De facto, o Tribunal a quo, seguindo a esteira do Ac. STJ de 28/01/2016, optou por distinguir o valor da indemnização pela perda de proventos, daquela que compensa a “restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou reconversão de emprego pelo lesado, imA. M.icando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar; quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas”.
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Os esforços acrescidos para o desempenho das suas actividades, a restrição à possibilidade de mudança de profissão e diminuição do leque de opções que, nesse campo, estarão à disposição da autora, estão compensados pelo valor atribuído a título de dano biológico, pelo que os 60.000,00€ de dano patrimonial futuro são claramente exagerados.
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Entende a Apelante que a decisão sub judice deverá ser revogada e substituída por outra que atribua à autora um montante de indemnização global significativamente menor do que aquele que foi decidido pela douta sentença recorrida.”*Apresentou a Autora contra-alegações, concluindo as mesmas da seguinte forma: “I – O presente recurso deve ser rejeitado, ao abrigo do disposto nos artigos 639º nº2 e 640º do CPC, porquanto: a) Nenhuma norma se vê referida, e muito menos qual a interpretação que a Recorrente considera que tais normas devessem ter tido; b) E pese embora a Recorrente comece por afirmar que “aceita a matéria de facto considerada como provada”, acaba por tentar impugnar a mesma, dando como provados/não provados novos factos, sem dar cumprimento ao ónus de indicar, designadamente, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada.
II – A compensação pelos danos não patrimoniais deve ser calculada com recurso à equidade, mas aconselha a prudência que sejam considerados, como termo de comparação, valores pecuniários encontrados para o mesmo efeito noutras decisões judiciais relativas a casos semelhantes, sem prejuízo das especificidades e particularidades do caso que, concretamente, é submetido à apreciação do tribunal.
III – Para o efeito, indicam-se os Acórdãos supra referidos em 16., que versam sobre o valor das indemnizações por danos não patrimoniais sofridos em virtude de acidentes de viação: Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, de 19-02-2015 (Proc. nº 41/13.8TCGMR.G1); Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 22-11-2012 (Proc. nº 2082/10.8TBAMT.P1), e de 16-12-2015 (Proc. nº 6244/13.8TBVNG.P1); Ac. do Tribunal da Relação de Évora, de 03- 11-2016 (Proc. nº 718/12.5T2STC.E1); e o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 07/04/2016 (Proc. nº 237/13.2TCGGMR.G1.S1).
IV – No caso sub judice, não só resultou provado que o acidente de viação foi causado por culpa exclusiva do condutor, como o relatório pericial fixou o quantum doloris em 4 numa escala crescente de 7 graus de gravidade e o dano estético foi aceite por todos os intervenientes como sendo de grau 2 numa escala crescente de 7 de graus de gravidade.
V – Como consta da motivação da sentença, alguns aspectos da vida da Recorrida mudaram radicalmente, sendo o exemA. M.o mais gritante o abandono da prática do ballet, que a Recorrida praticava desde os 4 anos de idade, com afinco, dedicação e excelência.
VI – A Recorrida deixou de praticar ballet e outros tipos de dança – que também praticava em workshops – por causa das lesões sofridas em virtude do acidente, o que lhe causa um desgosto imensurável, choque e trauma.
VII – Não poderá colher o argumento de que o sentimento de incapacidade de prática do ballet pode ser ultrapassado e que a indemnização tem que ser reduzida em função da longevidade previsível da carreira de bailarina, pois a indemnização por danos não patrimoniais não tem que ver com reparação, mas com a compensação de danos de valor espiritual, moral e social, que não se compadecem com critérios de duração ou longevidade de carreiras! VIII - Perante o exposto, e atenta a mais recente tendência jurisprudencial de uma crescente e credível quantificação dos danos não patrimoniais, andou bem o Tribunal a quo a fixar a compensação por danos não patrimoniais em € 29.000.
IX – O ressarcimento do dano futuro não obriga a que fique provado que os lesados terão uma perda de rendimentos concreta e expectável e menos oportunidade de conseguir um emprego na área de formação.
X – O dano físico determinante da incapacidade exige do lesado esforços suA. M.ementares, físicos e psíquicos, para obter o mesmo resultado; e são estes esforços acrescidos – e as suas repercussões – que configuram danos indemnizáveis...
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