Acórdão nº 480/15.0T9PTLG1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 05 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelAUSENDA GON
Data da Resolução05 de Junho de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, na Secção Penal, do Tribunal da Relação de Guimarães: No processo Comum Singular nº 480/15.0T9PTL da Instância Local, Secção de Competência Genérica de Ponte de Lima da Comarca de Viana do Castelo, o arguido J. M.

, foi julgado e condenado, por sentença proferida e depositada a 12/12/2016, como autor material e na forma consumada, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto e punido pelos artigos 6º e 105º, nºs 1, 4 e 7 ex vi do artigo 107º, nºs 1 e 2, do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 05/06, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de € 6 (seis euros), no montante global de € 600 (seiscentos euros).

A arguida ..., Lda, foi também condenada, como autora material e na forma consumada de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto e punido pelos artigos 7º, nº 1, 12º, nº 3 e 105º, n.ºs 1, 4 e 7 ex vi do artigo 107º, nºs 1 e 2, do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 05/06, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de € 5 (cinco euros), no montante global de € 1.000 (mil euros).

Inconformado com a referida decisão, o arguido J. M. interpôs recurso, cujo objecto delimitou com as seguintes conclusões: «1. O presente recurso versa sobre a matéria de direito mas também sobre a matéria de facto.

  1. Vem o Arguido condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social p. e p. pelos artigos 6.º e 105.º, n.ºs 1, 4 e 7 ex vi do artigo 107.º, n.ºs 1 e 2 do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 05/06, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de €6,00 (seis euros), num total de €600,00 (seiscentos euros).

  2. No modesto entendimento do recorrente, a análise e apreciação cuidada e crítica de toda a prova produzida nos autos, que legalmente se impõe, não é suficiente, nem permite a formação da convicção positiva dos factos decisivos para a decisão da causa e a fundamentação vertida na sentença recorrida padece de contradição; ademais, e salvo o devido respeito, a Mmº Juiz “a quo”, fez uma errada apreciação da prova produzida em sede de audiência.

    I – DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO 4. Tal como resulta do teor da sentença recorrida, designadamente na respectiva fundamentação da convicção do Tribunal, no que à prova por declarações do arguido concerne as mesmas foram integralmente valoradas, posto que se afiguraram “sinceras, credíveis e com apoio na demais prova documental”.

  3. Em concreto, e tal como resulta do teor da sentença recorrida: “ (…) Nas suas declarações confessórias, assentou a prova da factualidade típica nos seus elementos objectivos e subjectivos, assumindo o arguido a responsabilidade pela decisão de não entrega nas instituições de segurança social das quantias retidas aquando do pagamento dos salários aos trabalhadores e membros dos órgãos estatutários da sociedade arguida, esclarecendo a motivação de uma tal decisão, a evolução da vida societária que a ela conduziu, todo o enquadramento passado e situação actual e, bem assim, os esforços encetados no sentido de solver a dívida.

  4. Das declarações que prestou resultou evidente que a não entrega das cotizações devidas decorreu das dificuldades de tesouraria que a sociedade arguida atravessava, integrada num contexto de ampla crise que grassou o tecido empresarial português e o sector da construção civil em particular. Neste contexto, o arguido estabeleceu prioridades, elegendo na afectação dos recursos que dispunha ao pagamento dos salários dos seus trabalhadores, em detrimento do cumprimento das suas obrigações para com a segurança social.” 7. No modesto entendimento do recorrente, a análise crítica e ponderada da prova por declarações do arguido prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento, as quais, como supra se deixou dito, foram integralmente valoradas pelo Tribunal, impunha uma decisão diferente pela Mm.º Juiz “a quo” designadamente quanto à matéria de facto vertida nos artigos 4, 6, 7, 8 e 9 da acusação pública, na parte que vai sublinhada e assinalada a negrito pelo recorrente nas suas motivações de recurso.

  5. Desde logo porque, tal como resulta da convicção do Tribunal vertida na sentença recorrida, se resulta evidente que a “não entrega das cotizações devidas decorreu das dificuldades de tesouraria que a sociedade arguida atravessava, integrada num contexto de ampla crise que grassou o tecido empresarial português e o sector da construção civil em particular. Neste contexto, o arguido estabeleceu prioridades, elegendo na afectação dos recursos que dispunha ao pagamento dos salários dos seus trabalhadores, em detrimento do cumprimento das suas obrigações para com a segurança social.”, jamais poderia ter sido dado como provado, como sucede no caso dos autos, que o arguido se apoderou da quantia de €7.197,86, e que a fez integrar no património da sociedade arguida e indirectamente no seu, utilizando-a em proveito próprio, enriquecendo em valor equivalente.

  6. Pelo contrário, aquilo que resulta provado nos autos, designadamente declarações do arguido prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento, integralmente valoradas pelo Tribunal, é que os pagamentos em débito à segurança social a título de cotizações dos trabalhadores e membros dos órgãos estatutários não foram efectuados porque nem a sociedade arguida, nem o próprio arguido dispunham de tesouraria para o efeito, pois que foi eleita a afectação dos recursos ao pagamento dos salários dos trabalhadores.

  7. Quer o arguido, quer a sociedade arguida jamais poderiam ter alegadamente apoderado e feito integrar em património seu, uma quantia que afectaram ao pagamento dos salários dos trabalhadores e, por conseguinte, não dispunham nem possuíam, como sucede no caso dos presentes autos.

  8. Há, assim, no modesto entendimento do recorrente, erro notório na apreciação da prova produzida e a fundamentação vertida na decisão recorrida padece de contradição.

  9. Pois que, da análise e valorização crítica da prova por declarações do arguido – que não é contraditada por nenhuma prova documental junta aos autos e foi integralmente valorada pelo Tribunal que as considerou “sinceras, credíveis e com apoio na demais prova documental” - impunha-se, como efectivamente se impõe, que a matéria vertida nos artigos 4, 6, 7, 8 e 9 da acusação pública, na parte que vai sublinhada e assinalada a negrito pelo recorrente nas suas motivações de recurso, fosse e seja dada como não provada.

  10. Por conseguinte, são elementos constitutivos do tipo objectivo do crime de abuso de confiança em relação à segurança social: a) a dedução, pelas entidades empregadoras, no valor das remunerações devidas aos trabalhadores das quantias por estes legalmente devidas à segurança social; b) a não entrega, total ou parcial, dessas quantias às instituições de segurança social no prazo de 90 dias; e c) a apropriação dessas quantias pelas entidades empregadoras.

  11. Ora, tal como resulta do acima exposto, jamais poderia a Mm.ª Juiz “a quo” ter dado como provada a alegada e inexistente “apropriação” quer pela sociedade arguida, quer pelo arguido, das quantias correspondente aos descontos dos salários dos trabalhadores e membros dos órgãos estatutários., impondo-se que tal matéria de facto seja dada como não provada.

  12. Quanto ao tipo subjectivo de ilícito, consubstanciado na intenção de apropriação ilícita das contribuições devidas à segurança social, como resulta inequívoco da prova por declarações do arguido, a mesma nunca existiu, como efectivamente não existe, sendo que por força das dificuldades de tesouraria os pagamentos à segurança social não foram realizados porque se elegeu a afectação dos recursos ao pagamento dos salários dos trabalhadores.

  13. Assim sendo, contrariamente ao que resulta da sentença recorrida, não se mostram preenchidos os elementos objectivos e subjectivos típicos do crime em presença, pelo que se impunha, como se impõe, a absolvição do arguido pela imputada prática dos mesmos.

    Sem prescindir do acima alegado, sempre se dirá ainda mais o seguinte: 17. Tal como plasmado no artigo 105.º, n.º 4 alínea b) do Regime Geral das Infracções Tributárias, aplicável ex vi artigo 107.º do mesmo diploma legal, o facto apenas é punível se “a prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito”, sendo que, como resulta do Ac. STJ n.º 6/08 (Diário da República, 1.ª Série, de 15.05.2008) de Uniformização de Jurisprudência, tal exigência configura uma nova condição objectiva de punibilidade.

  14. Ora, tal como resulta provado nos autos, a notificação para pagamento voluntário, a fls. 193-194, apenas ocorreu por carta datada de 15/02/2016, sendo que o arguido desde Outubro de 2015, encontra-se a proceder ao pagamento voluntário das cotizações em referência nos autos, nomeadamente através de um plano prestacional número 1436/2015.

  15. Ora, contrariamente ao defendido pela Mm.ª Juiz “a quo” na decisão recorrida, o normativo legal em referência não distingue entre pagamento total e/ou pagamento parcial, sendo certo que um pagamento prestacional e/ou parcial não deixa de ser um pagamento.

  16. Por outro lado, foi e é o próprio titular do bem jurídico, neste caso a Segurança Social, que aceitou e celebrou com o arguido o pagamento prestacional das quantias em referência nos presentes autos.

  17. Pelo que, encontrando-se a quantia a ser paga, como efectivamente está pelo arguido no âmbito do acordo prestacional realizado com a segurança social, tal circunstância, no modesto entendimento do aqui recorrente, colide com a sua responsabilização penal, impondo-se a absolvição da sua imputada prática.

  18. Pelo que, também assim, no modesto entendimento do recorrente, a Mm.ª Juiz “a quo” fez errada...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT