Acórdão nº 2184/15.4T8CHV.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelPEDRO DAMI
Data da Resolução19 de Outubro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

  1. RELATÓRIO.

Recorrente(s):- M. S.

; Recorrido(a)(s):- M. C.; *M. C.

instaurou contra J. B.

casado no regime da comunhão de adquiridos com M. S., J. A.

e D. B.

a presente acção declarativa de impugnação pauliana.

Alegou, para o efeito que, em 3 de Setembro de 2013 emprestou ao Réu J. B. a quantia de 23.000 €, com a obrigação de restituir até 31 de Março de 2014.

Sendo o pagamento realizado até à data apontada não incidiria sobre o empréstimo qualquer juro, caso contrário passaria a vencer juros à taxa de 4%.

O Réu J. B. assumiu ainda que, caso não fizesse o pagamento na data acordada, entregaria ao Autor o imóvel, sito no Lugar do …, na freguesia de …, com a área de 1450 m2, inscrito na matriz sob o art. … e descrito na Conservatória do Registo Predial sob p n.º ….

O Réu não procedeu ao pagamento do valor em causa.

Por sentença proferida no âmbito do Proc.1560/14.4T8CHV que correu termos no J1 da Instância Local Civil de Chaves do Tribunal da Comarca de Vila Real, foi o Réu J. B. condenado a pagar ao Autor a quantia de 23.000 € acrescida de juros legais à taxa de 4% desde 31 de Março de 2014 e até efectivo e integral pagamento.

Sucede que os Réus J. B. e M. S. possuíam vários imóveis, sendo um deles o imóvel supra referido, sito no lugar do Picoto.

Por escritura de doação outorgada em 5 de Setembro de 2014 os Réus J. B. e M. S. doaram aos Réus J. A. e D. B., seus filhos, o mencionado prédio, tendo-se reservado o usufruto vitalício do mesmo para a Ré M. S.

.

O Réu J. B. não tem qualquer outro património capaz de assegurar o cumprimento das suas obrigações, sendo que, com a doação em causa foi diminuída a garantia patrimonial do crédito do Autor.

Os restantes Réus sabiam que com essa actuação causariam prejuízos ao Autor.

O crédito do Autor é anterior à doação e à reserva de usufruto e das mesmas resultou a impossibilidade para o Autor da satisfação do seu crédito, ou pelo menos, uma dificuldade na mesma.

Requer, assim, o Autor que, seja declarada a ineficácia em relação a si da doação e reserva de usufruto descrita, e que seja reconhecido o direito à restituição na medida do seu interesse.

*Contestou a Ré M. S., invocando, desde logo, a ineptidão da petição inicial.

Em sede de impugnação afirmou que aceita a matéria vertida na sentença proferida no Proc.1560/14.4T8CHV-J1.

Logo, a quantia não lhe foi mutuada, sendo falso que a contestante e os seus filhos tivessem conhecimento que o Réu J. B. (de quem se encontra separada desde data anterior ao empréstimo aqui em crise) tivesse celebrado com o Autor qualquer contrato de empréstimo.

Na acção supra identificada a ali Ré foi absolvida dos pedidos contra si formulados, sendo demonstrado que o mútuo não foi contraído em proveito comum do casal, mas apenas em proveito do Réu J. B..

Ainda assim, afirma que a reserva de usufruto dos bens aqui em causa, que lhe pertence, não pode ser atacada, porque, atendendo à sua idade – 54 anos – e ao disposto no art. 13º do CIMT não representa valor superior a metade dos bens transmitidos para os seus filhos, mas sim apenas 45% do valor dos imóveis.

Pugna pela improcedência da acção.

Os Réus J. A. e D. B. não contestaram; e o Réu J. B. foi citado editalmente.

*Realizou-se audiência prévia, em que se proferiu despacho saneador, nos termos do qual se julgou improcedente a excepção dilatória de nulidade de todo o processado arguida pela Ré M. S., definiu-se o objecto do litígio e se seleccionaram os temas de prova.

*Designou-se data para a realização da audiência de discussão e julgamento, a qual decorreu com observância de todas as formalidades legais, como da respectiva acta emerge.

*Na sequência, foi proferida a seguinte sentença: “IV. Decisão.

Em face do exposto julgo a presente acção que M. C. instaurou contra J. B., M. S., J. A. e D. B., procedente por provada e, em consequência, declara-se a ineficaz em relação ao Autor e na medida da satisfação do seu crédito (23.000 € acrescido de juros à taxa legal de 4% desde 31 de Março de 2014 a até efectivo e integral pagamento o contrato de doação outorgado em 5 de Setembro de 2014 por referência ao imóvel sito no Lugar do …, na freguesia de …, que confronta a norte com caminho público, a sul com baldio, a nascente com M. B. e a poente com A. B., inscrito na matriz sob o art. …º e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …, podendo o mesmo ser executado no património dos donatários.” ”*É justamente desta decisão que a Recorrente veio interpor o presente Recurso, concluindo as suas alegações da seguinte forma: “I – Considerando que: -A Recorrente M. S., ao tempo casada com o Réu J. B., doou o prédio objecto dos autos (art. …º da freguesia de …, concelho de Chaves, registado na CRP sob o n.º …º), reservando para si o usufruto vitalício do mesmo.

-O prédio em causa era inequivocamente um bem comum ao casal que a Recorrente M. S. formou com o J. B. – cfr., por favor, certidão de registo predial narrativa completa, junta aos autos em 03.11.2016, donde consta ter aquele imóvel sido adquirido por compra a J. T. e mulher, Maria, na constância do casamento da Recorrente com o seu ex-marido.

-A Recorrente M. S. nada deve ao Autor.

-A Recorrente M. S. nasceu em 16 de Junho de 1961, tendo, à data da doação com reserva do usufruto para si, 53 anos de idade - cfr., por favor, certidão de nascimento, junta aos autos em 03.11.2016.

II – Considerando ainda que: A escritura em causa não representou para a Recorrente M. S., relativamente àquele prédio, qualquer aquisição de valor, qualquer enriquecimento, pois se antes da escritura era detentora, em termos de quota ideal, da sua meação na propriedade plena (raiz + usufruto), após a escritura passou a deter o usufruto sobre a totalidade do imóvel, deixando de ser proprietária da raiz.

Ou seja, a Recorrente, com a reserva de usufruto, deixou de ter a sua meação no prédio (50% do valor) para passar a ter o usufruto (45% do valor, atendendo à sua idade e ao disposto no artigo 13º do Código do Imposto Municipal de Sisa).

III – Entendemos que a Recorrente, que não deve nada ao Autor, não adquiriu do seu ex-marido, esse sim devedor, nada que o Autor justamente pudesse tornar ineficaz em relação a si.

IV - Representaria a nosso ver uma flagrante injustiça que a Recorrente, que nada deve ao Autor, pudesse ver o usufruto que detém sobre o prédio objecto dos autos penhorado por um terceiro a quem não deve nada.

V - Se a questão ainda poderá assumir alguma discussão relativamente a metade do usufruto, pois essa metade integrava a meação do ex-cônjuge da Recorrente, cremos que, pelo menos, relativamente à metade do usufruto que já integrava a meação da Recorrente e de que esta não abriu mão, não a tendo transmitido e reservando-a na sua esfera jurídico patrimonial, a mesma em caso algum poderá ser atacada pelo Autor, a quem a Recorrente não deve nem nunca deveu fosse o que fosse.

VI - Com efeito, não cremos que a Recorrente integre a figura de “obrigada à restituição” do artigo 616º do Código Civil porquanto se antes da escritura era titular de 50% do valor do imóvel, após a escritura o seu direito ficou confinado a 45% daquele valor. Ou seja, a Recorrente, com a outorga da escritura objecto de impugnação pauliana não se enriqueceu, não enriqueceu à custa do património do devedor, não provocou uma diminuição da garantia patrimonial do crédito do Autor que estava confinada à meação do devedor no património comum do casal.

A sentença recorrida violou, por conseguinte, o disposto nos artigos 610º e 616º do Código Civil.

Termos em que, na procedência do presente recurso, deve a sentença recorrida ser revogada na parte em que procedeu também relativamente ao usufruto reservado a favor da Recorrente.

Subsidiariamente, deve a sentença recorrida ser revogada na parte em que procedeu, pelo menos, em relação a ½ da reserva de usufruto a favor da Recorrente, correspondente à sua meação no património comum do casal que formou com o devedor e réu J. B..

”.

*O Autor apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do Recurso.

*Cumpridos os vistos legais, cumpre decidir.

*II- FUNDAMENTOS O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.

*No seguimento desta orientação, a Recorrente coloca a seguinte questão que importa apreciar: - Poderá o usufruto que a Recorrente reservou para si, na escritura de doação do bem imóvel, ser afectado pela procedência da Impugnação pauliana? – aproveitando-se, aqui, a pergunta que a própria Recorrente formula nas suas alegações.

*A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A sentença proferida em 1ª instância julgou provados os seguintes factos: “1. Por sentença proferida no Proc.1560/14.4T8CHV da Instância Local de Chaves – Secção Civil – J1, em 3 de Setembro de 2015 e transitada em julgado, o Réu J. B. foi condenado a pagar ao Autor a quantia de 23.000 € acrescida de juros à taxa de 4% vencidos desde Março de 2014.

  1. Tendo sido a Ré M. S. absolvida desse pedido.

  2. Estando provado nessa sentença que no dia 3 de Setembro de 2013 o Autor entregou ao Réu J. B. a quantia de 23.000 € devendo este restituí-la até ao dia 31 de Março de 2014 e acordaram ainda que, se a quantia mencionada não fosse restituída nos termos referidos, sobre a mesma passariam a impender juros de 4%.

  3. O Autor e o Réu elaboraram um documento escrito denominado contrato de confissão de dívida do qual consta que o Réu J. B. confessa ser devedor ao Autor da quantia de 23.000 € devendo a quantia ser entregue até 31 de Março de 2014.

  4. Por escritura pública de doação outorgada em 5 de Setembro de 2014 os Réus J. B. e M. S. doaram aos Réus J. A. e D. B. o imóvel sito no Lugar do …, na freguesia de …, que confronta a norte com caminho público, a sul com baldio, a nascente com M. B. e a poente com A. B...

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