Acórdão nº 9151/15.6T8VNF-B.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 04 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução04 de Outubro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

  1. RELATÓRIO.

Recorrente(s):- L. T. e mulher, E. T.

Recorrido- MINISTÉRIO PÚBLICO.

Nos autos de insolvência de pessoa singular, por sentença proferida em 18 de novembro de 2015, transitada em julgado, foi declarada a insolvência de L. T.

e mulher, E. T..

Realizada a assembleia de credores em 11 de janeiro de 2016, foi declarado aberto incidente de qualificação de insolvência.

O Senhor administrador da insolvência apresentou o parecer a que alude o art.º 188.º, n.º 3, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (doravante CIRE), propondo a qualificação da insolvência como culposa de L. T. e E. T..

O Ministério Público concordou com o parecer apresentado pelo senhor Administrador da Insolvência na parte em que propôs a qualificação da insolvência como culposa com fundamento no incumprimento reiterado do dever de colaboração por parte dos insolventes, propondo, também ele, a declaração da insolvência como culposa com esse fundamento.

Observado o contraditório, os requeridos apresentaram oposição, pugnando pela qualificação da insolvência como fortuita.

Fixou-se o valor do presente incidente, proferiu-se despacho saneador, fixou-se o objeto do litígio e os temas de prova, não tendo havido reclamações.

Realizada audiência final, foi proferida sentença, que consta da seguinte parte decisória: “a) qualifico como culposa a insolvência de L. T. e E. T.; b) fixo em 5 anos o período da inibição de L. T. e E. T. para o exercício do comércio, ocupação de cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa”.

Inconformados com essa decisão, vieram os insolventes dela interpor recurso de apelação, pugnando pela revogação da sentença recorrida e que a insolvência seja qualificada como fortuita, tendo apresentado as seguintes conclusões: 1.ª- Não tem aplicação aos insolventes o disposto na alínea i) n.º 2 art. 186º CIRE, uma vez que todas as previsões desse n.º 2 dizem respeito à forma como um administrador geriu o património de uma pessoa coletiva; 2.ª- Os insolventes, por 5 vezes, ao longo de 17 longos meses, prestaram ao administrador de insolvência as informações verdadeiras sobre o modo como viviam e os encargos do seu agregado familiar, inexistindo, pois, incumprimento reiterado do dever de colaboração - vd. citada alínea i) 3.ª- O tribunal "a quo" interpretou de forma errada as informações prestadas pelos insolventes e calculou um rendimento dos mesmos a partir do ano de 2008, o que não faz sentido, tendo em conta que a insolvência foi declarada em 2015 - vd. n.º 1 art.º 186.ª CIRE (a contrario) e n.º 3 art.º 607.º CPC.

O Ministério Público contra-alegou, apresentando as seguintes conclusões: 1. É aplicável aos insolventes, pessoas singulares, o estatuído no artº 186º, nº 2, al. i), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, perante o plasmado no nº 4 da mesma disposição; 2. O Tribunal a quo soube modelarmente analisar a factualidade carreada para os autos, designadamente transmitindo com absoluta clareza o percurso lógico percorrido pelo julgador para cristalizar a matéria de facto dada como assente, que assim deverá permanecer face ao seu evidente acerto; 3. Não foram violadas quaisquer disposições legais.

* Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

II- FUNDAMENTOS O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.

No seguimento desta orientação, as questões que são colocadas pelos Recorrentes à consideração deste tribunal são as seguintes: a- da inaplicabilidade da al. i), do n.º 2 do art. 186º do CIRE aos insolventes com fundamento na circunstância destes serem pessoas singulares; b- da inexistência de incumprimento por parte dos insolventes do dever de colaboração; c- da ausência de reiterabilidade desse alegado incumprimento do dever de colaboração por parte dos insolventes; d- da errada interpretação feita pelo tribunal “a quo” das informações prestadas pelos insolventes; e- se aquele tribunal ao calcular os rendimentos necessários para a subsistência dos insolventes e seu agregado familiar desde 2008, calculou mal esses rendimentos tendo em conta que a insolvência foi declarada em 2015, impondo-se que esse cálculo fosse realizado a partir de 2015.

** A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A sentença proferida em 1ª instância julgou provados os seguintes factos, os quais não foram colocados em crise pelos apelantes, sequer pelo Ministério Público e, como tal, encontram-se definitivamente assentes: A. Nos autos principais foi proferida sentença, datada de 18 de novembro de 2015 e transitada em julgado, a decretar a insolvência de L. T. e E. T., casados entre si.

  1. Na sequência da petição inicial por si apresentada nos autos, alegaram a inexistência de rendimentos, que suportavam gastos mensais com o respetivo agregado familiar, composto por si e por dois filhos, no valor de € 2.000,00 mensais e peticionaram a exoneração do passivo restante.

  2. Para apreciação deste último pedido, foram os insolventes notificados, em sede de assembleia de credores e na pessoa do seu ilustre mandatário, para esclarecer o Senhor Administrador da Insolvência sobre como vinham sobrevivendo face ao seu desemprego, à inexistência de quaisquer rendimentos conhecidos desde 2008 e aos elevados encargos por si suportados mensalmente.

  3. Perante a informação prestada (em 13 de janeiro de 2016; referência 2985409), dando conta que os seus rendimentos adviriam da exploração agrícola e de ajuda de familiares, foram novamente os insolventes notificados para prestar os esclarecimentos pretendidos, concretamente quem seriam os familiares em causa e quais as efetivas ajudas prestadas, desta feita com a cominação de que a falta de colaboração redundaria na qualificação da insolvência como culposa (em 11 de Março de 2016; referências 145792716 e 145792717).

  4. Os insolventes apresentaram novo requerimento a 30 de março de 2016, referência 3468285, onde referem que o valor total das despesas do agregado familiar dos insolventes referido na petição inicial, corresponde ao que seria necessário para suportar o custo normal desses encargos, mas assumindo que não têm meios para fazer tais despesas, nem tão-pouco para as poder pagar; reiteram ainda que vivem com a ajuda dos seus familiares, que lhes vão disponibilizando gratuitamente casa, alimentos e vestuário, na medida das suas possibilidades.

  5. Apresentaram ainda novo requerimento a 16 de maio de 2016 (referência 3734378), onde indicam e descriminam as despesas mensais que suportam, no valor total de € 895,00 por mês.

  6. Os insolventes foram notificados novamente para esclarecer como suportariam os seus encargos mensais (em 17 de junho de 2016; referência 147737441), tendo respondido, reiterando o que já haviam vertido nos seus anteriores requerimentos e acrescentando que não lhes foi feito qualquer empréstimo desde o ano de 2008.

** B- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO B.1- Da aplicabilidade às pessoas singulares do regime legal enunciado no art. 186º, n.º 2 do CIRE e respetivas consequências jurídicas.

A primeira questão colocada pelos apelantes a este tribunal consiste em saber se aqueles, enquanto pessoas singulares, se encontram submetidos ao regime legal enunciado no art. 186º, n.º 2, al. i) do CIRE, já que, na sua perspetiva, resulta claramente deste normativo que o seu n.º 2 não se aplica a pessoas singulares, o que é, segundo dizem, reforçado pela referência nesse preceito a “administradores de direito ou de facto”, sendo que o teor das várias alíneas desse n.º 2 reafirma a ideia de que aquele apenas é aplicável a pessoas coletivas, uma vez que todas essas previsões apontam para a atividade concreta de “um administrador”.

Entrando na apreciação desta questão, cumpre referir que nos termos do disposto no art. 3º, n.º 1 do CIRE, ocorre a situação de insolvência do devedor quando este se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas.

A insolvência, de acordo com o art. 185º do mesmo diploma legal, é qualificada como culposa ou fortuita.

O CIRE não dá uma definição de insolvência fortuita, pelo que o recorte desta faz-se por delimitação negativa do conceito de insolvência culposa, única que vem definida pela Lei, mais concretamente no seu art. 186º daquele Código, de sorte que são fortuitas todas aquelas insolvências que não sejam culposas, ou melhor dizendo, que não caibam no conceito legal de insolvência culposa.

A noção geral de insolvência culposa consta do n.º 1 do referido art. 186º, de acordo com a qual a insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência de atuação dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência, pelo que a qualificação de uma insolvência como culposa exige que se encontrem preenchidos os seguintes pressupostos legais cumulativos: a) atuação do devedor ou dos seus administradores, de direito ou de facto; b) que essa atuação seja dolosa ou com culpa grave, entendidos estes conceitos nos termos gerais de direito; c) que essa atuação ocorra nos três anos anteriores à instauração do processo de insolvência; e d), que se verifique um nexo causal entre essa atuação e a situação de insolvência em que se encontra o devedor ou o agravamento dessa situação.

Essa noção geral de insolvência culposa contida no n.º 1 do art.186º vale indistintamente para qualquer situação, seja o devedor pessoa singular ou coletiva, e é complementada e concretizada pelos n.ºs 2 e 3 daquele normativo com recurso a presunções.

Estatui o n.º 2 do referido art.186º do CIRE, que : “Considera-se sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus...

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