Acórdão nº 2159/06.4TJVNF-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 26 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelRAQUEL TAVARES
Data da Resolução26 de Outubro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I. Relatório Inconformada com o despacho que indeferiu liminarmente as reclamações apresentadas por não se mostrar preenchida a condição prevista pelo artigo 33° n.º 2 da Portaria n.º 419-A/2009 de 17 de Abril (na sua redacção original), veio a Ré EMPRESA A - PROMOÇÃO IMOBILIÁRIA LDA interpor o presente recurso, concluindo a sua alegação nos seguintes termos: 1.ª Se a norma constante do n.º 2, do art.º 33.º da Portaria 419-A/2009, de 17 de Abril, na redacção dada pela Portaria n.º 82/2012, de 29 de Março é inconstitucional, por violação da reserva de competência da Assembleia da República em matéria de direitos, liberdades e garantias - cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional datado de 30.03.2016, publicado no DR, 2.º Série, n.º 85.º, de 3 de Maio de 2016 -, também a mesma norma, resultante da versão original, é inconstitucional pelo mesmo motivo.

  1. Com efeito, a matéria respeitante à reclamação da nota justificativa de custas de parte possui natureza restritiva do direito fundamental de acesso à justiça e de tutela jurisdicional efectiva, pelo que, só pode ser regulada por lei da Assembleia da República ou por decreto lei autorizado e deve respeitar a reserva de lei - cfr. art.º 165.º, n.º 1, al. b) e art.º 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.

  2. Quando da publicação da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril, na sua redacção originária, o Regulamento das Custas Processuais nada previa quanto à possibilidade de reclamação das custas de parte, nem consagrava expressamente qualquer remissão para regulamentação por Portaria.

  3. Aliás, a Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril surge, segundo consta da mesma, ao abrigo do disposto no n.º 7 do artigo 4.

    º, nos n.os 5 e 10 do artigo 22º, no n.º 5 do artigo 29.

    º, no n.º 3 do artigo 30.

    º e no nº 8 do artigo 32.º do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, e no artigo 20.º do mesmo diploma, alterado pela Lei n.º 43/2008, de 27 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28 de Agosto, e pela Lei n.º 64ª/2008, de 31 de Dezembro e de nenhuma destas normas decorre habilitação que possibilite a regulamentação em matéria de custas de parte.

  4. Assim, o disposto no n.º 2, do art.º 33.º da Portaria 419-A/2009, de 17 de Abril, na redacção originária é, também, orgânica e formalmente inconstitucional.

  5. Tal como decidiu o Tribunal da Relação de Guimarães em Acórdão de 11.06.2015, Proc. N.º 312/10.5TTBGC.Gl, in www.dgsi.pJt «no âmbito de aplicação do Regulamento das Custas Processuais (DL n.º 34/2008, de 26/02) com a redacção dada pela Lei n.º 7/2012, de 13/02 e pela Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, não há lugar ao depósito do valor da nota como requisito de apreciação da reclamação judicial da nota descritiva e justificativa das custas de parte».

  6. Existe a obrigação legal de o Tribunal, oficiosamente, verificar se a nota discriminativa de custas de parte está em harmonia com as disposições Legais que a regulam e com as decisões judiciais proferidas no processo. É o que resulta da obrigação de envio da nota discriminativa de custas de parte ao Tribunal e do disposto no n.º 2, do art.º 31.º do RCP, aplicável às custas de parte por força do disposto no n.º 4, do art.º 33.º da Portaria n.º 419-A/2009.

  7. No caso dos autos, essa verificação oficiosa impunha-se pois a autora, além do mais, reclama valores a título de encargos que nada tem que ver com o processo (como uma certidão para o Tribunal Administrativo e Fiscal}, valores não comprovados e que são replicados e reclama custas de parte relativas à decisão do Tribunal da Relação exclusivamente à ré Empresa A quando, a própria decisão judicial declara que tais custas serão suportadas pela recorrente e por M. P. marido.

  8. Tendo em conta a confusão legislativa sobre o assunto, com os decorrentes conflitos jurisprudenciais - cfr. o citado Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 11.06.2015 - o princípio da cooperação e, sobretudo, o dever de gestão processual que resulta do n.º 2, do art.º 6.º do C.P.C. impunham que o recorrente, antes do indeferimento liminar, fosse convidado a efectuar o depósito da quantia que o M. Juiz "a quo" entende depender a apreciação da reclamação.

  9. A decisão recorrida violou ou não fez uma correcta interpretação do disposto nos art.ºs 165.º, n.º 1, al. b) e art.º 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, no n.º 2 e 4 do art.º 33.º da Portaria n.º 419-A/2009 de 17 de Abril, na redacção original, n.º 2, do art.º 31.º do RCP n.º 2, do art.º 6.º do C.P.C n.º 2, do art.º 31.º do RCP, aplicável às custas de parte por força do disposto no n.º 4, do art.º 33.º da Portaria n.º 419-A/2009.

    Pugna a Recorrente pela integral procedência do recurso, com a consequente revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que ordene o prosseguimento do incidente de reclamação.

    A Recorrida B. S. contra alegou pugnando pela improcedência do recurso interposto e pela manutenção da douta decisão recorrida.

    Foram colhidos os vistos legais.

    Cumpre apreciar e decidir.

    ***II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do CPC).

    As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pela Recorrente e pela Credora quanto à ampliação do objecto do recurso, são as seguintes: 1.

    Saber se saber se a norma constante do n.º 2 do artigo 33.º da Portaria 419-A/2009, de 17 de Abril na redacção originária é também inconstitucional por violação da reserva de competência da Assembleia da República em matéria de direitos, liberdades e garantias.

    1. Saber se o juiz oficiosamente deve averiguar da regularidade da nota de custas de parte.

    2. Saber se antes do indeferimento liminar deveria a Recorrente ser convidada a efectuar o depósito da quantia equivalente a 50% do valor da nota de custas de parte.

    ***III. FUNDAMENTAÇÃO A primeira (e principal) questão a decidir no presente recurso consiste em saber se a norma constante do n.º 2 do artigo 33.º da Portaria 419-A/2009, de 17 de Abril na redacção originária é também inconstitucional, por violação da reserva de competência da Assembleia da República em matéria de direitos, liberdades e garantias.

    A decisão recorrida considerou a inconstitucionalidade da norma na redacção que lhe foi dada pela Portaria nº 82/2012 de 29 de Março mas entendeu que se mantém actualmente em vigor a redacção originalmente conferida ao artigo 33°, nº 2 da Portaria nº 419-A/2009 de 17 de Abril, que sujeita a reclamação ao depósito de 50% do valor da nota reclamada pelo que não tendo os reclamantes depositado tal valor indeferiu liminarmente as reclamações apresentadas.

    Relembra-se aqui o teor do despacho recorrido: “Reclamações apresentadas pelos Réus M. O. e mulher, B. M. a 26.01.2017 e pela Ré "Empresa A" a 26.01.2017, da nota de custas de parte junta pela Autora: O Acórdão n.º 189/2016 de 03.05.2016, do Tribunal Constitucional (disponível em www.dgsi.pt) declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma do n.º 2 do artigo 33° da Portaria n.º 419-A/2009 de 17 de Abril, na redacção que lhe foi dada pela Portaria n.º 82/2012 de 29 de Março, por violação da reserva de competência da Assembleia da República em matéria de direitos, liberdades e garantias.

    Uma vez que a declaração de inconstitucionalidade em apreço produz efeito desde a entrada em vigor da norma revogada (artigo 282°, n.º I da Constituição da República Portuguesa), mantém-se actualmente em vigor a redacção originalmente conferida ao artigo 33°, n.º 2 da Portaria n.º 419-A/2009 de 17 de Abril, que sujeita a reclamação ao depósito de 50% do valor da nota reclamada.

    Uma vez que os Réus/reclamantes não depositaram metade do valor da nota apresentada pela Autora, indefiro...

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