Acórdão nº 4/16.1GBMDL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 23 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelELSA PAIX
Data da Resolução23 de Janeiro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em Conferência, os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães: I – RELATÓRIO Na Instância Local de Mirandela - Secção Competência Genérica (J2) – da Comarca de Bragança, no processo comum singular nº 4/16.1GBMDL foi submetido a julgamento o arguido J. J., tendo sido proferida decisão com o seguinte dispositivo: Assim, em face do exposto, de facto e de Direito, decide-se, julgar a acusação do Ministério Público totalmente procedente, por provada e, em consequência: a) Condenar o arguido J. J., pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de ameaças agravadas, previsto e punido pelos artigos 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, uma pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 15,00 (quinze euros), o que perfaz o montante global de € 1.800,00 (mil e oitocentos euros).

b) Julgar totalmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pela ofendida M. L.

, condenando o arguido/demandado civil J. J., a pagar-lhe, o valor de € 1.000,00 (mil euros), a título compensação pelos danos não patrimoniais por aquela sofridos, acrescida dos juros moratórios que se vençam a partir da presente decisão, até efectivo e integral pagamento.

**Custas Criminais Condena-se o arguido J. J.

nas custas do processo, fixando a taxa de justiça em duas unidades de conta, nos termos dos art. 513.º, n.º1 e 514.º, n.º1 do Código de Processo Penal e do art. 8.º, n.º 5 do Regulamento das Custas Processuais e tabela III, do anexo ao D.L. 34/2008 de 26 de Fevereiro.

*Custas Cíveis do pedido da ofendida Custas pelo demandado civil J. J.

e demandante civil M. L.

, na proporção do respectivo decaimento, nos termos do art.º 527.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil ex vi artigo 523.º do Código de Processo Penal.

**Proceda ao depósito da presente sentença na secretaria do Tribunal, conforme disposto no artigo 372.º, n.º 5, do Código de Processo Penal.

Notifique.

Após trânsito remeta boletim ao D.S.I.C.

*** Inconformado com a sentença condenatória, o arguido J. J. veio interpor recurso, terminando a motivação com as seguintes conclusões (transcrição): 1-Entende o arguido que não se encontram preenchidos todos os elementos do tipo de crime de ameaças para que pudesse ser o mesmo condenado por tal crime.

2-Com efeito, perante as expressões proferidas pelo arguido, segundo os depoimentos da ofendida e da testemunha M. A., as mesmas não são adequadas a preencher o tipo legal de crime em questão, por não conterem em si a ameaça de um mal futuro, o que constitui um elemento essencial do mesmo.

3-De facto, para que se preencha o tipo legal de crime de ameaças, não pode ser iminente, pois, que neste caso, estar-se-á diante de uma tentativa de execução do respetivo ato violento, isto é, do respetivo mal.

4-Esta característica temporal da ameaça é um dos critérios para distinguir, no campo dos crimes de coação, entre ameaça (de violência) e violência. Assim, por exemplo, haverá ameaça, quando alguém afirma: “ hei-de-te matar “, tal como consta na acusação; já se tratará de violência, quando alguém afirma: “ vou-te matar já”.

5-Não constituindo assim a ameaça de um mal futuro, limitador da liberdade individual da visada, mas sim um anúncio de um mal atual, iminente, contra a integridade física da ofendida, que começaria e acabaria ali, integrando caso se concretizasse o crime respetivo, sem que, em qualquer dos casos, o mal anunciado se projetasse na liberdade de decisão e de ação futura da vítima.

6-É também este o entendimento da doutrina e da jurisprudência em geral, o que se pode aferir, por exemplo dos seguintes acórdãos- Acórdão da Relação de Coimbra de 12-12/2001, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28/05/2008 de 28/11/2007, de 25/01/2006.

7- Deste modo e por não se verificar o preenchimento de todos os elementos do tipo ilícito, falta um dos pressupostos legais para que efetivamente se possa afirmar que foi praticado um crime de ameaças, devendo em consequência ser o arguido absolvido da prática do crime em causa. Tendo, assim, sido violados os artigos 153.º, n.º1 e 155.º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal.

8-Do conjunto de todos os depoimentos produzidos resulta que não existe factualidade suficiente, segura e conclusiva para que a Mmª Juiz a quo pudesse formar convicção, indubitável e segura, para condenar o arguido pelo aludido crime de ameaças, pelo que deveria, em respeito ao princípio basilar do nosso direito penal- in dúbio pro reo- ter absolvido o arguido.

9-De tudo o que foi exposto e dito, as contradições, os factos erradamente dados como provados, sem sustentação a nível probatório, o princípio da presunção da inocência, o ónus da prova que cabia à ofendida, por tudo isto, não pode deixar de considerar-se que o arguido foi erradamente condenado! Não se provaram os factos dados como provados. Todos os factos contaminados por dúvidas e incertezas que nunca gerariam uma condenação.

10- Sem prescindir do supra alegado e admitindo, por mera hipótese académica, como provados os factos em que assentou a sentença objeto de recurso, constatamos, claramente, que o recorrente não praticou o crime de ameaças agravadas, p. e p. pelos art.ºs 153.º, n.º1 e 155.º, n.º1 al. a) do Código Penal, porquanto as expressões proferidas:“ fugi para França para não ir para a cadeia mas aqui vou que a mato com uma foice” e “ que me matava com uma foice que traz na carrinha”, não integram as características do crime de ameaça, ou seja, não preenchem os requisitos exigíveis para o tipo legal de crime de ameaças.

11-Pelo exposto, o Tribunal violou o artigo 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa e não interpretou, nem aplicou, corretamente os art.ºs 153, n.º 1 e 155.º, n.º1, al. a), ambos do Código Penal.

12-Assim, de toda a prova resulta que não ficou provado que o arguido tenha efetuado os factos dados como provados na sentença, ou seja, que tenha proferido “eu tenho uma queixa em França e fugi para Portugal para não ir para a prisão, pois trago uma foice na carrinha que te hei-de matar com ela.” 13-Em suma, não ficou provado que o arguido praticou o crime, pelas divergências dos depoimentos relativamente às expressões que o arguido proferiu.

14-Nos termos do supra alegado e não tendo o recorrente praticado o crime em que foi condenado, deve o mesmo ser absolvido do pedido de indemnização civil.

TERMOS EM QUE E NOS DEMAIS DE DIREITO DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, POR VIA DELE, SER REVOGADA A SENTENÇA RECORRIDA E, EM CONSEQUÊNCIA, SER O RECORRENTE ABSOLVIDO DO CRIME DE AMEAÇAS EM QUE FOI CONDENADO, BEM COMO DO RESPETIVO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL.

FAZENDO-SE, ASSIM A HABITUAL E NECESSÁRIA JUSTIÇA *** O recurso foi admitido (cfr. despacho de fls. 127).

*** Em resposta ao recurso, o Ministério Público pugnou que o mesmo seja julgado improcedente e mantida a sentença recorrida.

*** Nesta Relação, o Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que “deverá ser negado provimento ao recurso”.

*** Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, não tendo sido apresentada resposta.

*** Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.

*** II – FUNDAMENTAÇÃO Passemos agora ao conhecimento das questões alegadas no recurso interposto da decisão final proferida pelo tribunal singular.

Para tanto, vejamos, antes de mais, o conteúdo da decisão recorrida.

Segue-se a enumeração dos factos provados e não provados e respetiva motivação (transcrição): II – Fundamentação a) Factos Provados Da audiência de julgamento resultaram provados os seguintes factos: 1) O arguido é irmão germano (irmão apenas pela parte do pai), da M. L..

2) No dia 12.01.2016, pelas 09h15, o arguido ligou para o telefone da habitação da M. L., sita na Rua da C… Mirandela.

3) Após uma troca de palavas entre ambos e relacionadas com a partilha de bens, como o arguido já estava a falar alto e em tom exaltado, a M. L., colocou o telefone em alta voz, para que a M. M., consigo residente, pudesse ouvir a conversa.

4) Nessa altura, o arguido proferiu as seguintes expressões, dirigidas à M. L.: “eu tenho uma queixa em França e fugi para Portugal para não ir para a prisão, mas em Portugal vou para a prisão, pois trago uma foice na carrinha que te hei-de matar com ela”.

5) Em acto seguido a M. L. desligou o telefone.

6) Em consequência da actuação do arguido, atento o teor das expressões e a seriedade com que agiu, sentiu a M. L. inquietação e receio pela sua vida e integridade física, temendo que aquele concretizasse as ameaças que lhe foram dirigidas e que a viesse a matar ou a ferir gravemente.

7) Ao actuar da forma descrita, quis o arguido provocar, como efectivamente provocou, inquietação e medo à M. L., fazendo-a recear pela sua vida e integridade física, bem sabendo que a conduta assumida era idónea a obter tal resultado.

8) O arguido actuou voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei e criminalmente puníveis.

9) Em consequência das condutas do arguido a ofendida sentiu medo, inquietação, ansiedade, não tem vontade de fazer nada.

10) O referido em 9) motivou que a ofendida passasse a andar acompanhada para todo o lado, com medo que o arguido concretizasse as ameaças.

11) O referido em 9) motivou que a ofendida tivesse de se dirigir ao Hospital de Mirandela e lhe fosse receitada medicação para a ansiedade.

12) Do Certificado de Registo Criminal do arguido nada consta.

13) O...

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